sábado, 9 de maio de 2009

O IMESC E A CARTA DO IPEI

por Raimundo Palhano, ex-presidente do Imesc

No Maranhão, como sabemos bem, o poder oligárquico de tão forte que é chega a ser agressivo. Não há prova mais eloqüente do que os episódios recentes que interromperam antes de terminar um governo legitimamente eleito pelo povo. Na cabeça do brasileiro uma família controla tudo na taba timbira.

Aqui o futuro das instituições e das pessoas depende muito do fator político. Somos ainda uma sociedade sem autonomia de vontades. Se formos na direção do interior do Estado, sem nenhum preconceito com os seus moradores, onde o controle da vida política é mais forte ainda, a coisa assume proporções tenebrosas.

Esse tipo de sociedade produz anomalias no tecido social. Tudo passa a girar em função dos políticos. Como em sua grande maioria são herdeiros e praticantes de um regime que desvia o olhar do interesse coletivo, só o fazendo em suas peças publicitárias, a tendência à desconstrução e inoperância do Estado é óbvia.

Em geral o quadro maranhense se caracteriza pela prevalência de relações promíscuas entre políticas de governo e políticas de estado. O governo Jackson Lago investiu no fim dessa anomalia e foi apeado do trono. Como participei ativamente do aludido governo, atuando no sistema de planejamento liderado por Aziz Santos, posso afirmar que um dos maiores feitos do governo Lago foi o de buscar o revigoramento do poder do estado pela participação popular, pois entendia-se ser este o meio mais rápido e consistente para neutralizar a hegemonia oligárquica, invertendo finalmente a lógica política em que os interesses privados se sobrepunham aos interesses públicos.

Tenho dúvidas se a população chegou a perceber isso. Não sei também se todos os integrantes do governo assimilaram a estratégia. O tempo de governo foi muito curto e não nos comunicamos com eficiência plena. Mas não é essa a questão que pretendo levantar. Voltará com certeza, pois se trata realmente do tema focal do governo cassado injustamente.

Pretendo nesse momento chamar a atenção para um dos feitos do governo deposto. Trata-se do Imesc, o Instituto Maranhense de Estudos Socioeconômicos e Cartográficos, o qual tive a honra de presidir.

Vejo com preocupação a demora com que o atual governo enfrenta a continuidade administrativa e técnica do Instituto. Estamos próximos do seu primeiro mês de atividades e nenhum sinal claro sobre a continuidade do órgão se evidencia. Gastão Vieira, deputado federal, que se orgulha dos tempos de CNPq, será o novo secretário de planejamento e deu sinais de que não pretende interromper a trajetória do órgão. Só isso não basta. É preciso saber o que pensa o núcleo político central do governo roseanista.

Quando assumi o Imesc o órgão não existia de fato, só no papel. Era um projeto escondido em um decreto governamental sumaríssimo. Do quadro técnico disponível mal existia o Sadick Nahuz, que, carregando entre os braços seus números do PIB, vagueava entre os corredores de uma Secretaria de Planejamento que há décadas havia relegado ao esquecimento os antigos órgãos de pesquisa aplicada do Estado.

Órgãos memoráveis, como o Ipei, a Fipes e o Ipes, que, de tão eficientes que eram, chegaram a ser referência no norte e nordeste do Brasil nos anos 1970. Venho dessa escola. Meu primeiro trabalho no Estado foi no Ipei, onde iniciei coordenando a área de estudos conjunturais. Sua respeitabilidade podia ser comprovada pelo grande número de convênios com congêneres nacionais e até internacionais, como o Celade, órgão da Cepal/Onu voltado a estudos e pesquisas demográficas. Tínhamos cooperação técnica com instituições consagradas, como o Museu Nacional e a Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Foram necessários dez anos de trabalho duro e fecundo. Muitos departamentos da Universidade Federal foram supridos com quadros originários do Ipei-Fipes-Ipes. Tudo começou a mudar a partir de inícios dos anos 1980, motivado principalmente pelo recuo do apoio governamental. Cabeças pensantes em demasia reunidas sob um mesmo teto.

Em 17 de novembro de 1983 os funcionários do Ipes redigem e encaminham para o governo de então a “Carta do Ipes”, numa tentativa desesperada de sensibilizar as autoridades sobre os prejuízos que acarretariam ao Estado a descontinuidade do órgão. Temiam o seu fim face à baixa disponibilidade de recursos para mantê-lo operando e realizando sua missão institucional.

Abriam o programa institucional que se propunham realizar com a recomendação do conselheiro Nabuco de Araújo: “Legitimai-vos pelas idéias”. Prosseguiam: “Nosso esforço, que, por definição, não tem compromisso com a crítica pequena e dirigida, pretende substantivar, ao mínimo que seja, um repertório de alternativas institucionais que permita ao Ipei, nesta difícil conjuntura estadual e nacional, uma transição estável, visando a superação das dificuldades inscritas no momento presente da sociedade brasileira”.

Ao fim da exposição de suas idéias sobre a programação do Ipei para enfrentar a crise e evitar a sua derrocada, assim terminam a “Carta”: “Somos, moralmente, co-responsáveis pelas Instituições, no seu dia-a-dia e no seu destino. Temos a convicção comunitária, ensinada por João Lisboa, de que a coisa pública não é compatível com o facciosismo e o clientelismo; com o casuísmo e o discricionarismo. Confiantes de que o futuro do Ipei não será nunca tratado segundo aquilo que João Lisboa condenava, nós, livremente, acordamos que assim jamais o trataremos, seja agora, seja amanhã, desde que acreditamos poder agir na e pela dimensão institucional. Com a força ética de um compromisso, firmado e reconhecido...”, vindo em seguida data já mencionada e as assinaturas de Ivanilson Veloso Soares, João Evangelista da Costa Filho, José Augusto dos Reis, José Rossini Campos Corrêa, Mário Bastos Pereira Rego e a deste que redige, como signatários principais, seguindo-se várias folhas assinadas pelos demais funcionários.

Aceitei coordenar os trabalhos do Imesc porque sabia que iria encontrar antigos náufragos e porque acredito na força da renovação de quadros profissionais. O Imesc se instituiu em tão pouco tempo porque a fórmula estava correta. Estávamos em pleno processo de constituição de uma verdadeira comunidade ampliada de pesquisa, lugar em que o trabalho se expande mais pela troca de experiências e saberes do que pela força da burocracia. Comunidade sonhada como espaço de convivência criativa e respeitosa de gerações distintas, mesmo que eventualmente tivessem que trilhar os caminhos tortuosos de embates de toda ordem.

Está aí o órgão nas mãos do povo. Possui endereço, deixou de ser papel sem vida, tem um dos mais atualizados laboratórios de cartografia e geociências, acaba de colocar em seu site um banco de dados avançado, aspiração jamais concretizada no passado e uma volumosa produção técnica sobre o Maranhão, aberta à população e às instituições.

São quase 50 servidores, entre administrativos e técnicos que passaram por intenso processo de capacitação em serviço, aprendendo e ensinando o tempo todo, que não podem ser deixados no abandono.

Não se trata de obra solitária. Sempre disse que no Imesc não passei de um colaborador. Na área de pesquisa Hiroshi Matsumoto foi mais que um diretor. Foi verdadeiramente um mestre para as novas gerações de colaboradores e um conselheiro respeitável para os representantes das gerações mais maduras. Poderia citar mais nomes, pois o envolvimento de todos foi notável. Fico por aqui.

Espero que os novos gestores da Seplan não nos decepcionem. Garantir a continuidade e o desenvolvimento cada vez maior do Imesc deve ser visto na sua exata dimensão: trata-se de uma política de Estado manter o Imesc vivo.

A “Carta do Ipes” não pode mais ser reeditada. Tenham juízo.