sexta-feira, 11 de agosto de 2017

EDUCAÇÃO É UM ECOSSISTEMA CULTURAL

NANOTESES 1

Por Raimundo Palhano


        Embora muitos saibam que a responsabilidade com o desenvolvimento da educação na sociedade brasileira cabe a três segmentos sociais estratégicos, no caso o governo, a escola e a família, volta e meia estão culpando os governos pelo fracasso educacional e deixando incólumes os outros corresponsáveis pelo processo.


        Não é que estejamos atenuando ou mesmo eximindo e retirando as responsabilidades e o peso do poder público com a efetividade das políticas públicas educacionais. Começamos desse modo porque entendemos que ajuda a compreender melhor que a educação é um ecossistema cultural intimamente ligado com o desempenho dos governantes, dos educadores e, seguramente, com a atuação dos pais ou responsáveis familiares.


        Não se trata de frase pronta ou a recorrência a um senso comum, que muitos entendidos verbalizam à exaustão. Trata-se de uma assertiva que tem a ver, inexoravelmente, com uma estratégia pedagógica que possui altíssimo grau de comprovação e eficiência operacional. Basta ver o resultado em muitos países de educação desenvolvida, em que a base de tudo está no aprofundamento das ligações orgânicas entre os três pilares acima referidos e dentro de cada um deles, em especial.


        Fugindo do eminentemente retórico, no Brasil e nos estados de um modo geral, ainda não conseguimos integrar e harmonizar os vínculos que enlaçariam a tríade pedagógica aludida, em um sentido único, pela assimilação da ideia de que a educação é para a vida, fundamental para romper o estado de fracasso que impera no país, em favor do emergir de um desejado estágio de aprendência, sobretudo na educação básica e, mais ainda, na educação básica municipal.


        Com efeito, a qualidade da educação depende de pelo menos dois outros fatores: recursos financeiros e infraestrutura física e material. Além da tríade descrita acima, esses outros componentes são insubstituíveis.


        O principal problema não é disponibilidade de finanças. É importante elevar o percentual de investimento em educação comparativamente ao tamanho do PIB. Se, no entanto, o montante de dinheiro não for aplicado no lugar certo, o maior volume de moeda só interessa às corporações mercantis que “cercam” as verbas da educação e que, em geral, ficam com boa parte dos recursos disponíveis. Defendemos que se reveja o modelo do Fundeb. A pulverização de recursos é uma faca de dois gumes. Se o município for fraco e o sistema de educação incapacitado, as corporações mercantis partem para controlar o Fundo, que em muitos lugares e maior que o FPM e se encontram “privatizados”.


        Creio que o maior desafio é instituir um sistema de educação em que governos, escolas e famílias assumam papéis corretos e concretos no planejamento e gestão da educação das crianças e jovens do Brasil inteiro. Para isso acontecer, a desigualdade social representa uma ameaça poderosa.


         É essencial substituir a atual governança, em que o governo determina e domina de forma vertical, por uma outra, horizontal, em que os três componentes estratégicos do processo educacional desenvolvam competências para elevar a qualidade educacional.


        A escola tem um papel primordial. É o lugar no qual se constrói a educação formal, culta, técnica e versátil, capaz de promover competências e cidadanias. A família é a comunidade de afetos, de respeito aos legados individuais e familiais, o espaço das heranças históricas, de convivência pessoal e fortalecimento de vínculos humanos.


       O que se vê hoje é um profundo despreparo das famílias, tanto das ancestrais, como das provenientes das novas gerações, em geral extremamente incapacitadas para o trabalho educacional dos filhos e filhas.


        A influência do domínio vertical de muitos governos leva o poder público a investir em projetos puramente midiáticos, sem a menor capacidade de mudar a estrutura educacional vigente. Chegará um tempo em que será proibido fazer propaganda de políticas públicas de estado, sob pena de responsabilidade penal para que fizer propaganda enganosa.


        Por outro lado, escolas faz-de-conta são muitas nesse mundo afora e no Brasil horrorizam. Verdadeiros depósitos de crianças, esses são lugares em que se oficializa o desperdício e se queimam dinheiros à vista de todos. Escola é um mix envolvendo infraestrutura e projeto pedagógico. Um ou outro sozinhos também não dão conta do problema. Não esquecer que educação é sistema.


        Síntese de tudo: a horizontalização na produção, circulação e distribuição dos atributos e conteúdos educacionais, construídos e desenvolvidos numa perspectiva ecossistêmica e cultural, é que, em última análise, fornecerão as bases materiais e culturais para a superação das estruturas educacionais atrasadas que inviabilizam o Brasil como uma civilização bem sucedida no mundo, abrindo caminhos efetivos para o fim das desigualdades sociais, as quais, até agora, permanecem invencíveis.



terça-feira, 25 de julho de 2017

O MARANHÃO, SEUS AVESSOS E ANÁLISE CONJUNTURAL


Raimundo Palhano

(Trabalho publicado, originalmente, na Revista Imesc de 2008)


1 INTRODUÇÃO


        Decorrem do predomínio de explicações consagradas as dificuldades de sistematizar visões alternativas sobre o que foi, é e o que poderá ser o Maranhão. Muitos equívocos e alguns mitos, por essa razão, ainda permanecem vivos. A retomada dos estudos conjunturais pelo IMESC poderá contribuir para o processo de quebra dos paradigmas consagrados, normalmente despolitizadores, e alargar os horizontes interpretativos sobre a formação maranhense de um modo geral.

        O momento histórico vivido pelo Maranhão, com um governo democrático instalado nos Leões, e também pelo país, marcado por uma atmosfera otimista, apesar dos estragos da crise financeira norte-americana e dos seus impactos devastadores, não deixam dúvidas de que é preciso continuar passando a limpo a formação social maranhense e a sua dinâmica contemporânea. Dispor de estudos e pesquisas que se reportam aos movimentos conjunturais da economia e da sociedade representa subsídio importante para o planejamento das políticas públicas governamentais, como, igualmente, um bom pano de fundo para os empreendedores econômicos e para a sociedade civil organizada.
   
        Próximos do fim da primeira década do ano 2000, muitas incertezas ainda continuam desafiando agora, agravadas pela crise do mercado hipotecário dos Estados Unidos, vistos até ontem como superpotência absoluta. Velhas crenças e até mesmo as novas, como a ilusão do neoliberalismo, saem do mapa pela porta dos fundos e de forma sorrateira.

        A descrença na globalização tradicional, como expressão de um fenômeno econômico baseado na financeirização dos mercados, é o traço mais característico dessa nova realidade. Uma nova globalização pós-neoliberalismo deverá nascer o mais rápido possível, cuja característica básica será sua maior diversificação. Entre Bretton Woods de 1944 e os EUA de 2008 muitas águas rolaram em todos os continentes e tudo indica que os barcos do capitalismo financeiro hegemônico não chegarão a nenhum porto seguro. A ordem econômica mundial navega em águas agitadas e ondas de crise estão cada vez mais fortes, ameaçando o desenvolvimento sustentável, o estado provedor social, a dívida pública interna e externa, e, sobretudo, a evolução do trabalho e do emprego.

        Quais então as perspectivas de desenvolvimento para países como o Brasil e estados como o Maranhão, em contextos como estes, marcados por fortes instabilidades e desequilíbrios sistêmicos e pela financeirização e globalização dos mercados?

        O momento presente evidencia que não há a menor possibilidade, nem no presente e nem no futuro, de que a economia real e a do trabalho sejam dispensáveis na nova ordem mundial que certamente nascerá da atual crise global. Em lúcidas ponderações, Boaventura Santos  afirma que não se trata de desglobalização. Segundo o autor, o que está em curso são mudanças na atual forma de globalização, cuja conseqüência principal deverá ser o surgimento de modificações na globalização dos movimentos sociais. Um contexto altamente favorável ao surgimento de uma nova centralidade para as questões nacionais e regionais, implicando em novos padrões de governança que, concretamente, fortalecerão os papéis do regional, do nacional, do estado, dos partidos políticos e nas políticas de alianças entre as nações, com vistas a uma nova cooperação e a um novo relacionamento internacional.

        As lições aprendidas recentemente, a partir dos cenários já evidenciados, deixam claro que a valorização social do desenvolvimento econômico endógeno, hoje e no futuro imediato, dependerá muito mais de seus conteúdos éticos do que ganhos infinitos de uma minoria nos mercados financeiros globais. Não bastará, nesta nova sociedade, que certamente virá, apenas a flutuação das bolsas e pregões ou mesmo o domínio de técnicas e métodos avançados, se o desenvolvimento não estiver referenciado na equidade social, sobretudo nos compromissos com o desenvolvimento humano e sua sustentabilidade.

        Definitivamente, a globalização atual não é ou será um fenômeno mundial perene, que se aplica a diferentes realidades, portanto algo inexorável, não restando aos países outras alternativas, a não ser se inserirem nessa nova ordem mundial hegemônica.

        Os últimos acontecimentos atestam que a globalização é, sobretudo um fenômeno econômico decorrente de um sistema de poder que interessa, sobretudo às grandes potências mundiais e seus aliados dos setores hegemônicos, as quais, confirmando tudo isso, saem agora em socorro dos bancos de investimento, das grandes sociedades hipotecárias e das maiores seguradoras do mercado mundial, com isso buscando evitar a quebradeira geral, que seria fulminante para desorganizar o referido sistema de poder.

        Nesse sentido, local e global não devem ser vistos mais como a mesma coisa, embora nunca tenha havido global sem local e vice-versa. Ou seja, há também um imenso mercado de trabalho para o país, em suas regiões geográficas, em seus estados federados e nos seus milhares de municípios. O que se precisa fazer é lutar para que o desenvolvimento econômico do país se faça de dentro para fora, para que não fique dependente das circunstâncias e dos fluxos externos de capitais. Nesse novo contexto em construção, o desenvolvimento endógeno regional e nacional assume assim posição determinante.

        A valorização do desenvolvimento econômico real decorrerá também da capacidade que se tiver de desenvolver nas comunidades as potencialidades do conhecimento, fazendo surgir novas oportunidades de emprego e geração de novas tecnologias que aproveitem o potencial de recursos naturais disponíveis. A existência é sempre criadora, mesmo quando parece repetir-se ciclicamente. Pensar o desenvolvimento como algo que dependa exclusivamente da inserção nos mercados globais impedirá de criar novas alternativas de superação do atraso.

        Deve-se, mais do que nunca, ter o otimismo como bandeira, sem deixar, contudo, de prestar atenção nos sinais mais evidentes do mundo real que apontam para a desesperança e para o fim das utopias.

        Como brasileiros e maranhenses é preciso manter o compromisso histórico de lutar pelo desenvolvimento sustentável e pela soberania do país e do estado natal. Para as novas gerações e para os menos jovens, o leque de desafios continua muito grande. Não é hora de desistir. É hora de continuar, é hora de insistir em favor de um país mais justo e desenvolvido e de um Maranhão que lhe siga os passos.


2 UMA CARTOGRAFIA PARA O PENSAMENTO INQUIETO


        Em menos de cinqüenta anos os brasileiros construíram a economia de uma nação que deixou de ser o 48o PIB do mundo, um país periférico no cenário internacional, que exportava pouco mais de 1 bilhão de dólares, onde o café representava 50% do total, passando a figurar, nos dias de hoje, entre as 10 maiores economias do mundo. Um país que atingiu médias de crescimento anuais em todo o século XX só superáveis pela China. Um país que produziu economistas geniais como Caio Prado Junior, Octávio Gouveia de Bulhões, Eugênio Gudin, Ignacio de Mourão Rangel, Celso Furtado, Mário Henrique Simonsen, Conceição Tavares, e tantos outros de grande valor.

        Mas ainda há um lado nebuloso, sombrio, que impede uma comemoração plena. Trata-se do Brasil das desigualdades sociais e regionais, da concentração de renda, do desemprego, das dívidas interna e externa, dos problemas energéticos, das altas taxas de juros, e muitos outros problemas que colocam o país em permanente posição de alerta interna e externamente.

        Nos últimos cinqüenta anos de construção do desenvolvimento brasileiro passou-se da crença geral que a solução dos problemas brasileiros dependia da industrialização e da modernização das forças produtivas para uma outra, que durou até recentemente, de um alentado desencanto com o futuro do país. Por tudo isso, o maior desafio dos brasileiros, para os próximos anos, é, indubitavelmente, contribuir para a concretização de uma economia nacional próspera e sustentável. É com essa perspectiva que o planejamento do desenvolvimento do Maranhão deve trabalhar.

        Não dá mais para aceitar que a história do Brasil e do Maranhão é uma história de constantes esperas, de constantes adiamentos. Muitos ainda acreditam que nunca o país completa aquilo que começa a fazer. Oscila-se muito entre utopias e distopias. Há algo nascendo todo dia nesta terra e ainda são bem poucos os que conseguem perceber. Para a maioria tudo parece imóvel e resistente ao tempo.

        Quais as novas rotas para a utopia, que, segundo a pedagogia freireana, se caracteriza mais pela capacidade de anúncio e de denúncia do de negação da realidade? Mais do que em qualquer fase da história é urgente começar a montar a cartografia para o encantamento e para a transformação da realidade. O IMESC vem assumindo esse compromisso inadiável e se esforça para contribuir concretamente. Um dos seus papéis mais significativos será propor cartografias para o pensamento inquieto.


3 O IMESC COMO COMUNIDADE AMPLIADA DE ESTUDOS E PESQUISAS


        No Brasil vive-se o calor de uma nova valorização das pesquisas e estudos socioeconômicos aplicados que, independentemente das vontades e desejos presumíveis, afetarão os velhos paradigmas e estimularão a produção de novos.

     É cada vez mais consensual entre os gestores que as instituições de pesquisa aplicada, sejam quais forem suas formas de organização, deverão desenvolver uma pesquisa de qualidade, associada à produção científica e tecnológica, bem como à manutenção de vínculos sólidos com a comunidade, expressos em ações que demonstrem responsabilidades sociais.

        O IMESC poderá ser uma das respostas a esse desafio. É um projeto em construção e, como tal, fatalmente passará por estágios de legitimação técnica, além da verificação de sustentabilidade institucional. O recurso mais importante a ser captado agora, para torná-lo viável é o sonho, o desejo, o encantamento. Outros recursos são também indispensáveis, como equipamentos e infra-estrutura física, cada vez mais apropriados ao seu desenvolvimento.

      A proposta inicial para o IMESC é que se institua como comunidade ampliada de pesquisa, uma modalidade de pesquisa-intervenção que busca a construção do conhecimento a partir das experiências concretas dos pesquisadores em seus ambientes de trabalho e contextos maiores. Para começar não se dependerá fortemente de recursos externos, só da riqueza existencial que cada um possui e guarda como tesouros valiosos.

        Desde o início do processo de recriação vêm sendo discutidas e aprovadas as idéias centrais, objetivos, estratégias, metodologias, etc.; em segundo lugar, oficinas de futuro vêm sendo realizadas, voltadas à construção de projetos coletivos, culminando com o desenho de espécies de árvores dos sonhos, para, em seguida identificar as “pedras no caminho”, aquelas que dificultam atingir desejos coletivos; em terceiro lugar, são mantidos diálogos sobre as razões e fundamentos dos problemas e dificuldades que fazem com que as pedras entrem nos sapatos ou maltratem os pés dos caminhantes, sendo uma viagem em busca de informações e conhecimentos que auxiliem a conhecer a realidade; em quarto e último lugar, vem a necessidade de elaborar a cartografia das ações a serem realizadas e sobre o que é necessário para poder realizá-las e concretizá-las.
 
    Os tópicos mapeados são trabalhados sob diferentes enfoques e metodologias. O primeiro passo é organizar seminários de estudos em que os temas mais prioritários são examinados coletivamente e como os mesmos são tratados na literatura nacional e internacional. São indispensáveis também realizar oficinas de escrita compartilhada, onde os pesquisadores e analistas exercitem suas autorias e co-autorias. Tudo isso poderá levar o IMESC a um processo que Célia Linhares denomina de “sistematização aprendente de saberes, conhecimentos e fazeres.”

       As primeiras experiências de comunidades ampliadas de pesquisa ocorreram na Itália, nos anos 1960 e 1970, envolvendo representantes do movimento sindical e grupos de profissionais que buscavam transformar ambientes de trabalho nocivos em ambientes saudáveis. As comunidades procuram assim articular os saberes acadêmicos, formais, científicos e os saberes informais, buscando ir além da simples separação entre ambos. Todos os atores se tornam co-autores da pesquisa, portadores de saberes específicos. Suas raízes teóricas estão nos italianos Antonio Gramsci e Ivar Oddone e, no Brasil, em autores como Célia Linhares, Maria Elisabeth Barros de Barros e Victor Vincent Valla.

        A metodologia não separa, portanto, sujeitos e objetos de pesquisa. Pierre Lévy conceitua o método como “ecologia cognitiva”, pois reconhece como portadores de história, sonhos e projetos tanto os seres humanos como as coisas que os cercam, formando o que Célia Linhares denomina de “um coletivo misto e impuro, depositário de formas ampliadas de comunicação e pensamento”. Exemplifica com os versos de Chico Buarque: “Morena de Angola/que tem um chocalho/amarrado na canela/ninguém sabe se é ela/que mexe com o chocalho/ou é o chocalho que mexe com ela”.

        A pesquisa-intervenção, por outro lado, visa desenvolver questões e problematizações que levem ao entendimento das situações presentes no ambiente e das maneiras de como superá-las. Como implica na formação de comunidades ampliadas de pesquisa, a ação de investigar, pesquisar não se restringe a técnicos especializados em ações isoladas. Implica, pois a necessidade da pluridisciplinaridade e na pluriprofissionalidade, além da autonomia coletiva dos participantes. No IMESC, a convivência intelectual entre pesquisadores experientes, especialistas, técnicos recém formados e estagiários transcorre de modo promissor.

        As comunidades poderão ser a contribuição inicial do Instituto à luta pelo resgate das utopias, numa hora em que o mercado tem poderes dilapidadores do sentido da existência humana e da vida em sociedade. Pode ser também a fonte de energias para que a Instituição cresça e cumpra o seu papel de fomentador de viveiros onde serão fertilizados conhecimentos úteis e necessários ao enfrentamento dos desafios ligados à conquista da sustentabilidade do desenvolvimento maranhense.


4 A RETOMADA DOS ESTUDOS CONJUNTURAIS


         O economista Felipe de Holanda, colaborador destacado do IMESC, um dos mais brilhantes profissionais da área, vinculado à Diretoria de Pesquisa, sob a direção primorosa e competente de Hiroshi Matsumoto, mestre de várias gerações de economistas maranhenses, contando com o apoio do técnico Dionatan Carvalho e colaboração de Tibério Martins, Sadick Nahuz, Wallison Ferreira Lima e Ana Theresa Boueres, reinauguraram  os estudos conjunturais no âmbito institucional, herdeiro que é o IMESC do antigo Instituto de Pesquisas Econômico-Sociais  Informática – IPEI.

          Há o reconhecimento na literatura de que o conceito de conjuntura nasce ao redor da metade do século XIX, quando os estudiosos da economia descobrem que as crises econômicas mantinham regularidade e periodicidade.

        Ao longo dos anos os estudos técnicos sobre a matéria evoluíram muito, reforçados pela era dos computadores e dos bancos de dados públicos e corporativos.

        O que se espera hoje do analista conjuntural é que, no mínimo, tenha o domínio da teoria e da metodologia pertinente a essa área do conhecimento. Embora se saiba que a análise de conjuntura, mesmo largamente praticada, ainda não tenha conseguido, pelo menos no Brasil, se instituir como um campo diferenciado e claramente reconhecido nos ambientes acadêmicos da Ciência Econômica, da Ciência Política e também da Sociologia.
 
        No âmbito da economia, por seu turno, desde o início do século XX, a análise conjuntural já começava a dar os primeiros passos. O marco emblemático dessa afirmação está no ano de 1917, quando é criado o Comitê de Pesquisa Econômica da Universidade de Harvard, e são divulgados os resultados do seu pioneiro e reconhecido "barômetro econômico".

        No caso brasileiro, a análise de conjuntura foi um instrumental muito utilizado no final da década de 70 do século passado, quando da reestruturação dos movimentos sociais, por ocasião da saída do regime ditatorial, instalado em 1964. São várias as instituições e organizações da sociedade e organizações não-governamentais que passam a desenvolver este tipo de atividade. Um dos mais atuantes foi o IBASE (Instituto Brasileiro de Análises Socioeconômicas), sob a liderança de Herbeth de Souza, o Betinho. A crise que se instalou na década de 90 reduz os trabalhos de análise conjuntural no país, vindo a se intensificar novamente a partir dos anos iniciais do corrente século XXI, sobretudo com a subida ao poder do governo Lula e a retomada do desenvolvimento econômico e social em novas bases.
 
        O que entender, afinal, por conjuntura? Uma das mais comuns definições é a que associa conjuntura a um recorte temporal de prazo curto. Surgem dificuldades: em que consiste o curto prazo em política, em economia e em sociologia? O primeiro esforço é ter clareza sobre qual a concepção de tempo com que se deve operar. O tempo dos ciclos econômicos, como nos estudos inaugurais da conjuntura econômica, ou o tempo cumulativo e ascendente de Marx ou Weber e suas teorias macro-históricas? Lembrando ainda dos tempos contemporâneos, mais operacionais, nos quais o trabalho do analista econômico consiste em, dadas certas hipóteses, antecipar o que vai acontecer com elementos focais da macroeconomia, como inflação, câmbio, juros, emprego, renda, entre tantos outros, em um determinado ponto temporal, apoiando a tomada de decisões de agentes públicos, empresariais e sociais.

        Algumas correntes também definem a análise de conjuntura como um estudo sobre as possibilidades que existem na realidade, não se resumindo apenas a um estudo “sobre” a realidade. Está claro que para fazer a interpretação sobre a dinâmica conjuntural, muitos fatores atuam ao mesmo tempo, a começar pela própria intencionalidade de transformar a realidade por parte dos analistas, o que pressupõe não ser possível captar os fenômenos explicativos da conjuntura sem a recorrência a instrumentais analíticos consistentes. Outro aspecto é que análise conjuntural implica uma visão de mundo, logo está associada a uma análise que passa também pela dimensão estrutural, tornando-se muito difícil construir a análise sem procurar as articulações e os nexos entre o institucional e o estrutural, dentro de uma perspectiva sintetizadora.
 
        A análise conjuntural implica, portanto em várias escalas: pode ir dos domínios do poder local e atingir o estadual, o regional, o nacional e o internacional. Isso é importante porque quanto maior a escala de tempo escolhida, maior a dificuldade de análise dos fatos e acontecimentos.
 
        Além do mais, os estudos e análises conjunturais articulam o hoje, o ontem e o amanhã com a intenção de abrir a projeção de cenários esperados e possíveis. A capacidade intuitiva e a criatividade do analista conjuntural contam muito, portanto. Sem uma análise que abra novas projeções sobre a realidade, perde-se o valor político para a práxis.
 
        Vê-se, assim, que o trabalho do analista envolve atividades relacionadas à análise de conjuntura e à construção de cenários prospectivos. Para tanto, exige preparo profissional para interpretar e formular diagnósticos sobre a situação conjuntural, bem como para a elaboração de análises prospectivas e aplicação às estratégias de desenvolvimento das políticas públicas, empresariais e societais.

        É também quase impossível elaborar estudos e análises sobre a conjuntura, onde se inclui a dimensão econômica, sem levar em consideração a questão política, requerendo dos analistas uma base mínima, conceitual e teórica, conjugada a uma experiência, ainda que mínima, em análise de conjuntura e cenarização. Sem esquecer os instrumentais básicos, vinculados aos fundamentos teóricos, metodológicos e conhecimento institucional, sem os quais o profissional da área terá muita dificuldade para identificar as variáveis e informações relevantes, lado a lado com a prática de utilização destas informações.

                Para o bom desempenho do seu trabalho, especialmente aqueles que fazem a análise da conjuntura econômica, devem aperfeiçoar-se sobretudo nos seguintes campos de estudo:

a)     Nos fundamentos macroeconômicos para a análise conjuntural, com o objetivo de conhecer os elementos de teoria macroeconômica que permitem: a) compreender a dinâmica cíclica de economias de mercado, a ação da política econômica e o funcionamento do sistema financeiro; b) nos instrumentos teóricos necessários para a definição de métodos de previsão de curto, médio e longo prazo;

b)     na análise de conjuntura econômica brasileira (e maranhense, em especial ), procurando relacionar os fundamentos estruturantes da realidade econômica com a dinâmica das decisões tomadas nos vários contextos, sempre procurando identificar as repercussões e impactos na sociedade e na economia sob análise;

c)     na análise da conjuntura econômica internacional, objetivando conhecer o quadro geral das principais instituições e regras que regem as relações econômicas internacionais, bem como os atores e variáveis determinantes a serem acompanhados para se ter condições de entender o movimento atual e as tendências da economia mundial;

d)     em métodos e práticas de construção de cenários macroeconômicos, com a finalidade de introduzir as principais técnicas de análise prospectiva e suas aplicações à construção de cenários macroeconômicos, com ênfase central na  integração entre a ferramenta de cenarização e a elaboração de modelos econômicos. Vindo em seguida a apresentação das relações entre a geração de visões qualitativas sobre o futuro - a partir das quais são fixadas as variáveis exógenas – e sua aplicação a modelos de consistência macroeconômica;

e)     em métodos quantitativos com o objetivo de conhecer os principais conceitos estatísticos relacionados a  compreensão e a crítica de fatos conjunturais de natureza econômica. Seu foco será voltado para a construção e interpretação de indicadores econômicos e a análise de séries econômicas. Realce especial deverá ser dado ao emprego de matrizes de insumo-produto para a realização de simulações.

      Dois outros campos de investigação são importantes para o desenvolvimento dos estudos conjunturais. O primeiro está ligado ao conhecimento e estudo das estratégias corporativas empresariais, no qual foca-se a questão da estratégia empresarial desde uma perspectiva associada à gestão das organizações, buscando apresentar abordagens contemporâneas de análise e de gerência estratégicas.

        O segundo campo é o associado à análise da conjuntura política, como já destacado anteriormente, com o objetivo de focar alguns conceitos e informações que contribuam para a incorporação da dimensão política na análise da conjuntura. É quando são examinados aspectos que, embora não tratados especificamente no âmbito da economia, interferem sobre as decisões de política econômica e sobre os próprios rumos dessas atividades.

        Além dos aspectos mais teóricos e metodológicos vistos anteriormente, outros de natureza mais organizativa devem ser considerados para o desenvolvimento da área de análise conjuntural. A começar pela necessidade de um marco teórico, como também já referido, ou seja, de um campo de conhecimento abordando teorias sobre a sociedade, sobre a história e a política, por exemplo. Conhecimentos sobre a formação social, cultural e político econômica do Brasil (e do Maranhão) e a história de luta dos movimentos sociais são indispensáveis.

        Outra providência a considerar, na linha da organização da área de estudos conjunturais é a que se refere à informação. A análise de conjuntura depende de um grau avançado de informações sobre vários campos da realidade. Neste sentido, é importante se ter fontes de informação, sobre pessoas, dados, fatos e contextos.

        Nunca perder a preocupação com a definição de escalas de tempo e espaço nas análises conjunturais, como já tratado também anteriormente. O corte temporal pode variar do marco zero ao infinito. O problema é que, quanto maiores as escalas de tempo e espaço, mais complexas tornam-se as análises.

        O analista da conjuntura econômica, embora focado apenas em uma dimensão do fenômeno, não pode perder a noção da totalidade. Além de não perder essa referência maior, a análise da conjuntura será sempre processual. O fenômeno analisado se insere em um contexto mais amplo e o seu movimento obedece a um determinado ritmo processual.

        Pelo que se viu, de modo muito sintético, a análise conjuntural é uma análise de fatos e acontecimentos. Há um cenário no qual os acontecimentos se processam. Decorre daí a importância de qualificar os cenários em um tempo e espaço. Desde simples espaços de rua a outros mais complexos, como os espaços e tempos institucionais.

        Espaços fechados ou abertos, de elite ou de massa, ativos ou passivos. Atuam também atores individuais e coletivos. Os principais atores serão sempre os coletivos, os grupais, e outros. Sem deixar de reconhecer que existem atores individuais que têm ou poderão ter importância histórica. Não esquecer jamais a análise da relação de força – qual força tem esses atores numa perspectiva mais política? Que capacidade operativa possui a sociedade para desenvolver determinadas ações, com poder de modificar a relação de forças dominante?

        Por fim é preciso construir a síntese – requer clarividência, conhecimento e experiência no sentido de articular uma visão de estrutura com a conjuntura. A práxis política se baseia na capacidade de antecipação, não esquecer disso.


5 ANÁLISE CONJUNTURAL E CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO DESMISTIFICADOR


        O objetivo maior de áreas de estudos conjunturais em institutos de pesquisas socioeconômicas aplicadas, vinculados ao planejamento do desenvolvimento é contribuir para a construção de conhecimentos sobre a realidade na qual atuam, dentro de uma perspectiva de aplicabilidade às políticas públicas.

        Além disso, em lugares como o Maranhão, nos quais ideologias e dogmas possuem muita força, produzir conhecimentos mais consistentes e apoiados em bases científicas, assume um papel relevante e estratégico.

        Foi dentro desse prisma que o IMESC foi gestado por seus idealizadores e fundadores: um lugar especial, com idoneidade ética para herdar o legado de seus institutos antecessores (IPEI, Fipes e IPES) e com capacidade intelectual suficiente para passar a limpo a formação social maranhense, despindo-a dos mitos e assombrações.

        Não será obra que se concretizará em pouco tempo. A pauta a ser enfrentada é das mais complexas, pois suas raízes mais profundas estão sob pedras que se misturam nos labirintos escuros de mentalidades extraviadas no tempo. Mas não é impossível encontrar a rota que levará à saída dessas cavernas sombrias. As duas grandes universidades públicas do Maranhão – UFMA e UEMA – apesar das dificuldades, nunca deixaram de trabalhar e contribuir nessa missão heróica. Não há como desconhecer que a produção intelectual mais expressiva sobre o Maranhão passou sempre por seus departamentos acadêmicos e por seus pesquisadores e estudiosos de um modo geral.

        Assim como, desde quando começou a atuar, mais precisamente nos primeiros anos da década de 70 do século passado, o complexo IPEI/FIPES/IPES foi responsável por uma das mais relevantes produções sobre os problemas e desafios do desenvolvimento maranhense, produção esta que se manteve viva até meados dos anos 80 do referido século, quando se inicia a derrocada do aludido complexo institucional, fazendo com que sua produção entrasse em franco declínio.

        Os tempos são outros. Todos amadureceram: a própria viagem e os viajantes. O Maranhão não tem mais o rosto que tinha há 50 anos atrás e aqueles que naquela época mal sabiam caminhar, hoje já têm pernas gastas e mãos calejadas de tantas idas e vindas em jornadas incessantes vida à fora.

        A lição maior aprendida nesse balançar sem fim do relógio do tempo impassível é fazer com que a criação do IMESC, a sua missão cívica e o seu compromisso político-institucional, se materializem para a consecução do objetivo comum de transformar os estudos conjunturais em instrumentos capazes de colaborar para a modernização e democratização desse Estado, no bojo das quais novas interpretações, plenas de veracidade e criatividade, desconstruam os mitos e assombrações e o Maranhão possa, finalmente e definitivamente,  ingressar no século XXI.

        Para isso é preciso mente inquieta e coração de estudante. Um dos maiores desafios para a análise da conjuntura maranhense é compreender as inter-relações das partes com o todo. O que só será possível de obter se houver um mapa que possibilite viajar na realidade circundante e nas outras mais distantes e muito mais impenetráveis.

        O caminhante precisa ser metódico. Jamais deverá se deixar fascinar pelo reducionismo maniqueísta e muito menos pelo dualismo simplista, ou ainda, se apaixonar pelos trejeitos da ideologia da decadência maranhense, tão poderosa que foi capaz de enlaçar inúmeras gerações de conterrâneos.

        Na mesma direção, não se tornar prisioneiro de análises simplistas, aparentemente mais fáceis de fazer e até mesmo de convencer, mas muito difíceis de merecer atenção nos círculos mais exigentes ligados à produção do conhecimento. O simplismo não consegue captar a essencialidade dos fenômenos sob foco, sejam eles econômicos, sociais ou políticos.

        O resumo de tudo, é que análise de conjuntura é muito mais análise de conjunto do que uma análise de corte temporal curto. É sobretudo a intensidade e profundidade do olhar sobre o conjunto do que a preocupação com a perspectiva temporal da análise, que sempre será importante, mas jamais será o essencial.


        O engenho e a arte do analista da conjuntura se manifesta toda vez em que for capaz de reger, de forma harmônica, um grande número de variáveis econômicas, sociais ou políticas, que se encontram em relações complexas e múltiplas, produzindo uma peça consistente de argumentos capazes de explicar o comportamento dinâmico dos fenômenos sob investigação. Quando isso acontece os mitos e as assombrações não farão mais sentido e desaparecerão no horizonte que se vai abrindo. E uma nova melodia inquietará os espíritos, estimulando-os a prosseguir, sempre.

terça-feira, 28 de março de 2017

UMA ARQUEOLOGIA DO PLANEJAMENTO DO DESENVOLVIMENTO





por Raimundo Palhano


        Acaba de sair das máquinas de fiar livros, a edição impressa do primeiro volume da Biblioteca Básica Maranhense – BBM, iniciativa das mais relevantes da atual gestão da Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Inovação – SECTI, uma das joias da coroa do atual governo. Trata-se da obra “Planejamento e Desenvolvimento do Maranhão: contexto histórico, obstáculos e estratégias de superação”, de autoria do historiador e educador Jhonatan Almada, atual dirigente da mencionada Secretaria. Valorizando a obra, o estimulante e lúcido Prefácio do economista e professor da UERJ, Dr. Elias Jabbour, intelectual respeitado nacionalmente e que tem uma admiração comovente pela obra do genial maranhense Ignacio Rangel.

A ideia de uma primeira biblioteca básica para o Maranhão contemporâneo, tanto em cronologia, como em interpretação, nasceu da cabeça iluminada de Rossini Corrêa, numa tentativa de reviver, com mais rigor e mais vigor, a tradição dos antigos “Grupos Maranhenses”, formados por intelectuais fundadores da erudição cultural e literária desta terra. A diferença entre a antiga biblioteca, que vem desde meados do século XIX e a atual é o seu compromisso visceral em colocar o Maranhão do avesso. A ideia não é continuar erigindo mitos, mas interpelar as razões consagradas. Na perspectiva dos promotores, o objetivo é catalogar e editar no mínimo 100 obras que ajudem a decifrar o Maranhão e seus enigmas recorrentes, muitos deles assustadores.

Em breve sairão mais 3 volumes, que, juntos ao primeiro, serão lançados ao público, na ilha e no continente, em saraus concorridos, para atrair a inteligência local e as novas gerações para mais esse importante desafio. Os empolgados com a ideia da BBM a estão denominando de a nova enciclopédia maranhense, pois nascida da fusão das culturas luso-afro-timbira, gestada em nosso meio faz tempo, abrindo espaço para novos cenários e novos grupos maranhenses, dando continuidade inovadora a uma tradição interrompida.

        O volume I é um verdadeiro e inteligente inventário sobre as origens e o processo de implementação do planejamento governamental das políticas públicas, desde que começou no Brasil e neste Estado, isto a partir de pouco antes da metade do século passado. O autor realiza, com maestria, a difícil arte de sintetizar as características dos dois processos, o nacional e o estadual, apoiado em bibliografia adequada e confiável e em fontes primárias por ele sistematizadas.

Originalmente um artigo técnico publicado pelo IPEA, que passou por um acabamento meticuloso, veio a transformar-se em um conteúdo precioso e garantido sobre o papel do estado e seus agentes na difícil e complexa arte de governar, de modo técnico e racional, o processo de desenvolvimento nacional e de desenvolvimento estadual, sujeitos que sempre foram a contextos marcados por disputas permanentes entre interesses particulares e corporativos, em que as aspirações e necessidades coletivas têm sido sobretudo tratadas como retórica.

Reconstrói com muita lapidação os primeiros passos do planejamento estatal no Brasil e no Maranhão, disponibilizando todos os instrumentos que foram utilizados para tal fim, identificando falhas e razões, apontando também causas e consequências das decisões tomadas pelos governos, indo desde a metade dos anos 1900, até o tempo presente, traçando os contornos das iniciativas estratégicas do atual grupo político que ascendeu ao trono em Brasília e em São Luís.

Não há como negar que a principal ameaça à efetividade do planejamento governamental, como estratégia para a promoção do desenvolvimento, se deve ao fato do mesmo não dispor de um poder especial que lhe garanta autonomia para intervir na implementação das políticas públicas. Esta circunstância acabou nivelando o planejamento às outras estruturas da gestão pública, favorecendo a redução de sua capacitação técnica para liderar as transformações econômicas e sociais.

Temos afirmado, no que o autor não discorda em seu texto, que o modo como o Maranhão tem se desenvolvido, marcado pela incapacidade dos governos oligárquicos de resolverem os problemas sociais sob suas responsabilidades, configurou uma situação macroeconômica em que a capacidade de investimento do estado é cada vez menor, portanto insuficiente para provocar o crescimento sustentado das forças produtivas e de seus arranjos.

Por não ter enfrentado com a devida atenção o planejamento do desenvolvimento de médio e longo prazos, sabe-se pouco sobre o que será o Maranhão quando for um estado grande. A preocupação com o imediato, com o prazo curto, tem feito com que os governos estaduais e municipais descuidassem dos termos de pactuação com os setores produtivos e empresariais que se instalaram no território maranhense, sejam multinacionais ou nacionais, levando a que pouco resultasse para a economia local e para as finanças públicas as suas presenças físicas no estado.

As reflexões produzidas pelo autor do livro deixam evidentes que é preciso que se supere a íntima relação que tem havido entre o imediatismo dos governos e as formas inorgânicas e centralizadas de gestão da administração pública. Um sistema de governo altamente imediatista não precisa de planejamento global e permanente pois se baseia em decisões pontuais e fechadas, sem a audiência da sociedade.

Temos afirmado que governos que não governam para a sociedade podem se dar ao luxo de planejar o Maranhão das suas coberturas, sem ter que ouvir as ruas, os bairros, os povoados, os municípios ou as regiões. A consequência desse processo tem sido o atraso da economia, da educação, da saúde, da cultura e da política maranhense, a ponto do Maranhão, quando visto sob a ótica dos números, ostentar resultados calamitosos, apesar de sinais da busca de superação pelos atuais governantes.

        Trabalho próximo a Jhonatan Almada faz 10 anos. Conheci-o antes disso. Acompanho o seu desabrochar pessoal bem de perto desde então e muito me impressiona a sua capacidade meteórica. Creio que este fato levou o Governador Dino, que também roda na velocidade da luz, a escolhê-lo para integrar o seu projeto de renovação e formação de uma nova camada dirigente neste Estado.

O livro que vai a lume, a Biblioteca Básica Maranhense, a Rede Ciência Maranhão, o revolucionário IEMA, o Centro Ignacio Rangel de Estudos do Desenvolvimento, para ficar nestas iniciativas de grande impacto, confirmam o emergir de um dirigente sólido e de um intelectual altamente promissor, maduro antes do tempo, que já deixa uma marca indelével em nosso meio cultural e científico, encarando de frente os desafios de ser reconhecido em uma era sob a influência determinante dos tempos líquidos.

        Os sinais da surpreendência e do visionarismo do autor estão exarados em sua festejada obra, que em breve se divulga. Com cerca de 16 anos de idade, inquieto como seus ilustres conterrâneos caxienses do passado, o autor da obra inaugural da coleção, elabora, e agora os publica, dois planos de desenvolvimento, um para o Maranhão e outro para Caxias. Chegou ao requinte de eleger os eixos temáticos, os planos, programas e projetos para cada um, dando-se ao luxo de fixar os montantes financeiros para cada uma das políticas a serem implantadas. O mais curioso de tudo: nos dois planos, o jovem planejador atribui à ciência e à tecnologia um papel fulcral para o desenvolvimento do torrão maranhense!      

Em 2009 escrevi a Jhonatan um bilhete, no qual lembrava que “Antonio Vieira reportava-se ao Maranhão como uma cidadela (rochela) de Portugal, formada por campos de almas hereges que precisam ser conquistadas e catequisadas. O tempo passou e o Maranhão enfrenta uma luta tenaz para afastar o domínio dos catequéticos e administradores da salvação. Basta ler a decantada Coluna de Domingo que ali encontramos, cristalino, o discurso homilético na versão dos novos tempos. Pobres e resignados maranhotos”.

Terminei o texto aconselhando paciência e que fosse brincar o São João!

Ele não me ouviu e continuou, sem dar tréguas, a perseguir, como um raio, o seu destino, escrito nas estrelas: concretizar aqueles dois planos de desenvolvimento, escritos aos 16, só que agora, com muita serenidade e invejável determinação.


terça-feira, 21 de março de 2017

O PAPEL DA UNDIME NO CONTEXTO DA POLÍTICA DE MUNICIPALIZAÇÃO EDUCACIONAL MARANHENSE



por Raimundo Palhano

1-ORIGENS E PRINCIPAIS REALIZAÇÕES

                              A UNDIME-MA é uma associação civil, sem fins lucrativos, dotada de autonomia financeira e patrimonial, tendo como sede e foro a cidade de São Luís-MA. Vincula-se à União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação-UNDIME, entidade nacional, com sede e foro em Brasília, que congrega os  Dirigentes Municipais de Educação-DME de todo o Brasil.

                             O objetivo básico do movimento é articular formulações coletivas de políticas municipais de educação e o desenvolvimento da gestão dos sistemas municipais de ensino. É, pois, um órgão de representação, articulação e apoio aos interesses da educação municipal, voltado a propiciar formação e suporte instrumental aos DME, na busca de um padrão de educação pública que seja democrática e de qualidade, comprometida com a expansão e o desenvolvimento da cidadania.

 
                             A formalização institucional da entidade maranhense ocorreu em 04 de maio de 1987, data da publicação, no Diário Oficial da Prefeitura Municipal de São Luís, do seu primeiro Estatuto, com a denominação de União Maranhense dos Dirigentes Municipais de Educação. Apesar dos mais de quatorze anos de existência, só adquiriu personalidade jurídica em 03 de novembro de 1998, quando o atual Estatuto, datado de 29 de maio daquele ano, foi registrado em Cartório de Títulos e Documentos de São Luís.
                            
                             Dentre as mais importantes atividades e serviços prestados pela UNDIME-MA, visando atingir os seus objetivos estratégicos, destacam-se:

a)    atividades de formação e capacitação de Dirigentes Municipais de Educação, objetivando contribuir para a melhoria do desempenho dos gestores municipais da educação, tais como cursos, oficinas, treinamentos em serviço, etc.;
b)    realização de eventos de mobilização e atualização coletivas, como campanhas, concursos, seminários, encontros regionais e outros, abarcando os Secretários Municipais e os principais parceiros;
c)    efetivação de reuniões de planejamento, programação e análise, envolvendo a Diretoria Executiva e as Coordenadorias Regionais da UNDIME-MA; interlocutores como a GDH, o Escritório do UNICEF, o Ministério Público Estadual, o Conselho Estadual de Educação, a Federação dos Municípios, entre outros, reforçando a participação da entidade no acompanhamento de planos, programas e projetos educacionais, em âmbito local e estadual;
d)    prestação de assistência técnica, administrativa e informacional às Prefeituras Municipais conveniadas, e demais, através da manutenção de um canal aberto às demandas dos Secretários Municipais de Educação;
e)    manutenção de uma linha editorial, composta pelo boletim UNDIME-MA Informa e pela série Cadernos de Textos, os quais servem para ampliar a prestação de serviços do órgão e divulgar suas principais atividades, circulando entre os 217 Municípios e as principais organizações educacionais do Estado;
f)     desenvolvimento de um padrão organizacional que assegure à instituição uma linha orgânica de atuação, caracterizada pelo fortalecimento da Secretaria Executiva e das Coordenadorias Regionais, como instâncias indispensáveis à geração de competências técnicas necessárias à sua afirmação institucional.

                             Por tudo isso, a UNDIME-MA vem cumprindo a sua missão social, legitimando-se como órgão de representação da educação municipal maranhense, pelo papel que desempenha nas instâncias de discussão, formulação e implementação das políticas municipais de educação, bem como no seu gerenciamento, seja através de seus órgãos de direção executiva e regional, seja por meio de seus representantes em colegiados vinculados a entidades governamentais e da sociedade civil.

2- O SENTIDO DA TRAJETÓRIA

                             Um dos maiores desafios da sociedade brasileira neste início de milênio prende-se à necessidade de imprimir qualidade aos seus sistemas públicos de ensino e à educação nacional de um modo geral. Sem uma educação básica includente e de qualidade para todos, o Brasil jamais será um país viável para a maioria de seu povo, permanecendo nos limites de uma sociedade escandalosamente desigual.

                             Para que isso ocorra, uma das ações inadiáveis vincula-se à importância que todos devemos dar ao desenvolvimento sustentável da educação municipal, hoje responsável quase absoluta pela educação infantil e detentora de um peso cada vez maior no atendimento do ensino fundamental, chegando, em muitos Estados, incluindo-se o Maranhão, a cobrir mais de 70% das matrículas nesse nível de ensino.

                             É inegável que muitos avanços ocorreram nos últimos anos, graças, sobretudo, a iniciativas da União, dos Estados, dos Municípios e da Sociedade Civil Organizada. A taxa de escolarização do ensino fundamental atinge 96% dos jovens entre 7 e 14 anos, as matrículas no ensino médio crescem expressivamente em âmbito nacional, além de merecerem aplausos ações inovadoras e oportunas na área técnico-pedagógica, como as vinculadas aos novos parâmetros curriculares nacionais, à avaliação do desempenho acadêmico dos alunos, a planos de desenvolvimento da escola, além de outras ligadas ao planejamento educacional, como o aprimoramento do sistema de produção e distribuição de dados e informações estatísticas.

                             É nesse contexto de inovações que se cria o FUNDEF, em fins de 1996, para implantação compulsória em 1998. Saudado por muitos como uma fórmula quase mágica para alavancar a combalida educação municipal, agora mais abastecida de novos e pesados encargos, o referido mecanismo financeiro vem dando sinais de fragilidade e de reversão de expectativas, sobretudo por uma crescente onda de denuncismo, abrigada, com todas as letras, na grande e pequena mídia, pautada em acusações gravíssimas de má gestão desses recursos pelos administradores municipais, a quem se quer imputar a responsabilidade por um eventual fracasso do programa.

                             Indo das mais elementares desinteligências administrativas, às mais escandalosas práticas gerenciais, incluindo-se suspeitas de apropriação indébita de recursos públicos, as denúncias colocam em xeque a idoneidade dos gestores do Fundo e motivaram, com justa razão, a instalação de Comissões Parlamentares de Inquérito-CPI's nos quatro cantos do país, referendadas pela indignação da opinião pública diante dos supostos descalabros administrativos.

                             Por outro lado, pouca atenção vem sendo dada a problemas como diminuição da oferta de vagas e falta de financiamento para educação infantil; reajuste médio do custo-aluno, no âmbito do FUNDEF, aquém das necessidades reais da educação, e o não-cumprimento da lei no que respeita à diferenciação do custo-aluno; recuo no que se refere à instituição de um regime de colaboração entre Estados e Municípios, em especial quanto à repartição de terços dos recursos do salário-educação entre os municípios; redução crescente dos valores oferecidos pelo FNDE nos PTA's relativos ao 1/3 do salário-educação, a ponto de em 1999 só duas áreas de projetos terem sido conveniadas; e a necessidade de uma política de financiamento que contemple a educação básica como um todo e não apenas o ensino fundamental, como praticado atualmente. Além disso, é preciso defender e apoiar, intransigentemente, todas as iniciativas da sociedade política e da sociedade civil em defesa das verbas constitucionais da educação, sejam CPI's e outras de iniciativa do controle social e do controle externo, e, simultaneamente, repudiar todo e qualquer método de gerenciamento dos recursos públicos que traduzam improbidade administrativa e firam a legalidade e os princípios fundamentais da moral e da ética.

                             A UNDIME-MA tem conclamado as autoridades estaduais e municipais, os integrantes dos poderes legislativo e judiciário, a sociedade civil organizada, os movimentos sociais, as comunidades escolares e a sociedade em geral a se mobilizarem em favor do fortalecimento da educação pública municipal, reivindicando políticas abrangentes de financiamento da educação básica como um todo; cumprimento rigoroso da legislação do FUNDEF, através da revisão dos valores atuais do custo-aluno e suas diferenciações, além da inclusão imediata dos alunos jovens e adultos nos seus cálculos; regularidade nos repasses dos recursos da merenda escolar, do Programa Dinheiro Direto na Escola e demais convênios, sem o que a educação municipal não terá condições objetivas de operacionalizar os seus encargos atuais e muito menos ainda os seus compromissos futuros.

                             Por outro lado, os desafios de construir uma educação pública de qualidade para todos neste país e neste Estado vão muito além da superação dos atuais problemas com a gestão do FUNDEF. Atribuir ao Fundo poderes messiânicos e punir de maneira arbitrária gestores municipais da educação, em sua maioria despojados de recursos técnicos e administrativos, por força de limitações estruturais do setor, longe de representar um bem para a sociedade, pode levar ao cometimento de profundas injustiças e à culpabilização da própria vítima, deixando ilesos outros segmentos do poder público e da sociedade que também são formalmente co-responsáveis pelo seu monitoramento e controle.

                             É nesse contexto que a UNDIME-MA define o seu compromisso social e passa a ser uma força a serviço da mudança. Toma partido na luta pelo respeito à autonomia da educação municipal e pela adoção de uma gestão democrática em todos os níveis da política pública educacional. Aspira por um sistema de ensino público capaz de mudar realmente o cenário social e cultural do Maranhão. Por tais razões, o seu foco maior é o Dirigente Municipal de Educação. Transformá-lo em um agente social efetivo a serviço da mudança é a sua aspiração mais elevada. Para isso se propõe a trabalhar pela elevação do padrão técnico e político do DME, tornando-o apto a exercer o seu papel de líder consciente e competente para o exercício autônomo  de seus encargos funcionais e sociais, voltados prioritariamente para a construção de uma educação pública de qualidade para todos.

3- PRINCIPAIS DESAFIOS

                             Segundo publicação recente2, editada pela UNDIME Nacional, em parceria com a UNESCO e Fundação Ford, são estes os principais desafios a serem enfrentados pelo movimento dos Dirigentes Municipais de Educação:

    a)Reduzir os desequilíbrios entre iniciativas de formação técnica e de formação política. Os números deixaram bem nítido que os DME não priorizam engajamentos em movimentos ou campanhas de cunho político-institucional. É correta a estratégia da UNDIME de não ser confundida como uma central sindical, sem o que já teria deixado de existir. No entanto, sua condição de órgão de representação de interesses coletivos, exige uma arena e uma agenda política para expandir-se;  
    b)Aprimorar o campo de atuação profissional do DME. É uma tarefa das mais urgentes, embora de complexa implementação. A direção dos sistemas municipais de ensino não pode ficar entregue a quadros despreparados técnica e pedagogicamente. Urge que se dê um sentido orgânico aos papéis desempenhados pelos Dirigentes Municipais de Educação enquanto condutores da política pública educacional, neutralizando assim a forte inorganicidade ainda hoje presente no cotidiano da  grande maioria deles;
    c)Adotar a gestão participativa como componente intrínseca do processo de produção e implementação das políticas educacionais em âmbito municipal. O modelo tradicional de gestão educacional tem se revelado ineficiente, caro e inadequado, a ponto de colocar os indicadores educacionais do país em níveis muito baixos em relação ao contexto internacional. O novo processo pode se iniciar pela adoção generalizada de critérios técnicos, pedagógicos e participativos para a escolha de dirigentes escolares, com o que se eliminaria o predomínio do clientelismo e se asseguraria a escolha de profissionais qualificados para a direção das escolas;
    d)Organizar os DME para contribuírem na construção de uma nova municipalização educacional que tenha como ponto de partida a autonomia dos sistemas municipais de ensino. Começando pela defesa da descentralização do poder decisório em todas as iniciativas de municipalização educacional, cujo sentido e  direção devem priorizar o espaço escolar-pedagógico e não o complexo político-administrativo, como normalmente ocorre. Sem autonomia municipal intrínseca não se completa o ciclo necessário à existência efetiva de sistemas municipais de ensino e, sem isso, não se rompe a cadeia que mantém a educação básica municipal em estágio  inferior de desenvolvimento e em condições permanentes de subordinação política. A nova municipalização da educação exige pois a socialização do poder decisório e da gestão em todos os níveis, de tal forma que as políticas públicas educacionais sejam ditadas pela maioria, ou por consensos sociais legítimos, extraídos dos diversos setores que compõem o poder local;
    e)Ter sempre em conta que o problema educacional é uma questão nacional, mesmo que o seu lugar de existência seja o município. Os problemas que desafiam os DME só serão equacionados e superados se forem assumidos e enfrentados pelos sistemas de ensino existentes no país. Sem regime de colaboração entre eles, visando integrar políticas públicas e acabar com as costumeiras ausências de articulação, os obstáculos não serão removidos. A forma atual de concepção estrutural e organizacional do ensino público deixa patente a necessidade de administração conjunta da educação básica. Sem um regime de colaboração em que esse compromisso seja efetivado não se garante o desenvolvimento dos sistemas de ensino tal como estão formalmente pensados;
     f)Propugnar pelo aperfeiçoamento do atual modelo de financiamento da educação fundamental e pela implantação de um novo que abranja a educação básica em sua totalidade. Apesar do reconhecimento da importância do FUNDEF, o atual modelo não supre as necessidades gerais do financiamento da educação básica. A começar pelo reforço aos mecanismos de fiscalização necessários ao cumprimento rigoroso do dispositivo constitucional de aplicação exclusiva dos 25% das receitas de impostos e transferências em manutenção e desenvolvimento do ensino. Além disso, é preciso maximizar as disponibilidades existentes, destacando-se a incorporação do salário-educação e dos recursos de convênios ao orçamento da área, descentralizar sua gestão, inclusive adotando a gestão participativa do orçamento e das finanças, priorizando os gastos em atividades-fim. Algo precisa ser feito urgentemente em favor de mais disponibilidades de recursos para a educação infantil e para o ensino médio, além das correções no atual modelo, o que implica dizer da conveniência e necessidade de um novo padrão de financiamento para a educação básica como um todo.

     3.1-  O Enfrentamento dos Desafios

                             A UNIDIME-MA cresceu não só quantitativamente, mas, o que é mais importante, qualitativamente. Hoje é uma instituição reconhecida não só pelos Dirigentes Municipais de Educação e pela sociedade, mas, igualmente pelas instituições parceiras, onde se destacam: o Ministério Público Estadual, o Unicef, o Conselho Estadual de Educação do Maranhão, a FUNAC, a FAMEM, o Instituto do Homem e outras organizações governamentais e não-governamentais.
             
                             Uma UNDIME-MA cada vez mais forte e necessária depende de duas coisas: primeiramente da participação efetiva dos Dirigentes Municipais de Educação, do seu envolvimento e de seu compromisso com os princípios e com a programação da Entidade e também com as suas finalidades estatutárias;  depois, de sua vontade de colaborar para a sustentabilidade financeira e material do Órgão.

                             Ainda é muito baixo o número de Convênios assinados pelas Prefeituras com a UNDIME-MA. Urge que os Dirigentes Municipais de Educação estimulem seus Prefeitos a colaborarem, pois estarão fazendo um investimento altamente produtivo. São 217 Municípios no Maranhão e cerca de 5.600 no Brasil. Como seríamos mais fortes se todos firmassem Convênios com a UNDIME, e como poderíamos ser muito mais eficientes do que somos hoje, se tivéssemos mais recursos para implementar novos projetos e novas idéias!! 
                                                        
                             Mais do que nunca se torna inadiável a consolidação da UNDIME-MA, seguindo uma tendência nacional, como instância efetiva de articulação dos interesses da educação municipal. Em uma conjuntura marcada por grandes exigências técnicas, pedagógicas e administrativas postas aos municípios, em seu papel crescente de gestores da política educacional, a existência de uma UNDIME-MA forte, técnica e politicamente, representará um apoio indispensável ao sucesso das políticas de municipalização da educação preconizadas pela Constituição Federal, pela LDB e presentes nos programas do MEC.

                             Uma das formas de afirmação institucional da Entidade, no seu papel de articuladora das políticas municipais de educação, decorrerá de sua capacidade de gerar, produzir e disseminar dados e informações que auxiliem o Dirigente Municipal a tomar decisões e elaborar projetos de desenvolvimento. Nesse sentido, a manutenção e desenvolvimento do banco de dados sobre educação municipal assumem peso decisivo pois vem propiciando criação de mecanismos efetivos de atualização e intercâmbio de informações entre as Secretarias Municipais de Educação e subsidiando a elaboração de estudos, programas e projetos a cargo das redes municipais de ensino. No estágio atual da sociedade, nenhuma instituição, seja pública ou privada, governamental ou social, evoluirá, ou mesmo, se manterá funcionando, se não dispuser de um eficaz sistema de informações. A existência de informações técnicas representa uma ferramenta básica para remover obstáculos a uma administração realmente eficiente, justamente aquela que busca atingir níveis crescentes de recionalidade, com máximo grau de qualidade social.

4- POLÍTICA DE ALIANÇAS

                             Em decorrência desse seu papel de articulação e coordenação das ações educacionais no âmbito municipal, a UNDIME Nacional e suas filiadas têm sido interlocutoras junto ao MEC, aos governos estaduais e municipais,  a Agências Regionais, a instituições internacionais, como  a UNESCO, o UNICEF, a Fundação Ford, entre outras, além de diferenciadas instituições públicas e organizações não-governamentais e da sociedade civil.

                       No caso específico da UNDIME-MA, a sua malha de interlocução compreende o Escritório do UNICEF, as Gerências de Desenvolvimento Humano-GDH e Desenvolvimento Social-GDS, a Fundação de Apoio à Criança e ao Adolescente-FUNAC, o Ministério Público Estadual, o Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária- CENPEC, a Federação dos Municípios-FAMEM, o Conselho Estadual de Educação, entre outros, além de órgãos não-governamentais e da sociedade civil, como o Instituto do Homem, o Sindicato dos Professores do Maranhão, entre outros.

                             Um parceria das mais importantes para a UNDIME-MA é a que vem sedo feita com o Ministério Público Estadual, através  do Centro de Apoio Operacional da Infância e da Juventude, a qual gira em torno da implementação do Programa institucional “Educação: Direito da Criança, Dever de Todos Nós”.

                             O Programa vem realizando várias iniciativas  marcantes, as quais têm repercutido intensamente em todo o Estado do Maranhão, principalmente pelo seu ineditismo e pelo seu conteúdo inovador, destacando-se os Encontros Regionais de Educação e o programa das Teleconferências. Contando, ainda, com a participação qualificada do Unicef, responsável pelo financiamento, e o apoio de órgãos como a FAMEM, o Conselho Estadual de Educação, a FUNAC, o Sindicato dos Professores, as Gerências Regionais, entre outros, o Programa do MPE visa atingir todas as dezoito regiões administrativas do Estado. Os encontros regionais têm o objetivo de materializar consensos sobre questões como implantação de Sistemas Municipais de Ensino, Conselhos Municipais de Educação, Fichas de  Controle da Evasão Escolar, Conselhos Tutelares e dos Direitos da Criança e do Adolescente, entre outros. As Teleconferências, por seu turno, cobrem todo o Maranhão e podem ser acompanhadas de qualquer parte do Brasil e mesmo do exterior.

     4.1-   A Parceria com a ANPAE-MA

                             A tarefa histórica voltada à construção de um poder educacional local democrático e autônomo no Maranhão estimula uma efetiva aliança institucional entre a UNDIME-MA e a recém instalada Seção Estadual da Associação Nacional de Política e Administração da Educação-ANPAE, uma das mais antigas e conceituadas associações científicas de administradores educacionais do Brasil e mesmo da América Latina.

                             A responsabilidade social da UNDIME-MA com a reinvenção da política pública educacional nos municípios maranhenses exige da entidade vínculos permanentes e sólidos com o meio acadêmico e com organizações promotoras do desenvolvimento científico e tecnológico da educação.
                             Para que a UNDIME-MA se afirme como portadora de mudanças é mais do que evidente a necessidade de que se ultrapasse a luta meramente corporativa e que se transforme numa instância capaz de formular e implementar projetos de direção no campo das políticas públicas, passando a ser também uma instância produtora de cultura na esfera das políticas públicas educacionais, tendo como referência a construção e desenvolvimento sustentado do poder local democrático.
                             Estando ambas localizadas na esfera da sociedade civil e fortemente identificadas e comprometidas com o desenvolvimento da educação pública de qualidade social, encontrarão grandes facilidades em estabelecerem pactos de ação e interlocução pois estarão isentas de muitas amarras que dificultam e burocratizam as articulações interinstitucionais, principalmente quando estabelecidas com entidades do setor governamental.
                             Gozando ambas de mais flexibilidade para agir e formular ações conjuntas em prol do desenvolvimento da política, da gestão e da administração da educação, poderão enriquecer e fortalecer a luta mais ampla da sociedade maranhense por um sistema educacional público que não seja excludente e de segunda categoria pelo fato de atender apenas às demandas das camadas mais pobres da sociedade.
                             Além do mais, a aliança fortalece um dos eixos estratégicos da Seção Estadual da ANPAE, que é aquele voltado à priorização da educação básica municipal como uma das linhas mestras da programação da associação para o próximo biênio, considerando que os municípios maranhenses são responsáveis diretos pelo atendimento de 80% das vagas nesse nível de ensino.


5-O REGIME DE COLABORAÇÃO

                             Diante da crescente complexidade dos problemas educacionais, não há como conseguir uma verdadeira melhoria de qualidade se não houver, de fato, um regime de colaboração entre a União, o Estado e os Municípios. Enquanto o diálogo entre estas três esferas da política governamental de educação não for verdadeiramente fecundo e produtivo, pouco conseguiremos na direção de um sistema de ensino voltado ao desenvolvimento da sociedade.

                             O regime de colaboração entre os sistemas está consagrado nas normas constitucionais sobre universalização do ensino fundamental e sobre a garantia da educação básica para os brasileiros. No §4o da Emenda Constitucional 14 está consignado: “Na organização dos sistemas de ensino, os Estados e os Municípios definirão formas de colaboração, de modo a assegurar universalização do ensino ibrigatório”.

                             Tanto a Constituição, a Emenda 14 e, principalmente, a LDB em vigor, contemplam um vasto número de novos dispositivos educacionais que enfatizam o estabelecimento de regimes de colaboração intersistemas, sem o que não será possível atingir-se os resultados colimados.

                             Pode-se, com efeito, mencionar, a título de exemplo: a implementação e operacionalização do FUNDEF; as definições sobre sistemáticas de aplicação dos recursos vinculados à Educação e sobre a redistribuição da quota do salário-educação; a institucionalização dos sistemas municipais de ensino e a consequente implantação, nos de maior porte, de conselhos municipais de educação; a política de gestão das redes de ensino em suas várias modalidades e níveis- educação infantil, ensino fundamental, ensino médio, educação de jovens e adultos, etc., e outros mais urgentes, como planos de carreira e remuneração; de capacitação profissional para o magistério; diretrizes curriculares para as áreas urbanas e rurais frente aos novos parâmetros curriculares nacionais, entre tantos outros que estão em evidência ou que entrarão em breve.

                             Os problemas da educação básica brasileira, por seu turno, impõem que não se fique mais pregando o que não se pratica, numa flagrante estratégia de empurrar para frente uma bomba repleta de efeitos nocivos ao desenvolvimento da educação pública. Não são poucos os estudos e pesquisas que comprovam a forte correlação entre fracasso escolar e falta de efetividade no regime de colaboração entre os sistemas.

                              Investir no regime de colaboração significa adotar o diálogo, a negociação, com vistas à construção de consensos sobre as responsabilidades de cada um dos sistemas na promoção da educação pública, tendo como base a articulação dos interesses subjacentes em torno da repartição dos fundos financeiros do setor público, dentre eles o salário-educação e o FUNDEF.
.
                             Significa a busca de uma engenharia política que crie um verdadeiro sistema de vasos comunicantes, capaz de produzir equidade na divisão dos recursos e complementaridade entre as partes na elaboração de um projeto pedagógico que dinamize o papel da educação pública e assegure a sua qualidade e efetividade social.

                             O Maranhão não mudará o perfil dos seus indicadores educacionais se não aprofundar, ao extremo, a ligação orgânica entre o sistema estadual e as ainda precárias e incipientes redes municipais de ensino, onde muitas ainda se movem com baixíssimos índices de capacitação técnica e recebem interferências diretas de outros interesses que não os exclusivos da área educacional.
  
                             Uma das primeiras gestões da UNDIME-MA em favor da efetivação de um canal para viabilizar ações de colaboração entre o Sistema Estadual de Ensino e os Municípios maranhenses, refere-se à criação de um Comitê do Regime de Colaboração.  Desde a realização do PRASEM II, no primeiro semestre de 1999, onde foi elaborada uma substanciosa  pauta de reivindicações pelos Dirigentes  Municipais presentes, vem a UNDIME-MA tentando viabilizar, junto aos gestores da educação estadual, a institucionalização do referido Comitê. Não resta dúvida que este seria um marco histórico em nosso Estado, pois a aspiração por uma instância como esta é antiga entre os Secretários Municipais maranhenses. Além da UNDIME-MA e da GDH, a proposta é que integrem o Comitê, o Conselho Estadual de Educação, a FAMEM e o UNICEF, sem dúvida nenhuma, instituições estratégicas para a formulação e acompanhamento das políticas públicas no campo educacional.

                             O PRASEM III trouxe novamente à pauta a necessidade de mais avanços em termos da colaboração Estado-Municípios. Continuamos, no entanto, sem grandes motivos para comemorar, mesmo que se reconheça a predisposição dos dirigentes e a existência de apreços pessoais entre os titulares das pastas envolvidas.

                             Um fato novo recoloca a questão mais forte ainda: trata-se do cumprimento, pelos Municípios, da exigência legal e já configurada em vários termos de ajustamento de conduta assinados com o Ministério Público Estadual, segundo os quais eles terão até janeiro de 2002 que elaborarem seus Planos Decenais de Educação. Para que essa exigência seja cumprida fielmente, materializada em Planos Municipais de Educação verdadeiramente consistentes, os Municípios precisam, no mínimo, conhecer as diretrizes do sistema estadual para os próximos dez anos, sem o que os Municípios não terão meios de cumprir os acordos firmados com o Ministério Público.

                             Mesmo numa conjuntura  complexa como a atual, convém que se leve a cabo um bom regime de colaboração. As lideranças educacionais do Maranhão precisam convocar à ação os órgãos públicos, as instituições da sociedade civil e as organizações empresariais com responsabilidade social para um grande movimento pela educação maranhense, tendo a elaboração do Plano Estadual de Educação como fator de aglutinação. Partindo-se dos Municípios, passando-se pelas Regiões e chegando-se ao nível estadual, teríamos condições de formular e implantar um Plano Educacional da mais absoluta importância para a sociedade maranhense.
                                                       
6-O TRABALHO EM REDE

                             Com toda certeza, é de grande importância a mobilização social organizada em favor do fortalecimento do processo de municipalização da educação básica no Maranhão, um dos Estados onde a municipalização do setor mais cresceu e cresce. Basta ver que quase 100% das matrículas da educação infantil são municipalizadas; do ensino fundamental aproxima-se de 70%; e, mesmo no ensino médio, cuja responsabilidade de atendimento é sobretudo estadual, os municípios mais de 20% da demanda.

                             A educação das crianças, jovens e adultos das zonas rurais é feita quase que inteiramente pelas escolas municipais. Este nível expressivo de municipalização da educação básica maranhense deixa claro que o foco das atenções, visando a superação das deficiências e, principalmente, o resgate dos direitos que estão sendo negados a crianças e jovens excluídos do processo educacional formal, deve ser dirigido às redes municipais de ensino e ao fortalecimento e autonomia dos seus sistemas.

                             A forma de atuar da UNDIME-MA, a partir dos apoios técnicos e financeiros recebidos do UNICEF, tem sido sob a forma de uma rede interinstitucional de apoio às políticas de municipalização educacional. Rede esta que articula contrapartes e parceiros do UNICEF, representativos de OG’s e ONG’s, no sentido de contribuir para a universalização e qualidade da educação pública municipal e a construção de sua autonomia, visando garantir o acesso ao ensino fundamental de qualidade às crianças e adolescentes excluídos, bem como garantir que as escolas formulem e implementem, com participação da comunidade, projetos pedagógicos de educação integral, apropriados às características de seu contexto sócio-econômico e cultural. Objetiva apoiar a institucionalização de sistemas municipais de ensino; capacitar dirigentes e profissionais da educação; fortalecer as escolas e os órgãos da educação como entes autônomos; implantar projetos político-pedagógicos instituintes; incrementar a elaboração de Planos Municipais de Educação; implantar, apoiar e articular Conselhos Municipais de Educação, de acompanhamento e controle social, tutelares e de direitos; apoiar políticas de formação e valorização do magistério, fortalecer o regime de colaboração entre Municípios-Estado-União e as parcerias com o terceiro setor e com setores produtivos dotados de   responsabilidade social.

                             Os principais resultados esperados, a partir dessa forma de atuar associada são: maior número de sistemas municipais de ensino implantados e mais aparelhados para o cumprimento de suas finalidades em termos de organização e gestão da rede escolar e dos órgãos da educação; aumento da taxa de acesso e permanência dos alunos na escola; introdução de novos métodos e novas pedagogias, projetos educacionais instituintes e currículos adequados à realidade e necessidades locais; Conselhos Municipais de Educação melhor preparados e demais conselhos de representação social capacitados e aptos a exercerem suas autonomias; Planos Municipais de Educação e Projetos Político-Pedagógicos concebidos e centrados nas expectativas públicas e da comunidade escolar.

                             Os grupos-alvo principais são Prefeitos, Secretários Municipais de Educação, Dirigentes Escolares, Comunidades Escolares, Conselheiros Municipais de Educação, de Direitos da Criança e do Adolescente, de Acompanhamento e Controle Social, Vereadores, Juízes de Direito, Promotores de Justiça e Lideranças Comunitárias. O principal beneficiário da implementação da rede é a população estudantil matriculada nas escolas públicas municipais. A rede está apta a atuar nas 18 Regiões Administrativas do Estado, envolvendo a participação dos municípios que as integram.
                            
7- AUTONOMIA, QUALIDADE SOCIAL  E PARTICIPAÇÃO COMUNITÁRIA

                             Sem dúvida, educação de qualidade e clientelismo são incompatíveis. Administrar a educação sob critérios atrasados, como o empreguismo, compromete visceralmente qualquer expectativa de eficiência e qualidade pedagógica.

                             Uma das pré-condições para o sucesso de qualquer política educacional é a existência de recursos humanos qualificados e capacitados para o pleno exercício de suas funções técnicas e educativas. Se os sistemas de recrutamento e seleção desses recursos não se pautarem nessas premissas e estiverem subordinados a critérios “empreguistas”, a política educacional estará condenada ao fracasso.

                             Sabemos muito bem que em nosso Estado e em outros de nosso país, a instituição do “cabide de emprego” ainda é muito forte e caracteriza muitas administrações públicas. A longa permanência desse fenômeno em nossa sociedade, principalmente nos municípios do interior, acarreta prejuízos inestimáveis ao nosso desenvolvimento social e cultural e mesmo do Brasil, pois é um fator de negação da cidadania e de concentração de poderes e privilégios nas mãos de poucos.

                             Devemos, mais do que nunca, permanecer atentos e vigilantes no sentido de que possamos derrotar, para sempre, essas formas tão nefastas de administrar a coisa pública no Brasil. Temos hoje uma Lei de Responsabilidade Fiscal, os Tribunais de Contas mais atuantes e um melhor controle social sobre as administrações públicas.

                             Até que ponto a autonomia municipal conduzirá a uma ação prática em relação ao compromisso de gestão pública?

                             A conquista de uma gestão democrática e do planejamento participativo da educação em solo maranhense, ou mesmo em qualquer parte do mundo, não pode ser vista como mera “opção”.

                             O emergir de uma sociedade democrática deve ser encarado como uma meta superior da sociabilidade humana.

                             Nossa trajetória nesse mundo, por milhares de anos, tem sido a afirmação de uma sociedade totalitária, onde a grande maioria dos seres humanos nunca teve acesso pleno aos bens produzidos coletivamente. Nossa marca tem sido a escravidão, o servilismo, a opressão e exclusões de toda sorte. Até mesmo neste nosso maravilhoso mundo novo, que, por mais civilizado assim o julguemos, ainda estamos longe de atingir uma sociabilidade mais justa e igualitária.

                             Chegar a uma sociedade democrática, a um planejamento participativo das políticas públicas, para nós brasileiros, campeões mundiais da desigualdade, jamais pode ser entendido com retórica demagógica, dentre os milhares que temos por aí: atingir uma sociedade democrática e o planejamento participativo da administração pública deve ser visto como uma espécie de imperativo para nossa realização como povo e como civilização.

                             Como poderemos gerir a política educacional de uma forma eficiente e democrática, se continuarmos renunciando ao nosso direito à autonomia, conquistado desde 1988, pela Carta Magna e reafirmado em 1996, pela nova LDB?

                             Será que somos realmente incompetentes e incapazes para assumir nossa autodeterminação?

                             Vamos continuar eternamente tutelados pelas políticas emanadas da União e do Estado?

                             A conquista da autonomia jamais ocorrerá por qualquer fórmula dadivosa. Se quisermos ser autônomos, cabe a nós conquistarmos esse direito. Ninguém, em nenhuma parte do Brasil e do mundo, sabe mais do que nós o que precisamos fazer para superar nossos obstáculos e definir nossos projetos. Se abdicarmos dessa condição, outros se sentirão encorajados a assumir o nosso lugar e tudo farão para não perdê-lo mais. Este é um fenômeno político inerente ao nosso modelo de organização da vida social.

                             Gostaria de enfatizar o seguinte: se parece utópico o planejamento e a gestão pública participativos, se estão distantes da realidade política de nosso Estado, se o que prevalece ou prevaleceu mesmo foi a centralização e a política do favor e do clientelismo, não devemos desanimar.

                             Se nós acreditarmos que é possível chegar a uma sociedade mais democrática e mais justa, mesmo que jamais a vejamos, ela algum dia nascerá. Se estivermos engajados pra valer nesse bom combate, quem sabe se dela não iremos desfrutar? Um sistema municipal de educação autônomo terá muito mais possibilidade de decidir sobre o que quer e sobre qual a política educacional que mais lhe convém, do que um outro, sem autonomia, que apenas segue as políticas que outros sistemas definem, muitas delas inclusive elaboradas sem a sua participação.

                             Outras duas questões importantes a serem respondidas pela UNDIME-MA. Qual a importância da participação da comunidade na dinâmica das políticas educativas? Que tipos de obstáculos persistem na elaboração e execução de planos e de políticas educativas para os municípios?

                             A participação da comunidade, não só nas políticas educativas, mas na política pública como um todo é decisiva e mesmo insubstituível. Lamentavelmente, neste Estado e em nosso país, ainda não atingimos esse padrão de governabilidade, onde a participação comunitária e popular efetivamente influi na definição e na gestão das políticas públicas. Nossa marca histórica é a centralização do poder decisório e a subordinação da política pública aos interesses privados e da infra-estrutura econômica nacional e estrangeira.

                             Victor Vincent Valla3 e tantos outros estudiosos do Brasil afirmam que a extrema concentração de riqueza que temos hoje no país e a vergonhosa desigualdade social a que estamos sujeitos se devem a esse tipo de gerenciamento da verba pública.

                             Pelo fato dos interesses comunitários e populares nunca terem sido predominantes, os gestores públicos brasileiros e suas elites privilegiaram a montagem de uma poderosa base econômica, em detrimento das condições de vida e de reprodução da classe trabalhadora.

                             No caso da política educacional, tomando apenas o exemplo atual, o que se observa é o revigoramento de um modelo de descentralização que transforma os municípios em simples apoiadores das políticas educacionais originadas do alto.

                             Em nome do regime de colaboração ou em razão do exercício de suas funções suplementares, as políticas educacionais produzidas pelos Estados e pela União estão invadindo de tal maneira o espaço decisório local que os municípios estão se transformando em meros executores dessas políticas. Pior de tudo é que, em sua larga maioria, pela flagrante desestruturação de seus sistemas educacionais, aceitam passiva e pacificamente essa nova forma de controle do poder local, que, por isso mesmo, permanece atrofiado e impedido de reagir em favor da preservação ou da conquista de sua autonomia.

                             Pela nova LDB e mesmo na conformidade constitucional, a comunidade detém uma parcela significativa de responsabilidade na política educacional. Embora tendo como lugar de referência a escola, a educação é um fenômeno comunitário e social, na medida em que nos educamos para viver em comunidades humanas.

                             Uma educação escolar que não estabeleça um diálogo fecundo com a comunidade está condenada ao insucesso. A escola se oxigena na medida em que se abre para a comunidade e com ela é capaz de estabelecer laços efetivos e afetivos de convivência. Se a escola erguer muros muito altos e se isolar de seu meio corre o sério risco de ficar para sempre confinada à solidão e ao esquecimento.

                             Os currículos escolares são os meios mais diretos para estabelecer esse intercâmbio, essa ponte entre o mundo da escola e o mundo que a cerca. O que a escola aprende e ensina sempre será mediado pela comunidade e suas especificidades históricas e culturais. Se esta mediação não ocorre, a escola permanece isolada de seu contexto e desvirtuada de suas funções essenciais.

                             Tem sido muito difícil construir esta ponte em nossa realidade em função de ainda termos uma escola cheia de problemas e inconclusa, o que a torna limitada na tarefa de dialogar positivamente com o seu meio ambiente, isto em decorrência de fatores internos e externos. Precisamos trabalhar muito para superar essa deficiência. Começando pela desmistificação dos problemas que impedem esse diálogo. Não aceitar, em hipótese alguma, a idéia de que a população, por ser, em sua maioria, pobre e iletrada, não tem o que contribuir para o desenvolvimento da política educacional. Às vezes, a limitação não está na comunidade, mas na própria comunidade escolar, no professor, no diretor ou no dirigente municipal ou estadual que não sabe dialogar com o povo. No estágio atual da civilização, a escola que não estiver aberta para o diálogo com os seus vizinhos e com os vizinhos do outro lado do mundo será uma instituição natimorta.

                             Por quê é tão difícil os municípios formularem e executarem seus planos educacionais? Que obstáculos são esses que poucos conseguem removê-los?

                             Uma das explicações está no próprio modelo de municipalização que se vem configurando no Brasil. De um lado, conforme a lei maior, os municípios são entes federados autônomos, portanto gozam de prerrogativas iguais às da União e dos Estados; de outro, a União e os Estados pouco fazem no sentido de respeitarem essa prerrogativa, pois cada vez mais interferem na vida municipal. Para que esse obstáculo seja superado é preciso rever o pacto federativo e mudar radicalmente o modelo de planejamento e gestão da administração e das políticas públicas como um todo, de modo que essas contradições e os paradoxos que hoje existem sejam definitivamente escoimados.

                             Um dos obstáculos internos aos municípios diz respeito a limitações de ordem técnica, administrativa e política, ainda comuns em muitos deles. Dos quase 5.600 municípios existentes no Brasil, é expressivo o número dos que se encontram desaparelhados para assumirem plenamente suas políticas públicas e educacionais em especial. Além da baixa viabilidade econômica, sofrem as conseqüências da escassez de recursos humanos capacitados e qualificados para conduzirem projetos educacionais instituintes, no que se inserem numa espécie de círculo vicioso da insustentabilidade, quando as lideranças políticas e as forças que dominam a administração pública são originárias de grupos atrasados e representativos de oligarquias tradicionais, herdeiras da tradição brasileira que há séculos privatiza a coisa pública.

                             Um outro obstáculo poderoso está afeto à ideologia da dependência, fomentada pela não superação de uma certa mentalidade de sujeição ao colonizador, ainda forte em boa parte do Brasil, principalmente nas áreas menos urbanizadas.

                             Nos lugares onde a ideologia da dependência prospera com facilidade, as pessoas em geral renunciam à cidadania e ao civismo e passam a achar que são incapazes de construir uma sociedade sustentável. Aí elencam dúzias de obstáculos, cada qual mais difícil de transpor, e assim se omitem e acabam contribuindo para neutralizar ou mesmo dissolver, qualquer espécie de movimento em favor da autonomia das políticas educacionais nos municípios. Claro que não podemos deixar de reconhecer o despojamento de muitos municípios e suas conseqüentes limitações.

                             Todavia, se cruzarmos os braços, nós os filhos da terra, quem mais virá nos socorrer e empunhar a bandeira do desenvolvimento sustentável? Mesmo que os obstáculos sejam vários, saídas há. Mesmo que para isso seja preciso reinventar a política, a escola e o governo.

                             Como operacionalizar essas mudanças, se não temos tradição?

                             É verdade, não temos tradição, mas temos certeza que precisamos mudar a forma de planejar nossas políticas públicas. Não se trata de nenhum bicho de sete cabeças ou de um modelo de tal modo complexo que só a poucos se torne acessível. Para começar o planejamento participativo basta haver uma vontade política firme nesse sentido. Essa vontade política decorre da mobilização social e da existência de um espaço público em expansão. Tem a ver, portanto, com a ação da cidadania em favor dos seus direitos.

                             Se governantes e governados estabelecerem canais produtivos de interlocução, o planejamento participativo será uma exigência inexorável. Uma coisa é certa: se não temos tradição agora, nada impede que lutemos para conquistá-la amanhã.

                             O planejamento participativo, por outro lado, não é uma fórmula mágica que resolve todos os problemas da gestão pública ou que assegure a efetividade social das políticas públicas. Ele deve ser visto, sobretudo, como um mecanismo de garantia dos direitos do cidadão e de democratização da coisa pública. Por ter essa natureza é um recurso da administração pública que está em permanente transformação e jamais será um modelo acabado e definitivo. Sua eficácia decorre, sobretudo, do grau de integração que mantém com a realidade e as necessidades da comunidade, suas aspirações e desejos individuais e coletivos.

                             Por outro lado, se há em nosso país algo que tem merecido respeitabilidade internacional, tal cabe ao orçamento e ao planejamento participativos. O exemplo que alguns Estados e Municípios que adotam o planejamento e o orçamento participativos estão dando têm merecido de observadores estrangeiros os mais efusivos elogios pelo seu caráter inovador, configurando uma nova maneira de gerir eficazmente a administração pública, a ser seguida, inclusive, pelos países ditos desenvolvidos.

                             Devemos fazer tudo para que essa idéia algum dia vingue e passe a ser referência na maneira de planejar o desenvolvimento das políticas educacionais em nossas comunidades.

                             De que forma envolver os pais no planejamento participativo, já que não demonstram interesse nem em ir às reuniões de pais e mestres?

                             Com certeza não se trata de tarefa fácil. Nesse caso, a dificuldade não se restringe apenas aos pais refratários à escola. Nossas escolas, lamentavelmente, também ainda não sabem como envolver os pais e a comunidade em seu dia-a-dia. Há muitos preconceitos, de ambas as partes. Muitos professores não conseguem se comunicar com mães e pais originários das camadas populares, ou porque são muito pobres, ou porque são completamente iletrados. Sem falar na dificuldade que têm em articular objetivos curriculares, que, em geral, não se relacionam bem com a realidade circundante, com aspirações e necessidades objetivas que se encontram ausentes dos conteúdos escolares.

                             Podemos afirmar, por outro lado, que só terá sentido o planejamento participativo escolar na realidade atual se for para a comunidade escolar, em conjunto com a comunidade externa e a de pais em particular, reinventarem essa escola que está aí.

                             Talvez um dos grandes obstáculos à participação dos pais dos alunos das camadas populares seja o fato de que a escola que temos não se encontrar estruturada para essa participação. Um certo viés elitista que começa na Universidade, no momento da preparação do futuro professor, e vai até o modo como são planejadas as políticas educacionais, marcadas pelo elitismo e pela centralização em nichos privilegiados de poder.

                             Aparentemente, quando o Presidente da República e o Ministro da Educação decretam o Dia Nacional dos Pais na Escola parece tratar-se de algo prosaico ou, na melhor das hipóteses, redundante, pois, pelas leis em vigor, a partir da maior de todas elas, a educação não é monopólio do setor público. Sem falar nas modernas pedagogias que são incansáveis em afirmar e reafirmar o valor e o papel fundamental dos pais na vida escolar de seus filhos. Se, para levar a família à escola pública, é preciso um decreto federal para isso, algo não vai bem com a escola básica que temos hoje no Brasil.

                             Não podemos, por outro lado, cair no equívoco de chamar os pais para dentro das escolas e não termos o que dizer a eles e muito menos o que pedir quanto aos seus papéis na educação dos seus filhos. Chamá-los ao chão da escola só para solicitar-lhes ajuda e horas de trabalho voluntário é um erro fatal, pois acabaremos legitimando o já limitado compromisso do Estado com o pleno financiamento das políticas públicas de educação neste país.

                             Planejamento participativo escolar sem a participação ativa dos pais dos alunos, dos próprios alunos, do corpo docente e do quadro técnico e administrativo não pode ser assim designado. A escola que temos está aberta a este tipo de gestão? Se não está, o que podemos fazer para que tal ocorra? Sem dúvida, fica óbvio que para avançar nessa direção precisamos reinventar o mundo da escola e desconstruir o padrão de sociabilidade que nos levou a engendrar um modelo de planejamento público, que opera sem a participação pública.

                             Outras questões sempre presentes a balizar a atuação da UNDIME-MA: É bom ter a municipalização? Que municipalização é essa em que outros municipalizam os municípios? É bom adotar a municipalização nessas circunstâncias? Quem ganha e quem perde com ela? Não corremos o risco de diminuir o nível educacional se os gestores e administradores não seguirem essas orientações? Existe, por parte do Estado, algum mecanismo que permita avaliar essa nova maneira de conceber a educação?

                             Cremos que precisamos de um novo modelo de municipalização em nosso país, onde o município possa ser respeitado em suas prerrogativas de autonomia e autodeterminação. Achamos bom, sim, termos a municipalização. É o meio mais eficaz para construirmos um poder local comprometido com a qualidade de vida e com equidade social. Agora, pensar que vamos conseguir tudo isso sem mudar o modelo atual é uma santa ingenuidade. Como, na história política do nosso país, o município acabou transformando-se no elo mais fraco da corrente, não será fácil a luta por um novo pacto federativo que realmente opere em níveis de equilíbrio institucional.

                             Com certeza, o risco de diminuir a qualidade educacional caso os gestores municipais não sigam as orientações do planejamento participativo é grande. Muitos críticos da municipalização acham que ela é uma espécie de estratégia da classe dominante para reduzir os investimentos públicos em políticas de equidade social. Ao transferirem essa responsabilidade a um poder local debilitado e em geral despreparado, garantem mais recursos para setores produtivos rentáveis economicamente e preservam o status quo geral da sociedade, uma vez que as políticas públicas conduzidas pelos municípios tendem a ser menos eficientes e até mesmo retroativas, pelas razões estruturais já apontadas.

                             O volume de encargos que os municípios têm hoje em dia não permite improvisos. Mesmo que no curto prazo não implantem o planejamento participativo, de algum modo terão que buscar racionalidade técnica em suas gestões, pois, além da vigilância crescente da sociedade civil, terão que demonstrar alguma eficiência para pleitearem recursos federais e externos de um modo geral.
   
                             Reinventar a escola não é apenas uma bela metáfora pedagógica. Trata-se de um projeto instituinte que nasce das aspirações de cada sistema de educação. Reinventar a escola significa nossa mobilização em favor de uma nova escola pública que seja socialmente necessária e consiga elevar as expectativas e as esperanças do povo brasileiro e maranhense em especial.

                             Temos dúvidas se as elites que dominam o Estado brasileiro estão realmente comprometidas com projetos dessa natureza ou, muito menos, se dispõem de mecanismos de avaliação dessas experiências. Achamos mesmo que a reinvenção da escola será tarefa da sociedade civil organizada em íntima aliança com o mundo escolar e suas vizinhanças e não de governos que se orientam em direção oposta ao desenvolvimento sustentável da sociedade.

                             A politicagem atrapalha a educação?

                             A politicagem atrapalha a vida como um todo, não só a educação. Onde a forma do político assume tais contornos, estaremos condenando gerações ao servilismo e mesmo à exclusão social irreversível.

                             A UNDIME-MA cumprirá o seu papel histórico e honrará o seu mandato institucional se continuar sabendo posicionar-se como verdadeiro agente de transformação social. Para isso, é mais do que urgente, que os Dirigentes Municipais de Educação de todo o país, e do Maranhão, especialmente, não deixem de apóia-la na luta pela autosustentabilidade.
  




2 WAISELFISZ, J. J. et PALHANO SILVA, R. N. Perfil dos dirigentes municipais de educação. Brasília:UNDIME: UNESCO: Fundação FORD, 2000.
3 VALLA, Victor Vincent. Verba pública. Petrópolis: Ed. Autor, 1988.