quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

POSFÁCIO À SEGUNDA EDIÇÃO DO LIVRO A PRODUÇÃO DA COISA PÚBLICA


Por Raimundo Palhano



O tema aqui tratado tem merecido a atenção, principalmente, da literatura acadêmica brasileira ligada às áreas da sociologia e da ciência política, não sendo ainda tão expressivo o seu tratamento no âmbito da história. Por esta razão são abundantes os estudos que trabalham a democracia e a cidadania a partir de movimentos sociais, movimentos políticos e movimentos sindicais, referidos aos processos político-institucionais.

Em tais estudos, o ângulo de análise é quase sempre o da capacidade de interpelação desses movimentos no que tange aos seus direitos de cidadania. A rigor, são estudos que procuram dar conta, principalmente, da questão social e política, na perspectiva de construção de uma ampla explicação a respeito dos processos sócio-políticos que definem as relações entre sociedade civil e estado/sociedade política.

Um outro aspecto da literatura sobre democracia e cidadania em nosso país é que a mesma, embora tendo como referência de observação empírica, movimentos sociais e políticos ocorridos, principalmente, nos grandes centros urbanos, coloca-se como intérprete do fenômeno em plano nacional.

Sem desmerecer sua real representatividade, não podemos deixar de admitir, todavia, que esse tipo de conhecimento em muito poderá ampliar-se com a incorporação de contribuições representativas das demais localidades e regiões que formam o território brasileiro.

O Maranhão, por seu turno, apresenta uma trajetória econômica e política bem distinta do comportamento dos grandes centros, onde a maior parte das pesquisas sobre democracia e cidadania têm sido feitas. Enquanto naqueles centros, o capitalismo brasileiro é mais dinâmico e se desenvolve ao ponto de constituir o seu núcleo central, no contexto maranhense o desenvolvimento do capitalismo passou por um processo diferenciado, ainda que articulado ao núcleo central, no qual sua marca característica ainda é um continuo processo de estagnação econômica e retardo político, especialmente durante o recorte temporal da presente pesquisa.

É de se supor, pelo fato de ser a democracia e a cidadania um fenômeno “nacional”, que estudos sobre cidadania em realidades especificas, não só venham a preencher as reconhecidas lacunas, como também enriquecer a própria construção de uma interpretação nacional ampliada da democracia e da cidadania, nos quais participem tanto os conteúdos sociais e políticos, como conteúdos históricos contextualizados.

Especialmente sobre a cidade de São Luís, lugar de referência empírica do presente estudo, explorar a sua história, sua realidade e evolução, foram fundamentais para a investigação, destacando-se o apoio recebido de alguns trabalhos, produzidos em diferentes épocas, sendo alguns deles ótimos retratos da vida da cidade. Alguns deles: “História das Ruas e Praças de São Luís”(1971), de Domingos Vieira Filho; “A Cidade de São Luís” (1955), de Rubem Almeida, publicado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão; “A História de São Luís” (1948), de Antônio Lopes e Wilson Soares; “Geografia do Maranhão”(1923), de Fran Paxeco; “O Torrão Maranhense” (1916), de Raimundo Lopes, que traça  um precioso quadro do cotidiano, na cidade de São Luís,  nos primeiros anos do século passado.

Ainda sobre São Luís, na perspectiva do seu processo de urbanização, foi possível encontrar boas referências nos trabalhos “Ensaios Sobre a Realidade Maranhense” (1983), de Manuel Correia de Andrade; “Questões Agrárias no Maranhão Contemporâneo” (1976), de Alfredo Wagner Berno de Almeida e Laís Mourão; “Algumas Observações Críticas Sobre o Planejamento Espacial da Economia Maranhense” (1976), de José Henrique Braga Polary. Na verdade, trata-se de uma bibliografia de origem variada, não sendo produto exclusivo de historiadores profissionais, a despeito da pretensão historicista.

O Maranhão intelectual do século XX, tem muito a dever do Maranhão do século XIX. A listagem elaborada por Joaquim Vieira da Luz, para o século XIX, é rica, tanto em quantidade, como em qualidade. Vejamos os principais nomes que ele destaca, os quais também foram visitados e ajudaram a formar a arquitetura da sociedade maranhense desde seus primórdios: Sotero do Reis (1800-1871), João Lisboa (1812-1863), Fábio Alexandre de Carvalho Reis (1815-1890), Cândido Mendes de Almeida (1818-1881), Gonçalves Dias (1823-1864), Antonio Marques Rodrigues (1826-1873), César Augusto Marques (1826-1900), Antonio Henriques Leal (1828-1885), João Mendes de Almeida (1831-1898), João Antonio Coqueiro (1837-1910), Temístocles Aranha (1837-1887), Martinus Hoyer (1829-1881), Luis Antonio Vieira da Silva (1828-1889), José Ribeiro do Amaral (1853-1927), Teixeira Mendes (1855-1927), José Abranches de Moura (1861-1944), Jansen Muller (1862-1922), Justo Jansen Ferreira (1864-1930), João Francisco Gronwell (1865-1901), Antonio Roxoroiz de Belfort (1867-1917), Antônio Barbosa de Godois (1860-1923), Dunshes de Abranches de Moura (1867-1941), Antonio Lobo (1870-1916), José Domingues (1871-1946), Achilles Lisboa (1872-1951), Fran Paxeco (1874-1952), Antônio Lopes (1889-1950), Raimundo Lopes (1894-1941), sendo estes últimos classificados mais como autores do século XX, do que do século XIX.

Com efeito, na obra de alguns autores de séculos passados, encontramos bons relatos acerca da cidade de São Luís em tempos mais remotos, que, complementados com descrições mais recentes, nos permitiram construir uma boa trajetória da evolução social, política e econômica da cidade. São exemplos: “História do Comércio do Maranhão-1612/1895”, de Jerônimo de Viveiros; “Crônica Maranhense”, seleção de artigos de João Lisboa, de meados do século XIX; “ Dicionário Histórico-Geográfico da Província do Maranhão”, de César Marques, cuja primeira edição em 1870; “A Esfinge do Grajaú”, de Dunshes de Abranches , que narra os antecedentes e o clima político em que se fez a República no Maranhão, em especial no Alto Sertão ( 1888 ), sendo que os capítulos iniciais descrevem  o panorama cultural e político de São Luís, no fim do século XIX,  ou na obra “Viagem ao Norte do Brasil”, de Spix e Martius, que descreve a situação de São Luís entre o fim dos anos 10 e o começo dos anos 20 do século XIX. 

Em 16 de junho de 2017 este trabalho, agora em 2ª edição, completará 28 anos de vida como livro impresso e 29 anos de sua elaboração inicial como dissertação de mestrado ao programa de pós-graduação em História da Universidade Federal Fluminense – UFF, do Rio de Janeiro.

Estando durante o mês de janeiro e boa parte de fevereiro de 2017 debruçado (ou imerso?) em sua releitura, com vistas à sonhada reedição, graças ao programa editorial da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação, materializado na Biblioteca Básica Maranhense – BBI/SECTI, do Governo do Estado do Maranhão, saio do mergulho impressionado comigo mesmo, por saber-me autor de um conteúdo elaborado com imensa paixão intelectual, evidenciando as influências de uma época em que a produção oriunda da universidade era vista com muito respeito, responsabilidade e também como expectativa de ousadia no campo do saber.

Fez-me lembrar, vivamente, os tempos mágicos do Rio de Janeiro, entre 1984 e 1986, vivendo entre a Capital e Niterói; das travessias da Baia da Guanabara e da ilustração de professoras e professores do programa de pós-graduação em ciências humanas e sociais da UFF; passando ainda por curso especial na disciplina de ciência política, realizado no respeitado Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro – IUPERJ, da Universidade Cândido Mendes, localizado em Botafogo.

Fizeram-me lembrar também das amizades construídas com os colegas de cursos, cariocas e de outras paragens, quadros competentes e talentosos, que mais tarde se tornariam, muitos deles, referências em suas áreas de conhecimento. Com quanta gente fora do comum tive o privilégio de conviver! Sem esquecer o velho Pernambuco da Real Grandeza, filósofo de rua que me ensinava a ver tudo de cabeça para baixo.

Concluir o estudo a que nos propusemos foi um desafio muito grande. As pesquisas iniciais em São Luís para delinear o pré-projeto de investigação, a aprovação no processo de seleção, toda a fase de obtenção dos créditos acadêmicos, culminando com o inexorável momento da defesa do conteúdo para o credenciamento ao título do mestrado.

A volta ao passado, a partir da releitura da obra pronta e publicada há quase 30 anos, cotejada com o mundo atual em que vivemos, parafraseando o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, um mundo mais líquido que sólido, permitiram que criássemos um pano de fundo intelectual, mix de ciência e intuição, como balizador das modificações e acréscimos feitos ao texto original, pequeníssimos, por sinal.

Preferimos, na verdade, manter a integridade da obra, revendo e redistribuindo alguns conteúdos, sem prejudicar o que ela tem de mais característico: o esforço de edificação de uma arqueologia societária em que se ensina e se aprende muito mais a partir dos registros feitos, que de acréscimos imaginados novos, só porque elaborados em tempos referidos ao aqui-agora.

Cremos que a grande aceitação da obra original, presente na 1ª edição do livro, se deveu a este formato. O trabalho foi composto e apresentado de um modo tal, combinando trabalho artesanal e trabalho científico, onde o leitor pode dialogar com conteúdos que o ajudam, tanto no manejo das normas metodológicas da academia, como na disponibilidade de um sistema de investigação compreensível e didático, valorizando a ousadia de pensar e organizar o saber construído.

Além disso, a obra destaca a importância e, ao mesmo tempo, a complexidade de um “constructu” teórico envolvendo expressões como democracia-cidadania-público-privado-coisa pública, como utopias não concretizadas desde muito tempo e, ao mesmo tempo, ainda hoje, muito difíceis de se concretizarem na vida social brasileira e em outros países.

Aproveitamos, com efeito, para relembrar que o interesse pelo tema derivou, sobretudo, dos apelos filosóficos e históricos de um contexto nacional saído do imediato pós-regime militar, no qual, a construção da democracia era sinônimo de um novo conceito de revolução, que se potencializa pelo reconhecimento e peso estratégico da cidadania ativa. O brilho intelectual de Victor Valla e o prestígio acadêmico do mestrado da UFF ajudaram a combinar metodologia científica e intuição militante, levando o autor a encarar o desafio do tema de estudo.

O trabalho que nos retorna agora, materializado em uma 2ª edição para continuar suas provocações, possui, portanto, muitas estórias para contar e, ao que parece, pela aceitação que teve, também fez história, tanto em nossa província, como em outras geografias do país, pelos bons números do seu desempenho como fonte de consulta em várias produções intelectuais vinculadas ao seu campo temático.

Assim, tudo leva a crer, foi aprovado o esforço do autor de encarar as dificuldades metodológicas de se recortar um universo de pesquisa amplo, sintetizado na análise da “produção da coisa pública”, em um contexto mais que secular em seus movimentos instituintes, antes e durante o recorte temporal sob investigação.

Com efeito, as dificuldades em trabalhar, historicamente, recortes temporais longos, sempre foram constatadas no âmbito da pesquisa social. Tomando-se o período 1889-1930, são 41 anos de longitudes que não permitem cortes cirúrgicos, precisos, milimétricos, mas, no máximo, induzem a um recorte na atmosfera que transversaliza o contexto, o que, diga-se também, representa um engenho e uma arte não menos complexa. Afinal, o que desafiou e continua instigando é a questão da “coisa pública”, da democracia, da cidadania como dilemas que envolvem a necessidade de existirem nas relações sociais, seja como realidade factual, seja como aspiração utópica.

Como vimos nas Conclusões, a “produção da coisa pública” obedeceu a critérios políticos e econômico-mercantis. Os critérios sociais foram sempre secundários, o que engendrou uma concepção de coisa pública identificada fortemente com as camadas de maior poder econômico e político.

A adoção deste critério restringiu o acesso das camadas populares àqueles serviços, em razão do processo de concentração espacial, permanecendo como traço marcante daquela sociedade. Este tipo de comportamento esteve condicionado pela situação de predomínio do poder oligárquico e das atividades agroexportadoras, fonte primária da natureza concentracionista do poder econômico e do poder político.

Vimos, também, que a concepção de cidadania que informou a produção da “coisa pública” foi sempre patrimonialista. Ela só assumiu eventualmente a aparência da cidadania democrática quando possibilitou ao Estado atingir objetivos econômicos e políticos imediatos.

O controle do Estado pelo poder oligárquico favoreceu esta situação, fato que imprimiu o caráter duradouro desta concepção, diferentemente do que ocorreu nos grandes centros urbanos do país, onde o reconhecimento da cidadania foi influenciado pelos movimentos sociais e pela ascensão do poder burguês industrial em formação ao aparato estatal.

Não se compatibilizava com este formato político, portanto, a desobstrução plena da cidadania social, através do consumo coletivo universalizado de serviços básicos, porquanto seria mais rentável a aplicação dos recursos disponíveis em atividades voltadas ao fortalecimento da burocracia institucional, com ênfase nas atividades de repressão e de segurança, onde o Estado pudesse se beneficiar e se proteger.

A repercussão maior da produção e da expansão dos serviços básicos no desenvolvimento urbano da cidade foi o de ter acelerado o processo de segregação espacial e de suburbanização, uma vez que o critério dominante a presidi-los foi o de “valorização” das áreas centrais, provocando o deslocamento das camadas populares, ou dos subcidadãos, para as áreas mais afastadas dos núcleos urbanizados.

Com efeito, a pressão da população a favor da ampliação da cidadania social foi inexpressiva e ocorreu tardiamente, tendo início as primeiras manifestações, e mais intensas, no princípio dos anos 1920, quando a insatisfação popular cresceu face à deficiência e precariedade dos serviços básicos estudados na investigação.

Isto, contudo, não modificou o caráter “antecipatório” da ação do Estado em relação à oferta desses serviços, ainda que em áreas habitadas pelas elites sociais e econômicas, traço característico de todo o período histórico observado. Esta especificidade teve sua razão de ser na própria lógica da cidadania patrimonial, segundo a qual a oferta de serviços obedece sobretudo a critérios econômicos, políticos e de classe social.

Revividas quase 30 anos depois de formuladas, as ideias aqui reunidas no estudo sobre o tema da “produção da coisa pública” ainda continuam sendo um “turvo conúbio”, ou seja, continuam sendo dois termos imprecisos que, casados, ficam mais difíceis de conceituar.

A produção variada e crescente de dados e de evidências sobre a matéria, todavia, têm contribuindo para revelar as extremas dificuldades, ainda existentes, de acesso aos serviços de consumo coletivo de forma democrática, isto é, para todos os cidadãos, não só no Brasil, mas também em vários outros países.

Examinando-se a célebre expressão, acima referida, de Jürgen Habermas, destacada na 1ª edição, vê-se, no contexto atual, cada vez mais, o fenômeno da democracia se transmudando de “aspiração utópica” em evidenciação de distopias sociais, pois, em última análise, se entendermos a “produção da coisa pública” como sinônimo de “produção da democracia”, verifica-se que se trata de uma aspiração cada vez mais incompatível com o modelo de desenvolvimento das sociedades capitalistas avançadas, sem falar no âmbito das economias emergentes ou em desenvolvimento.

Vivemos, indiscutivelmente, em plena era de decadência democrática, sobejamente demonstrado por autores contemporâneos respeitados, como Manuel Castells e Boaventura Santos, e, por esta razão, os estudos sobre este fenômeno no passado, como este nosso pretensioso mergulho provincial,  podem contribuir para reforçar ou iluminar explicações contemporâneas, como a de Santos, que afirma, com toda propriedade, a incompatibilidade da produção da democracia em realidades como a nossa, nas quais predominam o que chama de os três modos de dominação de classe hegemônicos, no caso, o capitalismo, o colonialismo e o patriarcado. Para Boaventura o caminho é deixar que emerja uma nova matriz social e política que leve ao estágio da democracia sem fim.

No mesmo diapasão, como tem demonstrado Castells, a “produção” da sociedade democrática passará pelo reconhecimento da força do chamado “impensável político”, fenômeno da atualidade, decorrente do papel cada vez mais presente das redes sociais na dinâmica da política e da sociedade em geral, por manejarem, de maneira instantânea e eficaz, funcionalidades como informações, diálogos, lutas e acordos. Sem deixar de destacar que o fenômeno decorre também e fortemente da “erosão” do modelo de democracia representativa adotada em vários países e da falência dos partidos políticos tradicionais, cada vez mais incapazes de intermediar interesses sociais em disputa.

Muitos traduzem a democracia como “convívio civilizado dos contrários”, em que se busca atingir novas formas de sociabilidade, nas quais sejam possíveis a construção de equilíbrios sustentáveis envolvendo as dimensões política, social e econômica, até hoje um processo não efetivado em termos históricos, uma vez que a democracia econômica tem sido uma impossibilidade na ordem mundial contemporânea.

Desse fato decorre a necessidade de reorganização do poder estatal, na direção de um novo desenvolvimento, que produza e se alimente da democracia, sendo indispensável para isso garantir o equilíbrio entre as três dimensões citadas, promovendo a conquista da democracia sem fim.

Nos últimos anos, com efeito, tem-se visto a predominância de um sistema social em que a dimensão econômica não se democratizou, ficando seus agentes e forças produtivas inacessíveis para um novo projeto de sociedade focado no equilíbrio entre produção e distribuição da riqueza, ou entre capital e trabalho.

Neste pequeno ensaio, à guisa de Posfácio, ao desafio de se produzir a coisa pública, gostaríamos de enfatizar que temos defendido a importância de se incrementar a produção de ideias, principalmente daquelas carregadas de inovação, além de contextualizadas e referidas a desafios recorrentes. Sem um esforço de imaginação, que se inicie nos municípios, no local e se propague em todos os canais de expressão societal, não teremos como enfrentar os desafios, que jamais desaparecerão da vida como ela é, pois jamais deixarão de ser produzidos.

Perdemos o interesse em incentivar o campo das ideias-força, aquelas que potencializam as crenças e aspirações das coletividades e que são fundamentais para alavancar novas iniciativas, capazes de promover o desenvolvimento ampliado e democrático.

O Estado, não só no Brasil, mas no mundo todo, por seu turno, deveria estar preparado para liderar e apoiar as novas ideias e os novos ideais sociais, pois tem perdido, cada vez mais, o vigor e a capacidade exigidos, permanecendo incapaz de reagir aos desafios colocadas pelos contextos complexos do mudo atual, dentre outras razões, pela escassez de ideias próprias e novas.

Os aparelhos estatais não se planejam mais porque ficaram desacreditados, por não terem tido capacidade de superação dos desafios. Assim, as políticas públicas, que seriam os instrumentos para operar as mudanças exigidas pelo meio ambiente social e físico, se transformam em políticas de efeito midiático, perdendo-se do seu verdadeiro caminho.

Em tais contextos, longe de estimularem e apoiarem o controle social sobre as políticas públicas, os governantes no poder do trono, recorrem às várias formas de cooptação, atingindo de morte a força interna do capital social das comunidades e dos territórios, sobressaindo-se apenas as evidências do monopólio da violência e do autoritarismo.

Este pano de fundo interpretativo, apaixonado como foi o de trinta anos atrás, nos conduz a pensar que a “produção da coisa pública”, metamorfoseada em “produção da democracia”, nos tempos modernos, nos remete a pensar no emergir de uma era pós-utópica.

Isto posto, em última instância, não podemos aceitar o ponto de vista segundo o qual estamos no centro de uma realidade social insolúvel.


Mesmo reconhecendo que demoramos mais do que o necessário para enfrentar e resolver os desafios já cristalizados, como o da democracia para todos, precisamos evoluir do predomínio do nada feito, para um estágio do enfrentamento em que as distopias não anulem a possibilidade da construção democrática sem fim.