quarta-feira, 29 de setembro de 2010

MIRANTE DO DEBATE

por Raimundo Palhano

Confesso que valeu a pena assistir ao debate promovido pela televisão Mirante/Rede Globo com os cinco mais fortes candidatos ao governo do Estado do Maranhão.

O cenário desolador da atual campanha política no Maranhão, marcada de forma grotesca pelo flagrante abuso de poder das oligarquias, pelo baixo nível dos candidatos, pelo hereditarismo na oferta de candidaturas e pelas afrontas à democracia e à esfera política, indicavam um final melancólico para o referido processo eleitoral.

Grata foi a surpresa da noite de ontem, ao brindar o eleitorado maranhense, tão espezinhado pelos políticos profissionais, com um debate televisivo corajoso e provocador, quando os candidatos apresentaram de forma lúcida as suas propostas para tirar o Maranhão do extravio.

Pudemos assistir a um Marcos Silva sereno e amadurecido, com amplo domínio dos indicadores sociais e econômicos maranhenses, argumentando de forma irrefutável sobre as causas que levaram o Maranhão a aprofundar suas desigualdades e ao mesmo tempo apresentando propostas para mudar radicalmente o atual modelo de governo, segundo ele ( e muitos de nós) principal responsável pelo quadro de pobreza que atinge a maioria do povo deste Estado.

Viu-se o desempenho surpreendente do jovem candidato Saulo Arcangeli, com certeza um quadro promissor para a carcomida política maranhense, exuberante em seus arroubos revolucionários e na crítica direta aos erros cruciais cometidos pela oligarquia no presente e no passado. Não é relevante agora criticá-lo pelo erro estratégico de ter mirado sua artilharia em todas as direções, inclusive em alvos equivocados, pois o destemor e a coragem com que se posicionou no evento deram a ele um peso marcante no processo de evidenciar as fortalezas e os artificialismos de cada um e cada uma dos candidatos participantes.

Flávio Dino mostrou-se mais sereno e despojado de certos ares que davam a ele, em ocasiões semelhantes, uma atmosfera de arrogância e superioridade intelectual, potencializando ao máximo sua capacidade reconhecida de lidar bem com o discurso e com as idéias. A forma dura e direta com que criticou o governo no trono denota o emergir de um ator mais ousado em sua crítica aos donos do poder no Maranhão, o que era insistentemente cobrado por setores da oposição. Ao superar posicionamentos públicos anteriores, nos quais afirmava que dar nomes aos oligarcas não era importante e sim combater as práticas oligárquicas, no debate Dino se superou e deu, com toda a ênfase, os nomes dos que comandam a oligarquia maranhenses.

E por último, que beleza reencontrar o missionário Dr. Jackson Lago, profeta calejado pelas lutas para libertar este Estado, ali firme e decidido, coração e mente pulsando fortes, oferecendo-se generosamente, mais uma vez, ao povo deste Estado para concluir a sua obra injustamente interrompida, vítima que foi de um golpe pela via judicial, condenado por um crime que hoje, pela intensidade com que é praticado aqui e no país, não deixa dúvida sobre a sua brutalidade.

Claro que o debate entre os postulantes ao governo não se limitou apenas ao que esta sendo apreciado. Procurei ater-me ao que considero relevante para o bem comum do povo maranhense e para o nosso desenvolvimento social e político.

Julgo firmemente que o debate televisivo deste final de campanha, a despeito dos céticos, dos pessimistas, das limitações dos candidatos, da falta de substância em muitas questões e da rigidez das suas regras, pela primeira vez, deixou explícita, com base na veemência analítica dos quatro candidatos, o apodrecimento e a repulsa ao sistema de poder que governa o Estado, comprovado pelo gigantismo sem precedentes da campanha eleitoral desses grupos, que buscam desesperadamente continuar dominando a política maranhense.

Por fim, para que o debate realmente venha a ser esse marco divisor na história política deste Estado, dependerá dos eleitores maranhenses, que farão as suas escolhas no próximo dia 3 de outubro. O debate em si, obviamente, não terá força suficiente para definir o resultado das eleições. Deve ser visto como expressão do amadurecimento da vontade coletiva de mudar o Maranhão, o seu sistema político, promover a alternância de poder, romper com métodos atrasados e condenáveis de gestão pública. Claro que tudo isso não é fácil de ocorrer e muito menos de fazer de uma hora para outra.

Não tenho a menor dúvida, todavia, de que o debate contribuiu para engrossar a marcha dos inconformados, que deverão caminhar unidos empunhando a bandeira da libertação do nosso Estado. Disposição esta, aliás, muito bem sinalizada pelas lideranças políticas que enriqueceram o debate na televisão.

domingo, 12 de setembro de 2010

MARANHÃO DEMOCRÁTICO

por Raimundo Palhano

Esta é a primeira das doze macro-diretrizes do novo plano de desenvolvimento para o Maranhão do candidato Jackson Lago ao governo estadual, que teve o seu mandato interrompido em abril de 2009 por força de um golpe judicial, arquitetado pela oligarquia e grupos de interesse que em torno dela gravitam.

Retomar o governo tendo como premissa essencial a democratização da sociedade maranhense, em todas as sua esferas, é uma conquista inadiável, mesmo se sabendo tratar-se de uma opção extremamente ousada, pois voltada ao enfrentamento do maior dos desafios políticos do Maranhão: reacender na população a crença em futuro no qual a equidade seja possível e a convicção de que o fundamento concreto da política deverá ser a conquista do bem comum do povo.

Democracia e república continuam sendo miragens no contexto social e político maranhense. No Brasil a república foi implantada de modo artificial, vinda de um sistema imperial centralista, o qual produziu um federalismo surrealista, flagrantemente centrífugo. No torrão maranhense a construção democrática e da república nem artificialmente se instituíram, pois os institutos formais de suas existências continuam letras mortas, sepultadas em sarcófagos de barro, enterrados em palácios e castelos medievais.

Como agir, estando no comando de um governo democrático, para que a sociedade inclusiva volte a acreditar na sua força e na sua capacidade de romper todos os grilhões e amarras que, por anos a fio, comprometeram sua liberdade e seus sonhos? Como criar uma nova mística social, em contextos como o maranhense, determinados por falsas verdades, na qual o povo acredite e sinta verdadeiramente que valerá a pena ter amanhecido?

Enquanto obra da filosofia e da engenharia política, a democracia continua sendo a mais desafiadora das utopias humanas, principalmente na era atual, marcada pela quebra de paradigmas e princípios que valorizavam a vida social e o sistema político.
Permanece atual porque lida com uma das questões mais difíceis, que é justamente como tornar real as crenças democráticas que informam a idéia de justiça, equidade e bem comum do povo, pilares da idéia republicana.

Olhando-se atualmente o trono, a espada e o altar, para não falar da cornucópia, vê-se o quanto são impermeáveis à vivenciação democrática, permanecendo ainda, cada um com suas latitudes e especificidades, bem distantes da interferência direta da grande maioria da população.

A presença da democracia no contexto maranhense ainda representa uma aspiração distante. É o Estado brasileiro que está no extravio há muito tempo. O próprio nome Maranhão em si mesmo já é insólito. Foi dado à capitania de João de Barros e Fernão Álvares de Andrade, iniciada no século XVII. César Marques afirmava que provinha de um nome indígena e significa brigar e correr. “Uma briga das águas correndo”. O arguto e provocador Antonio Vieira preferiu traduzir o termo como falsificação, uma grande mentira, sobretudo influenciado pelo que presenciou na vida social e política da colônia, durante o período em que aqui esteve.

O certo é que o torrão padece de uma espécie de síndrome do atraso, a ponto de ainda hoje continuar sob o manto de donatários, a despeito dos avanços materiais e da modernização induzida pelo movimento de expansão capitalista em seu território. Se no Brasil a supremacia da Constituição é fracamente reconhecida e a soberania popular muito menos ainda, no Maranhão são termos inexistentes na linha do tempo.

Vive-se ainda uma espécie de era das trevas neo-medieval, na qual se misturam formas feudais de organização política, pré-capitalistas de produção, imperiais e plutocráticas de governo, sob o domínio de um sistema oligárquico travestido de modernizador e salvacionista, que se reproduz pelas vinculações orgânicas com os grupos políticos dominantes no país e com os grandes projetos econômicos do moderno capitalismo brasileiro e internacional. A atual campanha eleitoral, que se assiste diariamente nos municípios, na capital e na mídia, é a prova mais eloqüente deste quadro de absurdos inimagináveis.

A realidade internacional aponta que há uma nova situação em curso em que o poder de fazer a política escapa cada vez mais dos políticos, da cidadania e do Estado. Quem faz a grande política hoje são as empresas, sobretudo as empresas grandes, as que atuam no mundo globalizado. O poder oligárquico é forte e duradouro no Maranhão porque sempre permaneceu atrelado aos grupos de interesse dominantes no país, os quais não se insurgem contra as determinações desta nova ordem de coisas.

Por estes motivos o Maranhão tem sido caricatura e esqueleto de formas e conteúdos produzidos em porões de laboratórios que impõem sobre este contexto modos de vida e modos de ser que não mudam qualitativamente a realidade social e humana.

A continuidade desta trama é garantida pela presença de um poder público que engendra políticas públicas em favor dos grupos de interesse aliados seus, colocando em último plano aquelas que poderiam realmente libertar o povo das carências e necessidades básicas.

O descaso histórico com a política de educação pública, sempre em situação crítica de desempenho, reforça a estratégia de dominação. Florestan Fernandes dizia que feita a revolução nas escolas, mais fácil seria fazê-la nas ruas.

Para a democratização da sociedade brasileira, e da maranhense em particular, o Estado é indispensável. O grande Saramago, um dos mais brilhantes homens da cultura lusófona, dizia, em tom jocoso e, ao mesmo tempo, profundamente sério que tudo se discute neste mundo. Só uma coisa, dizia, não se discute para valer: a democracia.

No Maranhão, pode-se dizer, nos últimos cinqüenta anos, um dos raros políticos que não só discutiu, mas levou a sério a democracia foi Jackson Lago, tanto em suas três gestões à frente da Prefeitura Municipal de São Luís, como durante o período do governo interrompido, quando chefe do executivo estadual.

Ficará para a história do povo maranhense a experiência interrompida dos fóruns do governo com a sociedade civil e movimentos sociais. Em tais ocasiões, o comandante do governo, completamente despojado de seus aparatos institucionais, se colocava como parceiro dos movimentos sociais das várias regiões maranhenses para diagnosticarem e programarem ações voltadas à melhoria das condições e da qualidade de vida do povo.

A estratégia de construção do Maranhão Democrático como política pública de estado fundamenta-se no fortalecimento e ampliação dos mecanismos de democracia direta e participativa; no fortalecimento e aperfeiçoamento da democracia representativa e na reestruturação dos órgãos e instituições do Estado para o desenvolvimento sustentável e em escala humana.

O maior dos crimes perpetrado no Brasil, sem a menor dúvida, foi o instituto da escravidão. No Maranhão a grande maioria do povo ainda permanece escravizada, pois privada de condições materiais de sobrevivência dignas e, sobretudo do maior de todos os bens: a liberdade de sonhar e realizar uma vida plena. Pena que o processo eleitoral aí instalado se baseie na substituição da política pelo circo, tornando mais difícil retirar as vendas que impedem o povo de enxergar com clareza as forças que lutam a seu favor, daquelas que querem o seu eterno cativeiro.