quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

O MARANHÃO INTERIOR


                                                                                               por Raimundo Palhano

O Maranhão é único visto como história. Por maiores que sejam as semelhanças e convergências com outros estados vizinhos, ou com mundos lá fora, há uma seiva especial gerada pelos filhos da terra. É o conteúdo do invólucro que define o seu modo de não ser, a sua esperança de morte e o seu potencial de transcendência.

Não há santo, gênio ou governo no mundo que sobreviva sem revelar e respeitar esse tesouro. Mesmo sabendo disso, em última análise, é para isso que os governos deveriam se aventurar. É para isso que santos e gênios existem.

O etos maranhense decorre de duas matrizes geográficas: uma que se origina no interior e outra que brota das ruas e das casas citadinas. Em uma perspectiva de longo prazo, os dois distintivos se separaram, por descuido ou omissão, ficando nos confins a sua parte mais esquecida: o Maranhão do interior.

Com efeito, a história do Maranhão possui características e peculiaridades que levaram à configuração desse quadro. 

O povoamento à época da ocupação europeia apresentava-se fraco, em torno do golfo maranhense e da ilha que abrigava a Capital, tendente à redução. O comércio com Lisboa era pequeno, sobretudo pela falta de braços. Não podiam importar africanos e a escravização dos indígenas gerava conflitos com o projeto econômico e catequético dos jesuítas. A tendência declinante nas primeiras décadas do século XVIII eram evidentes. Boa parte dos beneficiários das doações vivia na metrópole portuguesa, sem a menor preocupação com o destino de suas capitanias. Os habitantes do território mantinham-se afastados dos povoados, embrenhados em suas roças e propriedades. 

Trazendo o passado para hoje, mesmo decorridos tantos anos, não há como negar o atavismo presente no diálogo contemporâneo com o interior.

Outro fato histórico também influi no fenômeno. O longo período de isolamento do Maranhão em relação ao restante do Brasil, por exemplo, produziu várias consequências para a sua formação social, política e cultural, destacando-se o tardio desenvolvimento de sua economia colonial e a forte identificação com Portugal, a ponto de só aderir à Independência mediante intervenção armada, isto em 1823.

Mesmo a introdução da Companhia Geral de Comércio do Maranhão e Grão-Pará - CGCMGP, iniciativa do Marquês de Pombal, no reinado de D. José I, a partir da segunda metade do século XVIII, período em que a economia colonial maranhense assumiu relevância, produzindo algodão, arroz e mais tarde, já no século XIX, cana-de-açúcar, produtos de larga valorização à época, não conseguiu desenvolver o interior, que seguirá sendo área apenas para o emprego de fatores de produção econômica e, mais recentemente, reserva de valor para grandes empresas, elites econômicas e políticas.

Não esquecer que a “era do ouro” da economia maranhense, representada pela CGCMGP visava transformar o Maranhão, embora tardiamente, em uma colônia tropical clássica e, para isso, possuía dois monopólios decisivos: o do transporte e o do comércio externo. Indubitavelmente, lançou as bases do notável surto de desenvolvimento das quase cinco décadas seguintes, indo até às primeiras do século XIX, reforçando os fluxos e drenos que levavam para a Capital os benefícios materiais do aumento da riqueza produzida.

Tais circunstâncias influenciaram na configuração de uma mentalidade, presente nos beneficiários locais, representados por algumas centenas de senhores de terras e comerciantes, que se identificava com uma visão centralizadora e concentradora dos frutos do progresso.

O projeto cultural dessas elites baseava-se no transplante da civilização europeia. Símbolos disto: sobradões de paredes duplas, fachadas de azulejo, criadagem numerosa, filhos doutorando-se em Coimbra e Lisboa, assimilação dos gostos e modas europeias, indo do mobiliário, alfaias, baixelas, trajes, comidas, bebidas e lazeres.

A grande lavoura e o trabalho escravo, sobretudo entre a segunda metade do século VIII e as primeiras décadas do século XIX, fizeram do Maranhão uma das áreas mais ricas do Brasil, tornando São Luís, com cerca de 25.000 habitantes em 1822, a quarta cidade brasileira, atrás apenas do Rio de Janeiro, Salvador e Recife. Chegou a ter entre 100 e 150 navios por ano no porto e exportava ao redor de 1 milhão de libras, quase um terço das exportações do Brasil. No período o Maranhão era o segundo maior produtor de algodão, perdendo apenas para Pernambuco.

Formou-se então uma elite próspera no seio da qual saíram os poetas, os juristas, os políticos, os jornalistas e os eruditos, responsáveis pela distinção cultural da Província, que se sedimentará mais adiante, levando à mística construída pelos pósteros da Capital Atenas, principalmente pela sua condição de sucursal das luzes europeias, revigorando o dar as costas e o desprezo pelo interior e sua cultura, tratadas desde sempre como segunda categoria.

Impossível, portanto, não reconhecer que os determinantes que informam o etos maranhense estão associados a esses grandes momentos da sua formação social. Voltar-se mais para Lisboa do que para dentro de si, ou mesmo para o Brasil, produziu um contexto social, político e cultural que engendrou a dissolução voluntária dos vínculos originais e posteriores, responsável pela dualidade da “civilização” maranhense, colocando o interior do Maranhão no extravio de forma inexorável.

A resultante desse movimento histórico e dinâmica social produziu no imaginário e nas práticas políticas dos governantes e das elites dirigentes e seus seguidores a fixação na ideia de que o passado, o presente e o futuro do Maranhão começam sempre a partir de sua metrópole. Ao interior fica reservado o pão e o circo, itinerâncias à base de missangas, para trocas de presentes sem valor e apertos de mãos geladas, que mal servem para um “toma lá, dá cá”, no fundo, mais um golpe mortal no que restou de dignidade nas relações políticas com o interior.

Impossível mudar a realidade maranhense sem uma engenharia política que promova o reencontro das duas civilizações desgarradas. Pouco se conhece sobre o Maranhão interior; o composto de verdades está relacionado a um modo "metropolizado" de governar e de conduzir o desenvolvimento do Maranhão, concentrado e centralizado pelos palácios de São Luís.

Implodir o velho e reinventar o novo passa pela ruptura mental com essa ideologia. Começará quando o complexo cultural representado pelos 217 municípios for assimilado e incorporado pela cultura institucional, pelas estratégias econômicas e pelos partidos no poder. 

Quando o diálogo entre as duas civilizações for horizontal, aí sim será possível começar a falar em profecias ou aspirações, como revolução democrática. 

E isso só será possível porque as atuais estruturas de poder serão substituídas por outras, que precisam estar visceralmente comprometidas com a devolução do poder ao povo maranhense, representado altivamente por suas 217 bandeiras.

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

DO ESTADO DE UM PARA O ESTADO DE TODOS


                                                                          

                                                                por Raimundo Palhano

A ascensão ao poder de Flávio Dino em 2015, consequência da vitória eleitoral de 2014, rompe um ciclo da história política maranhense, fenômeno iniciado por Jackson Lago, no curto período de 2007-abril de 2009, destronado pelo complexo político-jurídico reinante, ao abrir as cortinas para novas esperanças. 

Dino passará para a história da libertação do Maranhão se desconstruir a estrutura de poder político e econômico montada desde fins da primeira república (1930 em diante) e revigorada ao extremo nos últimos 50 anos. 

A sua força e liderança moral para promover uma nova cultura política dependerão da capacidade de não se deixar seduzir pelo fascínio do poder, abdicando conscientemente dos acúmulos inerentes ao papel de governador, que lhe será confiado, repartindo e compartilhando efetivamente com a sociedade local o poder que lhe chegar às mãos.

Simbolicamente pode-se dizer que a era das oligarquias acabou no Maranhão, o que vem sendo afirmado, de forma surpreendente até, pelos próprios representantes do poder moribundo. A era nova que virá já começou ontem e nascerá a cada manhã, se a noite não ofuscar a luz do sol.

Construir uma nova subjetividade sobre o Maranhão, fora dos limites do discurso tradicional empregado para justificar e condenar o atraso político e social, pisado e repisado à exaustão nas últimas décadas, é a maior das prioridades e requer, de imediato, que se faça o diagnóstico honesto do referido Estado. 

Para deflagrar o processo de ruptura é necessário ir além dos limites ideológicos do seu passado mítico, que alimentaram tanto as forças do poder único, agora perdidas e sem rumo aparente, como as elucubrações dogmáticas dos poucos heróis da resistência e seus fervorosos partidos e agremiações de oposição.

A nova narrativa para um Maranhão reinventado nascerá do entendimento a respeito de onde efetivamente decorrem os problemas do Maranhão. Os minimamente informados sabem que essa origem vem das questões políticas e econômicas não ou mal resolvidas. Mas não fica só nisso. O corte exige precisão cirúrgica e sobretudo capacidade de enfrentamento e de resolução.

Algumas mazelas estão à flor da pele. A televisão como primeiro poder é uma das mais proeminentes. Não se trata de reacionarismo contra a tv. O que precisa ser neutralizado são os efeitos nocivos de um sistema de poder que governa com as televisoras e não com a sociedade e seus desafios.

Ferir mortalmente o sistema de privilégios que foi se cristalizando no Estado, começando nas maiores cidades e se projetando na totalidade dos municípios, ocupa posição estratégica. Causa pavor a ação das várias formas de incúrias e injúrias na vida cotidiana da sociedade inclusiva. As relações promíscuas escandalosas entre esfera pública e esfera privada, tendo como epicentro a força devastadora da corrupção, exauriram a confiança da população na capacidade do estado e dos governos como entes comprometidos com a satisfação das necessidades sociais.

Colocar no lugar do morto um Maranhão vivo passa obrigatoriamente pela delicada questão da efetividade das políticas públicas. A visão megalômana de que só os grandes projetos, ou os grandes potentados, ou os imensos panteões são capazes de desenvolver o Maranhão precisa ser varrida para sempre das cabeças timbiras, inculcadas com muita eficiência pelas camadas dominantes. O novo cenário que se abre desafia a sociedade civil a assumir um protagonismo ativo, quebrando, de forma irreversível, uma inércia secular, com o que passará a dispor de condições objetivas capazes de reduzir o peso desproporcional do governo e aliados na definição de prioridades públicas.

O Maranhão é introvertido e o maranhense mais ainda. O poder imperial que aqui se instalou e se perpetuou estimulou a renúncia cívica de boa parte do povo. Os direitos civis e sociais ficaram restritos a bem poucos, deixando no esquecimento e na exclusão a maioria demográfica. A cidadania restringida reforça o papel do clientelismo, do favor, dos cabos eleitorais e da servidão voluntária, transformando boa parte da massa em carneirinhos dóceis e conformados. As classes médias tradicionais e as emergentes, que poderiam ter um protagonismo político e social mais orgânico, em geral silenciam, sobretudo por medo dos donos do poder, que fecham as portas sem piedade para todos os que não se adaptam à lógica do poder dominante.

O diagnóstico honesto do Maranhão conduzirá ao conhecimento efetivo da realidade e das potencialidades estaduais, sem o emprego de mistificações e de falsificações que impeçam os avanços socialmente necessários. É o melhor caminho para abalar a crença de que cada povo sempre tem o governo que merece, situação que reforça o conformismo social, e também a melhor estratégia para levar o governo e a sociedade a tomarem o destino do Maranhão em suas mãos. Só assim será possível vencer o medo e as inquietações sobre o futuro: tornando concreto o compartilhamento das responsabilidades com o desenvolvimento estadual.

Não há como fugir dessa convocação histórica. Há uma nova engenharia política a ser elaborada que vai além das comemorações e dos feitos que levaram à vitória nas urnas. O Maranhão não deixou de ser um território marcado pelo acúmulo de erros e omissões, completamente impunes e mesmo não revelados, que foram construindo contextos paradoxais e assimétricos, tanto no corpo como na alma maranhense. O barco pode afundar muito cedo se não for conduzido para a grande viagem que não houve. 

As alianças e coalizões costurados em bases complexas, a presença de atores políticos que se doutoraram aprendendo as lições do antigo regime, provenientes de governos divididos, fazem com que a sociedade e os formadores de opinião não esperem muito dessa classe política, o que exigirá do núcleo inteligente do governo muita habilidade e sabedoria para operar o milagre da multiplicação dos pães e da transformação da água em vinho. Milagres há para as causas sem solução, mesmo quando as nuvens do céu se escondem nos labirintos do horizonte.

Só falar em mudança é pouco. É preciso fazer acontecer o novo viável e sustentável. A classe política tradicional e boa parte da elite econômica, social e intelectual é formada por autistas nessa matéria. As intenções de mudar desses segmentos, ao longo das décadas, são e sempre foram muito tênues. O mais dramático é que serão necessariamente convocados para a missão de construir a mudança, rearmar o Maranhão institucional e mentalmente. Um desafio para o qual serão também convocados os desesperados, os frustrados e os apáticos. Isto porque a mudança do que foi para o que será, no campo da nova subjetividade, pressupõe que os maranhenses assumam a decisão de afirmar o que todos e cada um podem e devem fazer em favor do futuro desejado.

Prometer e cumprir passa a ser um exame de consciência diário e verdadeiro. Mudar a realidade significa implantar o reino do equilíbrio entre o que se promete, geralmente muito, e o que se cumpre, normalmente pouco. Impossível tomar o rumo do Maranhão nas mãos da sociedade sem o reino do equilíbrio. Uma das urgências no plano da mudança é o fortalecimento da tomada de decisões. Quando não se tem capacidade decisória, deixa-se de cumprir tudo que foi prometido. 

O Maranhão reinventado, o Maranhão mudado, a passagem do Estado de Um para o Estado de Todos guarda total correlação com a capacidade e com a eficácia diretiva do governo eleito e consagrado nas urnas de 2014, por representar as expectativas libertárias do povo maranhense. Se for capaz de atingir o coração do povo, devolvendo-lhe o poder negado quase sempre, aí sim a página será virada.

No mundo de hoje e no torrão maranhense em particular, o desafio dos desafios é governar, mesmo que o lugar do poder seja o trono. O poder público virou caricatura de interesses escusos e de mentiras. No Maranhão interiorizado, ainda provinciano e tímido, mais difícil ainda, pelo descaso histórico com as instituições, com as competências e o pouco valor atribuído à meritocracia. O Maranhão não é uma ilha; é um continente que não se comunica horizontalmente. Só um projeto de desenvolvimento continental tirará o Maranhão do sonambulismo. O Palácio dos leões precisa se transformar em castelos de todos os animais da floresta e do interior.

A herança do pacto pela não mudança não morreu completamente e nem perecerá de uma hora para outra, pois se manifesta nas castas familiares e nos micros poderes. Há uma crise política na sociedade brasileira que torna o seu sistema econômico capitalista disfuncional e faz emergir uma república mafiosa que intranquiliza os setores progressistas da sociedade, sobretudo por estimular golpes fatais na utopia, indispensável para a sobrevivência moral do Brasil como nação honrada e justa.

Decifra-me ou te devoro: eis o Maranhão a ser reinventado. Começar de novo, preferencialmente de mãos dadas com as legiões de esquecidos e excluídos dessa terra mágica. Convocar os abandonados pelas forças do elitismo. Chamar a juventude, as meninas e os meninos em cirandas de verdades e de fantasias. Deixar Brasília em seu canto e mergulhar no telúrico maranhense. Colocar os pés no chão, abrir picadas para o interior, adequar o palácio central aos desafios territoriais, criando uma rede de palácios em que o poder emana do povo. Mais do que tudo: lucidez, muita serenidade, ousadia e humildade para reconquistar a confiança e a crença do povo maranhense na capacidade e na eficácia diretiva do governo da esperança que acaba de chegar.





segunda-feira, 21 de abril de 2014

O IMPÉRIO DESPIDO


por Raimundo Palhano

                           Foram quase mil anos entre a queda do Império Romano ocidental, em 476 e a derrocada oriental, ocorrida em 1453. O maior de todos não escapou à ruína. Assim, o poder imperial que domina o Maranhão também chegará ao fim. Vive no presente mais um tremor em suas  bases, talvez o mais grave das últimas décadas.
                              A sequência de lances duvidosos e de erros gritantes cometidos pelo alto escalão frente ao jogo sucessório revela que a fadiga de poder chega às hostes do Grupo Sarney. Pode até não significar o fim do seu ciclo vital, mas indica que o reino está cambaleante, fora de rumo e sem inteligência para enfrentar a reação dos oponentes.
                              Os equívocos cometidos e os prováveis seguintes que virão só se tornarão eficazes na luta pela alternância de poder no Maranhão se a resistência oposicionista for competente no enfrentamento da crise de identidade instalada no núcleo de poder. O projeto dominante está saturado aos olhos do povo, que anseia e exige saídas concretas, sustentáveis e principalmente, confiáveis.
                              O que fez o Império Romano chegar ao ocaso foi a megalomania e o apetite insaciável pelo poder. Rômulo Augusto teve que abdicar forçado por Odoacro, um simples chefe germânico, considerado bárbaro não apenas por desconhecer o latim, como aplicado a todos, mas também pela ausência de virtudes superiores.
                              Teodósio e depois Rômulo Augusto foram destronados porque não tinham mais competência para enfrentar os problemas produzidos pelo gigantismo do Império: descontrole de preços, concentração de rendas, abuso de poder e, sobretudo, a ruptura da unidade cultural romana. Nos momentos finais do império romano, o império dos impérios, os próprios romanos abriram as portas aos que denominavam de “bárbaros inferiores”.
                              Em consagrada obra, Marshall Berman assevera que tudo que é sólido acaba desmanchando em função de circunstâncias incontornáveis. É rica a literatura internacional sobre as causas da decadência das grandes civilizações do passado e do ocaso inexorável dos poderosos. No Brasil o domínio dos poderosos também desmancha no ar, embora a ruína se processe de forma lenta, típica da formação social brasileira, centrada em uma elite dirigente parasitária.
                              No Maranhão os ciclos de dominação são mais longos ainda, motivado, sobretudo por questões culturais e educacionais, associadas ao isolamento geográfico e à conformação de sistemas oligárquicos fechados e impermeáveis. Os últimos acontecimentos do xadrez sucessório, que levaram a governadora do Maranhão a proclamar um “fico” lacônico e incontornável, demonstram que o império treme nas bases. A crise política assume proporções que ultrapassam a capacidade e o repertório de soluções a cargo dos governistas.
                              Os romanos perderam a confiança e a fé em Roma e capitularam da forma mais deplorável: optaram pela renúncia cívica a ter que suportar o peso de um poder imperial completamente extraviado, portanto incapaz de oferecer um projeto para o presente e para o futuro.
                              No mundo de hoje os poderes nacionais se fragilizam cada vez mais. Há uma ordem global econômica, militar e política que se encarrega de corroer a força das nações isoladamente. Os poderes locais no Brasil, dadas a permanência das desigualdades sociais, se fecham para durar. No entanto, o mundo está quase um só em matéria de comunicação e informação e isso enfraquece o poder das oligarquias regionais.
                              O fenômeno reforça a ideia de que o poder imperial no Maranhão caminha para o ocaso definitivo, ainda que de forma cadenciada. O Grupo não acabará de um dia para o outro. O ciclo da transição e sua velocidade dependerão da capacidade de tomar decisões das novas lideranças e do conteúdo intrínseco do novo projeto de direção política das forças que formam o contrapoder em andamento.
                              A ruina dos poderes absolutistas e dos seus impérios são de vários matizes, desde a simples fadiga pelo exercício do poder, passando por questões mais complexas de natureza política, ideológica, religiosos e culturais.
                              Como o império romano, que não desmanchou abruptamente, o poder das oligarquias maranhenses será minado aos poucos, manifestando-se sobretudo a partir do processo de deserção dos seus próprios aliados políticos. Provavelmente o poder do Grupo Sarney se extinguirá em silêncio, tanto pelo seu largo espectro, como pela desproporcionalidade de forças em disputa. À oposição lúcida vitórias em sequência já bastam, sem o que não minarão as sólidas bases de poder do Grupo, que se projeta e opera nos círculos dominantes do Brasil. É preciso entender que o “fico” de Roseana não esgotará a sua força política em apenas oito meses, e nem tampouco com a provável vitória da oposição no pleito de outubro.
                              Creio que uma das maiores urgências para um Maranhão Livre é devolver o poder ao povo e organizar o poder público na direção do desenvolvimento sustentável, que foram duas das mais importantes bandeiras do governo Jackson Lago, símbolo e vulto maior da resistência política maranhense, levado ao sacrifício por se contrapor ao sistema dominante.
                              Está aberto o desafio por um novo esforço de imaginação e de ação. O bem comum do povo, como ideia-força, assume um papel preponderante. Para que se corporifique, uma das saídas é instituir o novo planejamento, empoderado e autônomo, capaz de implementar a transformação social e política, em sintonia com as aspirações populares.
                              É urgente e impostergável assegurar o controle social sobre o orçamento público. Para que isso ocorra urge que se construa um novo municipalismo e um novo federalismo geoeconômico. Tudo isso para mudar a direção política do Estado. Tudo isso para que ocorra a supremacia da ética sobre a política e da política sobre a economia.
                              A longa estabilidade de quase cinquenta anos do reinado sarneysista no Maranhão foi quebrada de forma exemplar na primeira metade de 2004, motivada por conflitos de interesse envolvendo a então senadora Roseana Sarney, governadora do Estado por quatro mandatos e o então governador José Reinaldo Tavares. O gesto de Reinaldo foi a causa primária do abalo sísmico no mais poderoso, consistente e duradouro sistema  oligárquico da história do Maranhão.
                              Odoacro se chamava Flávio. No Maranhão dos tempos bárbaros a onda de esperança também se chama Flávio. Caberá presumivelmente a Dino a missão transcendental de liderar a construção da nova utopia maranhense. Os escombros do antigo regime precisam ser sepultados para sempre. Não será fácil superar um domínio descomunal. Reeditar práticas antigas por incapacidade de decidir certo sobre coisas erradas afundará os sonhos de alternância. É vital que se inicie o novo projeto banindo os egocentrismos, as prepotências e arrogâncias pessoais e coletivas.
                              Ao canto do cisne debilitado deverão soar trombetas de solidariedade, compaixão e de convite à ação transformadora. Anunciando cavalgadas cada vez mais numerosas, indo em galopes ousados nas pradarias que levam a se perder de vista a liberdade.

                              Odoacro, um rude chefe tribal, derrotou o Império convocando todos os insatisfeitos à luta. Cabe a Dino mirar-se nas lições da história e reunir humildade e sabedoria para liderar o desmanche do sistema de imposturas reinante.