sábado, 22 de agosto de 2009

BALANÇA MAS NÃO CAI

por Raimundo Palhano

O título desta postagem é inspirado no artigo Entre a Parvoíce e a Capitulação, de Haroldo Sabóia, que, a propósito, tem se revelado um excelente analista da conjuntura política local e nacional, publicado em sua coluna no Jornal Pequeno de 21 do corrente mês.

Isto porque, para muitos dos que se encontram engajados na construção democrática e na luta pela derrocada do coronelismo no Maranhão, os recentes episódios do Senado Federal poderiam, aparentemente, significar que realmente o Senador José Sarney tem o “corpo fechado”. Ou, dito de outra maneira, para expressivas parcelas da população a imagem que fica gravada é a de um homem tão poderoso que está acima do bem e do mal e, por isso mesmo, a despeito do intenso bombardeio vindo da imprensa e da sociedade, balança aqui, balança ali, mas não cai.

Na postagem intitulada Os Isolados e Os Esquecidos, recentemente publicada, tento antever a morte iminente do sistema sarneysista ( no sentido de algo que ameaça acontecer em breve, não de algo que está acontecendo agora ou vai acontecer imediatamente), tomando por base os estragos produzidos pelo fim da blindagem sobre o seu fundador e a conseqüente perda de legitimidade ética do aludido sistema para o exercício da direção política.

O Presidente do Senado, no entanto, até agora não caiu, provavelmente não deixará o cargo de livre e espontânea vontade (ou pressão), apesar de um sentimento nacional de intensa e generalizada repulsa à sua permanência, demonstrados em manifestações públicas e mensuradas por institutos especializados em pesquisas de opinião.

Contando com o apoio incondicional do Presidente da República, que demonstra não temer qualquer tipo de desgaste daí decorrente, tanto para seu partido, como para sua candidata à sucessão presidencial, o Senador não só “banca o duro”, mas vai além, assumindo o papel de um ser realmente “incomum”, que sabe e exercita plenamente o imenso poder que tem, justamente por ser um dos mais destacados membros da elite brasileira, que construíram, como se sabe, um pacto de poder que está acima das instituições e que ainda hoje se mantém vivo.

Comentando o conteúdo dos Isolados e Esquecidos, o arguto e atento jornalista Daniel Mendes externou, por e-mail, sua discordância à tese do fim iminente do sarneysismo, pelo simples fato do Senador ser um dos mais ilustres integrantes do evidenciado pacto de poder das elites brasileiras.

Nas palavras de Mendes, “o pacto das elites sofre apenas o constrangimento de ver um dos seus tão “agoniado”, como você diz. Imagine quantos tapinhas nas costas e palavras de consideração ao pé do ouvido!”

Complementa ainda sua discordância sobre o nosso ponto de vista, afirmando: “Seria assim se vivêssemos em um país em que à autoridade moral correspondesse a autoridade política. Mas não é o caso. Sarney perde o desassombro de transitar por todos os círculos de poder, mas não perde uma vírgula do seu poder de influência, graças ao seu avalista, o presidente Lula”.

“Não vi, até agora - prossegue Daniel Mendes - qualquer manifestação de desidratação política de Sarney no setor elétrico. A crise é convenientemente tratada como um problema pessoal, uma atribulação a mais na vida de um político que já passou por tantas. Não se faz vinculação entre os malfeitos e todo o poder que ele mantém no ministério de maior orçamento da República. Veja o pouco caso com que as instituições e empresas públicas nem ao menos se deram ao esforço de explicar à opinião pública o pouco que já foi levantado sobre contratos, licenças e tudo o mais. Sarney perde poder político, mas esse é apenas o fardão que ele gosta de polir. Sua verdadeira obra é o controle sobre o setor elétrico, e, não podemos esquecer, sua familiar circulação pelo estamento jurídico das altas cortes.”

Longe de nos fazer desanimar e desistir, e não foi essa a intenção das reflexões do jornalista, sua análise reforça a tese de que o enfrentamento do poder oligárquico no Maranhão exige, entre outras habilidades, talento, determinação e inteligência por parte dos que se encontram na oposição. Impossível, numa realidade dessas, instituir um contra-poder popular e democrático alternativo ao regime dominante, sem que haja competência e legitimidade política concreta e autoridade moral e ética capazes de desconstruir as bases materiais e ideológicas do poder das oligarquias, de tal modo visíveis e perceptíveis pelo povo, a ponto de serem assimiladas e se traduzirem concretamente em votos.

Não se está diante de uma obra fácil e muito menos cerebrina, obviamente. A própria democracia brasileira ainda é uma incógnita. Na verdade, o que temos de marcante em nossa formação é o patrimonialismo, o sistema oligárquico e o coronelismo, os quais, ao longo do processo histórico, vão se metamorfoseando, contudo sem perder jamais as suas características e especificidades intrínsecas.

Somos verdadeiramente caudatários de uma cultura política extremamente problemática que, apesar de certos avanços, sobretudo no plano formal, ainda permanece bem distante da democracia e da valorização da cidadania. Mesmo nos dias atuais, em nosso país, não reconhecemos a soberania popular e a supremacia da Constituição, como demonstram os estudos do renomado e combativo jurista Fábio Comparato, fundador da rede de escolas populares de governo, a partir da USP.

Não precisamos portanto de muito esforço para verificar que em nosso país o “trono, o altar e a espada” e também as “altas cortes”, sempre estiveram juntos, erigindo suas próprias muralhas, olhando com desprezo para os de baixo. Essa espécie de deformação da história é a prova eloqüente de que não existe cidadania no Brasil. O grande Milton Santos, um dos mais fecundos intelectuais brasileiros e da América Latina, demonstrava cristalinamente que a classe média brasileira não luta por direitos, luta apenas para ter e garantir privilégios. Enquanto isso, na outra ponta, ao povo é, e sempre foi, negado o acesso democrático aos direitos de cidadania.

Claro outra vez que a construção democrática, por ser a maior e mais desafiadora das utopias modernas, ainda não está terminada e, muito mais ainda, não sabemos com exatidão se algum dia será efetivamente terminada, sobretudo sob o império dessa ordem mundial globalizada que inviabiliza o processo de evolução humana em harmonia.

Comparato recorre sempre a uma expressão feliz: democracia é a soberania do povo. Para transformar essa visão em realidade diz sempre que é preciso ação. “A ação é mais importante do que a contemplação”, afirma o eminente professor.

No Brasil e sobretudo no Maranhão, volto a insistir, não podemos mais nos dar ao luxo da omissão e da indiferença. Não temos mais fôlego para errar ou continuar no erro. Precisamos mais do que nunca pensar e realizar ações centrais para o processo de reelaboração da história a que estamos desafiados.

Novamente recorro a Milton Santos que sempre falava de algo que muito nos diz respeito em se tratando do Estado do Maranhão. Discorrendo sobre a cultura brasileira, afirmava que ainda não havíamos descoberto as formas de pensar a partir do nosso modo de ser. É o mesmo que assevera Eduardo Galeano, um dos símbolos da identidade latinoamericana e conterrâneo de Beatriz Bissio: “...Somos caricaturas de modos de vida que nos impõem de fora. Estamos governados por um sistema de poder que nos convence que não há virtude mais alta do que a do papagaio e habilidade comparável à habilidade do macaco”.

Precisamos, urgentemente, preencher os vazios de nossa cultura política instituindo conteúdos novos e inteligências vivas e contextualizadas às nossas formas de reação e luta. Precisamos superar a maneira dual de fundamentar o nosso discurso de oposição, indo infinitamente mais além dos limites fronteiriços entre o bem (nós) e o mal (os coronéis). O papel dos intelectuais universitários e intelectuais populares nesse campo é ajudar a esclarecer o povo e a população de um modo geral sobre que está acontecendo em nosso meio. A desinformação e o isolamento em que se encontram submetidas as camadas populares devem ser enfrentados imediatamente.

Se a política deve ser vista como a grande dimensão da vida ética, como demonstram pensadores que merecem todo o nosso respeito, o “balança-mas-não-cai” do Presidente do Senado deixa bem claro que o esvaziamento do sarneysismo é irreversível e muito poderá nos ajudar no enfrentamento do desafio de realizar a utopia democrática neste chão promissor que é o Maranhão.



segunda-feira, 17 de agosto de 2009

OS ISOLADOS E OS ESQUECIDOS

por Raimundo Palhano

O inferno astral pelo qual passa o presidente do Senado deixará marcas profundas no sistema de poder por ele instituído no Maranhão há mais de quatro décadas. O assim chamado sarneysismo finalmente se inviabiliza e desmorona nacionalmente, de forma fulminante e sem precedentes, além de perder, por via de conseqüência, uma das suas bases estruturantes mais representativas: a força derivada de suas vinculações com o poder federal.

Claro para todos que até o presente momento esta força não desapareceu e nem desaparecerá de uma hora para outra. O Chefe da dinastia ainda reúne enorme influência no sistema partidário e em quase todas as instituições dirigentes do país. Afinal estamos tratando de um ex-Presidente da República e de um dos mais poderosos coronéis da história política brasileira recente. Aos olhos do povo brasileiro, dos formadores de opinião, dos jornalistas, da parte mais ilustrada da intelectualidade, o presidente do Senado, todavia é um ser em estado agônico e eticamente impedido de influenciar nos destinos do país.

Face ao quadro descrito, confirmando-se por completo o processo de esvaziamento do poder nacional do sarneysismo, a tendência natural é o Chefe do clã retornar plenamente para suas bases de sustentação regionais, no caso Amapá e Maranhão, com dois objetivos cristalinos: primeiramente, reunir todas as energias vitais que ainda lhe restam para garantir a continuidade do poder familiar estadual, transferindo o que sobrou do seu capital político à herdeira de sangue, atual “governadora” do Maranhão.

O segundo passo é recolher-se a uma de suas” ilhas do nunca” para descansar finalmente o velho e combalido corpo quase octogenário que, por mais bem cuidado que tenha sido, não teve inteligência suficiente para fazer escolhas certas antes de encerrar a carreira.

Ao ceder aos apelos de um apetite voraz pelo poder, que já lhe dera bem mais do que o merecido, entrou em um labirinto escuro que lhe consumiu qualquer possibilidade de redimir-se com a sua própria biografia, sua terra natal e o seu país. O todo poderoso imortal e “incomum” maranhense, aquele com mais super-poderes que esta terra foi capaz de produzir, por um castigo do destino, vai se esborrachar justamente ao pisar em simples cascas de bananas, atiradas da tradição patrimonialista e nepótica de governar, que políticos tradicionais e mortais deste país jamais se deixaram ir ao chão.

Faço estes comentários todavia para chamar a atenção de que o esvaziamento do sarneysismo no plano nacional não quer dizer sua morte automática e iminente no Maranhão e, muito menos, que a oposição ganhará facilmente a disputa pelos Leões em outubro de 2010.

O sistema dinástico implantado no Estado é ainda muito forte, com raízes e tentáculos em todos os lugares, apesar dos sinais evidentes de crise de legitimidade, de confiança e de inteligência.

Não será suplantado obviamente se as oposições não tiverem capacidade de propor e viabilizar um novo projeto de governo para o Maranhão, capaz de representar as aspirações negadas por décadas ao comum do povo maranhense.

O tempo para cumprir esse desafio, ou realizar essa missão cívica, deverá ser cuidadosamente trabalhado. Os detentores do poder no Maranhão desenvolveram uma tecnologia de governo que funcionou muito bem, voltada à reprodução e continuidade dos seus poderes. Afirmaram-se justamente ao dominarem a arte e o engenho de prometer ilusões à população por meio de processos diretos de aliciamento, troca de favores e cooptação. Sempre contaram e contam com a ajuda do estado de necessidade, baixo letramento e a desinformação de amplas parcelas do povo. Sem contar que as classes médias locais e as elites tradicionais, sejam econômicas ou políticas, sempre estiveram subordinadas compulsória ou voluntariamente a esse sistema de poder, seja para satisfazer interesses corporativos imediatos, seja por temor aos métodos de condução e afirmação política vigentes.

A nosso juízo está claro que é preciso fortalecer e ampliar o contingente dos que se opõem ao sistema de poder dominante na política local, retomando, com todo o vigor, a frente ampla de maranhenses que abominam e se saturaram dos privilégios, arrogância e elitismo da dominação oligárquica.

A experiência de pouco mais de dois anos do governo Jackson Lago representa um fato histórico dos mais relevantes, tendo deixado experiências e lições preciosas, sobretudo por revelar que é possível, pela união de muitos, derrotar o antigo regime, agora redivivo, que se espera seja enfim ultrapassado.

O ano de 2010 será emblemático, pois será uma oportunidade ímpar para completar a fase inaugural do governo injustamente deposto e interrompido da Frente de Libertação e iniciar uma outra, mais madura e melhor preparada, para derrotar finalmente os velhos paradigmas da política clânica maranhense. Será o momento da solidificação do diálogo entre lideranças oposicionistas experientes, testadas e reconhecidas e as novas lideranças que surgiram no cenário estadual em anos mais recentes, que serão os naturais substitutos e continuadores do processo de desenvolvimento político do nosso Estado.

Esta será um engenharia que não será obra apenas dos políticos, sejam da esquerda ou da oposição. Acostumamo-nos à idéia de que o desenvolvimento do Estado e das políticas públicas em geral são monopólios de poucos, em especial dos políticos, de altos consultores, de “experts” e, em menor grau, de uma elite de técnicos que operam a burocracia estatal.

O discurso da democracia participativa tem sido historicamente mero exercício retórico ou simples peça publicitária. Os outros segmentos da sociedade, de um modo geral, são chamados apenas para compor a cena ou para serem “sócios” em benesses governamentais.

Este quadro precisa mudar radicalmente. A questão é por demais complexa e desafiadora para ficar apenas sob o monopólio dos políticos profissionais. Além da participação ativa dos movimentos sociais organizados e da sociedade civil, dois segmentos são vitais para este novo momento que se avisinha: a convocação urgente da inteligência universitária e o envolvimento ativo do segmento empresarial comprometido com a democratização do Estado e com a responsabilidade social em seus empreendimentos.

Quem vive e respira diariamente o ar que cobre o território maranhense percebe com nitidez um fenômeno muito particular. No Maranhão os intelectuais universitários se isolam enquanto bloco orgânico e as camadas empresariais são surpreendentemente esquecidas em tudo que diga respeito às questões e aos problemas ligados ao desenvolvimento das políticas públicas e do Estado.

No caso dos intelectuais não é muito difícil encontrar as causas aparentes do seu isolamento. Creio que a sociedade maranhense tradicional, apesar da fama literária, jamais atribuiu valor real e poderes concretos aos seus intelectuais universitários.

Em nossa terra, como se nota, só existe realmente um tipo de intelectual reconhecido: os que freqüentam as academias literárias, embora também sejam vistos por muitos como seres distantes e viventes de um mundo fora de contexto. São em muitos casos ornamentos de um mito beletrista que serve inclusive para por verniz ao poder dominante.

Como não são reconhecidos e valorizados os que representam a inteligência acadêmica universitária, acabam se auto-isolando e criam mundos à parte nos limites físicos do campus universitário. Já fui desse mundo e sei muito bem o gozo e o prazer que promovem no ego dos seus ilustrados habitantes.

Claro também que uma das causas desse não-reconhecimento tem a ver com o atraso relativo do nosso Estado, fruto de razões históricas e motivações de ordem política, que confinaram a autonomia intelectual a um plano secundário.

É plausível admitir que o longo atraso que produziu um elitismo exarcebado das camadas dominantes fez com que buscassem na política oligárquica, no coronelismo, o escoadouro mais eficaz para seus objetivos de perpetuação do poder. Assim, produziu-se um tipo de sociedade em que os acadêmicos vêem as elites tradicionais com profundo desprezo, às vezes até mesmo com total indiferença, e estas, as elites tradicionais, vejam os intelectuais universitários como meras “cabeças pensantes”, apenas isso, portanto incapazes de contribuir para a solução dos problemas recorrentes no contexto político e social.

Um divórcio total que inibe completamente o diálogo, elevado quase à naturalidade, sobretudo pelo fato da inteligência universitária ser justamente uma das fontes da crítica às elites tradicionais do Estado, a quem atribuem a responsabilidade pelas causas do atraso. Quase um beco sem saída, mas que precisa ser enfrentado com o melhor das nossas capacidades.

O envolvimento do empresariado é outro dos grandes desafios. A prática oligárquica maranhense de gerir o Estado seguiu uma trajetória perigosa, que foi a de produzir, em cada ciclo governamental, uma nova camada de novos ricos, originária da proximidade com as obras públicas governamentais. Prevalece ainda a cultura segundo a qual o sucesso empresarial passa pelas vinculações orgânicas com os governos, a ponto de produzirem uma quase subordinação do segmento aos governantes palacianos. Fala-se ainda da existência de formas promíscuas, em muitos desses relacionamentos, o que provoca o afastamento e a omissão de boa parte do segmento, tanto daqueles que são excluídos, como daqueles que não aceitam as formas impuras de gerir o Estado, que são, na verdade, a maioria.

Até praticamente a metade do século passado o setor empresarial maranhense teve um peso muito grande nos destinos do Maranhão. Bem antes que os políticos profissionais, o empresariado local detinha a liderança das propostas e projetos de desenvolvimento para o Maranhão.

O Estado vai se aparelhar depois da velha “Casa da Praça”, liderada por comerciantes, lavradores e industriais, embrião da Associação Comercial, lugar no qual a elite econômica exercerá sua hegemonia. A relação era inversa ao que se vê hoje: era a elite política que recorria à elite econômica local.

O processo histórico responsável pela valorização do poder político teve a ver com a decadência do Maranhão, que já vinha se dando desde a segunda metade do século XIX, implicando no aparelhamento do poder e da burocracia estatal pela elite econômica decadente, em associação com os segmentos políticos tradicionais, que viram nesse processo a garantia de continuidade e manutenção dos seus poderes.

O lugar socialmente reconhecido e legitimado onde se processava a discussão sobre a “decadência” do Maranhão era principalmente a Associação Comercial. Todo o debate mais fecundo que se travou à época sobre a crise da Abolição e da transformação do trabalho se processou na antiga instituição de classe. Os estudos de Sérgio Vieira, João Antonio Coqueiro e Dunshee de Abranches são eloqüentes sobre isso. Havia na sociedade de então o reconhecimento de que a salvação econômica da Província passaria pela Associação Comercial. O maior de todos os seus ícones foi Martinus Hoyer, espírito adiantado para sua época, que lutou tenazmente contra o arraigado tradicionalismo dos comerciantes locais, que desdenhavam de suas profecias e que, por essa razão, acabou sendo visto como coveiro dos agricultores tradicionais.

A nova engenharia política que precisamos construir, mais inteligente e eficaz que aquela que domina o Estado há vários anos, deverá ser uma obra que leve o Maranhão e o seu povo a trilhar o caminho do desenvolvimento endógeno harmonioso.

O elitismo das camadas dominantes, presente em nossa formação histórica e social, precisa ser substituído por uma nova sociabilidade, centrada nos princípios da igualdade e da liberdade. Fundamentos de uma nova ordem que haveremos de construir, instituindo novas subjetividades democráticas que possibilitem ao Maranhão o reencontro com o seu sonhado destino civilizatório.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

"BANQUE O DURO"

por Raimundo Palhano

Não deixe o seu lugar. Foi o conselho do venerável Bita do Barão de Guaré ao presidente do Senado, José Sarney, que, ao que parece, está sendo levado extremamente a sério.

Quem ousaria desconsiderá-lo? Afinal, não se trata de um simples palpite. Estamos frente à opinião de um sumo sacerdote do Terecô, um mito vivo para o povo de Codó e muitos outros lugares deste imenso Maranhão. Um mago que, além de Ministro de Culto Religioso, foi agraciado pelo próprio Sarney, nos tempos de presidência da República, com o título de Comendador do Brasil, galardão este acessível a um pequenino grupo de brasileiros. Segundo a Época de 18.02.2002, estamos falando do pai de santo mais bem sucedido, respeitado, amado e temido do Maranhão.

Com toda certeza o zelador de santo chegou a essa conclusão consultando seus deuses e guias espirituais. Vale recordar que deles já havia recebido a mensagem de que o Senador tem o “corpo fechado”. Ketu, Olorum, Jeje ou Vodun provavelmente se manifestaram, levando Mestre Bita a emitir tal conselho.

Respeito os sacerdotes de todas as religiões e toda e qualquer forma de sincretismo religioso. Aí de nós se assim não agíssemos. O Terecô que o Barão de Codó professa está bem pesquisado e pode ser admirado nos trabalhos de Mundicarmo Ferretti, estudiosa dos cultos afro-brasileiros praticados no Maranhão, que são derivações do Tambor de Mina, semelhante à Umbanda.

E se o Barão não leu corretamente o que disseram seus búzios? Claro que sacerdotes podem errar. Ainda mais em se tratando de política, o mais complexo dentre os "fenômenos religiosos" contemporâneos. A política brasileira, na qual figura a maranhense, ainda tem uma peculiaridade. De tão surreal que é, paira acima de qualquer previsão, mesmo às dos terreiros e das catedrais, escapando assim a qualquer prognóstico, até mesmo o religioso.

Bira que nos desculpe, mas desta vez o conselho dado parece que não acertou no alvo. A crise do Senado, pela dura decisão do seu Presidente de não ceder aos clamores da opinião pública, para que se afaste até o julgamento das acusações que lhe são assacadas, está provocando o desmoronamento de uma das instituições basilares do Estado Brasileiro, construído com muita luta ao longo dos anos de nossa formação social.

A hora, Mestre Bira, não é mais de consultar o oráculo, indagando se o Senador deve ficar, “bancar o duro”; o que os cidadãos e cidadãs deste país, na verdade, esperam é que os deuses digam que não é possível adiar por mais tempo a saída.

Quem ainda acredita no futuro do Brasil, no fortalecimento de suas instituições e no valor superior da democracia e do regime republicano exige o fim dessa insanidade apavorante que domina o atual Senado Brasileiro.

Precisamos, venerável Mestre, de ar renovado em nossos pulmões, sob pena de um colapso profundo em nossas crenças e sonhos. O próprio Senador, ó Barão, precisa descansar suas mãos trêmulas.