sexta-feira, 31 de agosto de 2012

SABBAS DA COSTA E AS CIRCUNSTÂNCIAS DA HISTÓRIA SOCIAL DO MARANHÃO


(Proferido por Raimundo Palhano, titular da Cadeira 39,
ao tomar posse no IHGM, em 27/08/2012)

ABERTURA. A cerimônia inaugural solicita do novo sócio, em seu discurso de posse, pelo menos a evidenciação de dois requisitos básicos: realizar, com o melhor dos fôlegos, o elogio ao Patrono, cuja cadeira ocupará ao ser empossado; e explicitar o seu agradecimento pela distinção, na forma de como pretende colaborar para o desenvolvimento do Sodalício.
  
Para atender a tais requisitos é necessário perscrutar a vida e a obra do Patrono, no caso Francisco Gaudêncio Sabbas da Costa, de preferência nas suas mais variadas latitudes e circunstâncias humanas, dentro dos limites inerentes a uma solenidade de posse acadêmica.

Proclamo, de imediato, a minha alegria, desvanecimento e honra de passar a integrar o IHGM. Unir-se a uma Agremiação que fará em 20 de novembro próximo 87 anos de existência reconhecida na história cultural maranhense é uma honra muito grande, sobretudo pelo expressivo repertório de feitos em favor do conhecimento científico, nos campos da História e da Geografia do Maranhão.

Em seu Estatuto estão presentes os compromissos com a Memória e com a História do Maranhão e do País. No primeiro plano, a guarda de acervos documentais, a preservação do patrimônio histórico e cultural e a divulgação do esforço feito pelo Instituto para o cumprimento de sua missão. No segundo, o lugar da História, expresso nos desafios de conhecer e traduzir a dinâmica da formação social maranhense, suas especificidades, peculiaridades e complexidades desafiadoras.

A CONTRIBUIÇÃO INTELECTUAL DE SABBAS DA COSTA. O elogio ao Patrono procurarei fazê-lo de forma refletida, sobretudo empenhado em estabelecer um diálogo respeitoso e crítico com o legado deixado como herança por Francisco Gaudêncio Sabbas da Costa, pouco conhecido das gerações atuais, patrono da Cadeira 39, que agora, com muita honra e responsabilidade, passo a ocupar.

Motiva-me, sobretudo o desejo de situar historicamente a sua contribuição intelectual no contexto maranhense e, em especial, a sua relevância intrínseca, nas dimensões em que teve atuação destacada, principalmente no jornalismo e na literatura, nesta última atuando como cronista, romancista, dramaturgo e crítico teatral.

Nascido em São Luís, no dia 25 de novembro do ano de 1829, e aqui falecido, em outubro de 1874, o escritor não teve vida longa, tendo perecido ainda jovem, aos 45 anos.

Sobre a sua genealogia e biografia pessoal apresento um rápido perfil, começando pelo fato conhecido de ter desposado a soprano italiana Margarida Pinelli Sachero, prima-donna da Companhia Lírica Marinangelli, da Itália. Nessa época, meados do século XIX, vinham da Europa para São Luís muitas companhias líricas, óperas, entre outras, com seus sopranos, prima-donnas e barítonos. Margarida era casada com Melchior Sachero, tenor italiano que faleceu em Belém, vítima de febre amarela, após temporada em São Luís, cidade onde Margarida conhecera Sabbas e fizera amizades, vindo então ali se radicar em decorrência do matrimônio com o teatrólogo maranhense.

Sabe-se pouco sobre a trajetória profissional de Sabbas da Costa, além de suas atividades artísticas nas áreas da literatura e do jornalismo. Outro fato conhecido é que foi conferente nas Alfândegas de São Luís e Belém e que pertencera ao tronco familiar do português João Gualberto da Costa, conforme César Marques.

Nascido em Lisboa em 1793, de ascendência nobre, João Gualberto instalou a primeira fábrica a vapor, de beneficiar arroz, no Maranhão, em 1817, denominada Feliz Empresa. Gualberto é considerado o primeiro industrial “adiantado” do Maranhão. Em 1848 o seu irmão Francisco Gaudêncio da Costa entra para sócio do empreendimento.

Outra atividade de Sabbas da Costa, no campo empresarial, refere-se à sua participação em Exposições mercantis. É conhecido o fato de o Maranhão ter se destacado na realização de Exposições. As primeiras Exposições Universais foram as de Londres(1851 e 1862) e Paris(1855 e 1867). A Exposição do Maranhão realizou-se em 1871, denominada Festa Popular do Trabalho. O Patrono figura como um dos promotores da Exposição maranhense. A primeira Exposição Nacional só viria a acontecer em 1896.

Sabbas integrou o primeiro Grupo Maranhense, cujo recorte temporal correspondeu ao período de 1832-1868, tendo o Romantismo como princípio estético. Dele fizeram parte os principais ícones da nova elite cultural local: Gonçalves Dias, Odorico Mendes, João Lisboa, Sotero dos Reis, Trajano Galvão, Belarmino de Matos, Sousândrade, Gentil Braga, Gomes de Sousa, Henriques Leal, César Marques, Candido Mendes, entre outros.

Os Grupos iniciais tinham como características o fato de boa parte de seus representantes terem estudado fora. No país; em Salvador, Recife e Olinda e, na Europa; especialmente, em Lisboa, Coimbra, Paris e Londres, por isso tendo também, por bom tempo, os referidos representantes morado fora da Província.

Fez parte, como posto em evidência, do mais expressivo ciclo literário e cultural do Maranhão, responsável pela constituição de uma plêiade de homens de letras e intelectuais sem similar em sua história social, independentemente do valor que se possa atribuir ao legado deixado como herança.

Levantamentos, ainda incompletos, sobre a produção intelectual de Sabbas da Costa revelam as seguintes obras, tidas como as principais de sua lavra: (1)Francisco II ou a Liberdade na Itália, drama em 5 atos, 1861(1881); (2)Pedro V ou o Moço Velho, drama em 5 atos, 1862; (3)A Buena-Dicha, comédia em 2 atos, prólogo e epílogo, 1862; (4)O Escritor Público, comédia em 1 ato, 1862; (5)Garibaldi ou o seu Primeiro Amor(6)O Barão de Oyapock, drama em 3 atos e prólogo, 1863; (7)Beckman, drama histórico em 7 atos, 1866; (8)Anjo do Mal, drama, 1867; (9)Os Bacharéis, comédia em 3 atos, 1870; (10)O Amor Fatal, (11)Rosina, romance; (12)Revolta, romance histórico; (13)Os Amigos, romance, em 25 capítulos; (14)Jovita, novela, em 3 capítulos; (15)Jacy A Lenda Maranhense, esboço de romance, em 14 capítulos.

Outras obras publicadas em jornais da época também podem ser destacadas: (a)O Encontro; (b)Teatro de São Luís; (c)Como Nasce o Amor; (d)Simão Oceano; (e)A Madrugada; (f)Maria do Coração de Jesus; (g)O Baile; (h)O Dote; (i)O Adeus; (j)Não Brinques; (k)Sinfrônio; (l)O Homem do Mal; e (m)Encontro de Ronda com a Justiça; entre as que foram possível mapear.

A produção literária de sua autoria mais conhecida destaca as obras Jacy, a respeito do extermínio de índios e suas lutas contra os opressores, principalmente os proprietários rurais; o romance Jovita, sobre uma jovem cearense que se inscreve no antigo Batalhão dos Voluntários do Piauí; o romance Os Amigos, que alguns também classificam como crônicas, nas quais aborda a situação do comércio, das casas de alimentação, suas leituras preferidas e aspectos da vida cultural maranhense.

O drama Francisco II foi impresso em 1861, pela Tipografia Frias, uma das mais importantes da Província. Já no ano seguinte, Sabbas publica o drama D. Pedro V ou o Moço Velho. Em seguida, edita também duas outras obras, as comédias Escritor Público e A Buena-Dicha.

Alguns anos depois, a Tipografia de Belarmino de Matos imprime duas de sua peças, no caso Barão do Oyapock e Garibaldi ou o seu Primeiro Amor. Barão do Oyapock trata dos conflitos de um homem de baixa condição social, que enriquece graças a um assassinato, roubos e outros crimes. Conseguiu ascender posições na escala social sem, contudo, introjetar em seu caráter sentimentos superiores. O seu filho, em razão disso, vivia em permanente tormento. Toda a ação gira em torno de um juiz corrupto e de um escravo revoltado que consegue envenenar o Barão. Os detalhes da descrição dos fatos levaram a critica da época, em tom irônico, a lamentar que o Autor não se tivesse filiado à escola Realista, então muito em evidência, dada a crueza da narrativa.

Foi colaborador em A Casca da Caneleira, figurando, sob o pseudônimo de Golodron de Bivac, como um dos onze autores da obra, em 13 capítulos, todos os autores vinculados à escola Romântica, que também recorreram a pseudônimos. Trata-se de uma novela coletiva maranhense, ou, para os autores, uma escrita para puro divertimento, um passatempo literário. Joaquim Serra e Gentil Braga, figuras respeitadas como folhetinistas, escreveram sob os pseudônimos de Pietro de Castellamares e Flávio Reimar, respectivamente.

Boa parte da obra do Patrono foi publicada pelo Semanário Maranhense, periódico que, nos seus 54 números, divulgou a cultura maranhense, tendo como colaboradores quadros como Antonio Henriques Leal, Celso Magalhães, César Marques, Gentil Homem Almeida Braga, Joaquim Sousândrade, Joaquim Serra, Pedro Nunes Leal, Teófilo Dias,  e outros tantos, todos notabilizados pela contribuição literária e cultural deixada para a posteridade.

Para parte da crítica Sabbas foi um dos primeiros a introduzir o interesse pela literatura folhetinesca, como vinha acontecendo no Rio de Janeiro. Por isso, alguns epígonos o classificam como o fundador da novelística na Província, pois os outros prosadores de ficção virão somente após ele, sendo Gonçalves Dias a única exceção, posto que desde 1842 trabalhava na produção da sua Memórias de Agapito. Não há, todavia consenso sobre isso. Críticos há que não enxergam em Sabbas tal pioneirismo, pois consideram menor o valor de sua obra literária no aludido gênero. O romance Os Amigos, com 25 capítulos e a novela Jovita, com apenas 3 capítulos, são as obras que levaram Sabbas à condição de fundador da novelística e do folhetim na Província.  

Publicou novelas, folhetins e história do Teatro São Luís, mesmo dividindo opiniões entre os que apreciavam a sua arte e os que não o faziam. O drama de sua autoria Anjo do Mal foi elogiado por Joaquim Serra. Quem escrevia peças então eram Joaquim Serra, Gentil Homem, Celso Magalhães, Euclides Faria, Artur e Aluísio Azevedo, João Afonso Nascimento. Isto em meados do século XIX.

Deve-se destacar, por oportuno, que Sabbas da Costa era também um dos que escreviam no Jornal de Timon(1852-1855), de João Francisco Lisboa, publicado pela Tipografia de Belarmino de Matos.

A marca destacada de sua biografia intelectual liga-se ao teatro. Foi um dos precursores do teatro maranhense, antes de Artur Azevedo. Sua obra, no campo da dramaturgia, é das mais copiosas, incluindo-se aqui o seu trabalho de crítico teatral e animador cultural.

Percebe-se no Autor uma peculiar identificação com a dramaturgia grega, pois seus textos parecem nitidamente escritos para serem representados por atores. Drama é uma palavra grega que significa ação, representação da ação. Tanto na tragédia, na comédia, no melodrama ou na farsa, para os gregos clássicos, o centro da ação é o conflito. Sua obra não escapa dessa influência. Os dramas produzidos por Sabbas ajudaram a reforçar a predileção local por peças altamente dramáticas e fortemente sentimentais.

Nos meios culturais locais, em especial no ambiente teatral, vivia-se o apogeu do Melodrama, começando pelo romantismo de fundo burguês. Convém lembrar que até 1847 os jornais eram omissos em assuntos de arte e dramaturgia: se limitavam a temas políticos e a publicação de atos governamentais. A partir da segunda metade dos anos mil e oitocentos a situação já estava completamente mudada. Espetáculos teatrais de caráter lúdico-religioso, sacro, comédias despontam no cenário artístico.

Contribuição do Patrono à Cultura Maranhense
É pertinente a afirmação de que o mundo intelectual e literário maranhense no século XIX deveu muito aos periódicos e ao parque gráfico existente. Permitiram o escoamento da produção literária da Província, muitas de padrão discutível, diga-se, estimulada pela riqueza material de suas elites sociais e econômicas, e pelo investimento feito no refinamento educacional de seus descendentes.

Convém destacar que até 1870 no Maranhão e no Brasil de um modo geral, o livro ainda não era o meio mais eficaz de difusão da cultura letrada. Os valores do processo civilizatório e a inculcação de tradições locais dependiam fortemente dos jornais e periódicos locais.

Percebe-se assim que o modelo literário maranhense decorreu da fusão do jornalismo, principalmente político, com as letras e seus profissionais. Um jornalismo voltado para o cultivo das belas letras, sempre destacando a distinção cultural da Província. Colocava à disposição dos leitores contos, novelas, artigos historiográficos e econômicos, estes mais raramente; poemas, crônicas, crítica literária, preleções, cursos, entre outros. Traziam à luz a literatura e as ideias que circulavam, sobretudo em Portugal e na Europa. Deles emergiram o gosto literário, artístico e cultural-científico, além da simpatia pelo mundanismo. Não eram apenas espaços para o debate de questões políticas. Os periódicos maranhenses tentaram de toda maneira produzir um discurso de exaltação da inteligência local, na perspectiva de tornar-se contribuinte destacado no processo de construção da identidade e da cultura nacional, a partir da distinção cultural da Província.

Além disso, outras variantes devem ser levadas em conta na definição desse pano de fundo histórico. No plano da formação social, o Maranhão do século XIX era heteronômico, recebendo de outrem as leis e procedimentos a serem seguidos; e exogênico, sendo uma sociedade originada e dependente de fatores externos. A exogenia não se limitava apenas à dependência ao mundo exterior. Do exterior provinham também as ideias com as quais se abastecia, traço este ainda presente na cultura local. Essa situação se agravava mais ainda pela instabilidade política. Ao longo dos 48 anos que vão de 1841 a 1889 estiveram à frente do governo, entre governadores e vices, quase cem mandatários.

Vivia-se nitidamente o processo de construção de uma nova ordem social e política. Estavam em franca germinação as novas instituições sociais e políticas, associadas à constituição de uma nova camada dirigente e seus valores instituintes.

Francisco Gaudêncio Sabbas da Costa e sua obra são produtos dessas circunstâncias materiais e subjetivas. Os aspectos constitutivos da ideologia dominante estão presentes em seus dramas, novelas, folhetins, crônicas e críticas teatrais. Em todas prevalecem a visão de mundo das elites, a pura e simples transposição da ideia do romantismo e do parnasianismo como alternativas à industrialização europeia; o naturalismo, o realismo. Em todos os lugares de sua contribuição a forte e fluente presença de uma construção intelectual e literária baseada, flagrantemente, na importação ideológica e cultural.

Esse traço não diminui ou distingue a contribuição intelectual de Sabbas. Era comum no ambiente cultural e literário da época, sendo poucos aqueles que de fato erigiram um obra própria e diferenciada. O que interessa vai além de tudo isso: é qualificar em sua obra as linhas de contribuição para a formação social do Maranhão e para as instituições culturais gestadas. No caso específico de Sabbas destaca-se, sobretudo a sua contribuição no campo das artes e das letras, muito mais que na área de interesse do Instituto Histórico e Geográfico, ou seja, os campos dos estudos e dos conhecimentos científicos propriamente ditos.

Em seu afamado livro Sessenta Anos de Jornalismo, 2ª Edição, publicado em 1883 por Faro e Lino Editores, no Rio de Janeiro, Joaquim Serra destaca as principais virtudes de Sabbas da Costa. No capítulo sobre o ano de 1860 evidencia a contribuição do Autor no periódico Marmotinha, de José Mathias Alves Serrão. Um periódico de variedades que publicava artigos amenos, jocosos, crônicas locais e poesia. Serra, um jornalista rigoroso para os padrões existentes, descreve Sabbas como um infatigável trabalhador da cultura e das letras, colaborador assíduo de vários jornais e periódicos, nos quais se dedicava especialmente à crítica teatral, sem esquecer-se de destacar os romances que publicava em folhetins e depois em livros. Como bom agitador cultural e infatigável trabalhador das letras que o era, Sabbas nunca foi considerado, todavia uma unanimidade pela crítica.

Em sua expressão maior, a crítica destaca como uma das mais consistentes contribuições de Sabbas o romance Os Amigos. Mesmo permanecendo a dúvida quanto ao valor literário da obra, destaca a sua importância pelas informações que reúne sobre a sociedade maranhense à época, sendo apontado como um vigoroso retrato da vida maranhense no século XIX, no que também se presta, possivelmente, para legitimar a condição de Patrono de uma cadeira no IHGM.

Para escrever com mais segurança e conhecimento de causa o presente Elogio procurei também ler o máximo que pude partes da obra acessível do Autor, com o objetivo de formar um juízo mais pessoal sobre a mesma. Em Jacy, por exemplo, é claramente perceptível o seu propósito em mostrar que era “brasileiro” e que escrevia sobre o que seria a “cor maranhense”, ou seja, sobre as especificidades do que é inteiramente local. Um texto plenamente ufanista sobre o Maranhão e o Brasil, no qual se encantava com a imensidão de uma natureza santa e imaculada. Em sua narrativa a Província do Maranhão nada mais era do que “uma terra majestosa, sublime e amena...um prodigioso recanto do Brasil”.

Em muitos dos seus textos é marcante o grau de detalhamento que emprega em suas narrativas. Em obras dramáticas, os conflitos são trabalhados com extremada minucia. O estatuto da escravidão e a visão do colonizador não são criticados explicitamente; ao contrário, são constantemente legitimados na composição dos tipos que formam a sua literatura. O poder do Senhorio reina absoluto e é tratado com naturalidade. O detalhamento dos conflitos contribuem muito para que se tenha uma visão precisa dos costumes, juízos de valor e preconceitos presentes na sociedade inclusiva.

O dilema de Sabbas e de toda a sua geração, fonte primária do semióforo inventado de um Maranhão culto como os gregos clássicos, é não terem dado conta das questões que cindiam a sociedade maranhense oitocentista.
Alheios a essas questões, atravessadas longitudinalmente pela tirania deprimente da escravidão de negros africanos, habitavam olimpos e parnasos imaginários, completamente distantes das pulsações de uma formação social em mutação e desconstrução.

Foram poucos os que perceberam esse processo e se lançaram na ousadia de imaginar uma formação maranhense que pusesse fim às hetenomias e exogenias originais. As vozes de João Lisboa e Joaquim Serra foram fracas frente à algazarra dos poetas do Olimpo. Mesmo a grandiosa plêiade de notáveis de então, como Dias, Odorico, Lisboa, Sotero, Souzandrade na literatura e Gomes de Souza e Custódio Serrão nas ciências, não farão a ruptura com os mecanismos de invasão cultural e importação ideológica.
Fragmentos do reacionarismo não desaparecerão facilmente, assim como a predominância de recorrências filosóficas flagrantemente piegas não deixarão de existir, provavelmente fatores retardatários da introdução modernista no Maranhão contemporâneo, inviabilizadoras do desabrochar local de um 1922 maranhense que não houve.

As visões estéticas presentes no legado e no acervo cultural erudito maranhense ainda hoje suscitam dúvidas quanto à autenticidade “nacional” e contextual.

EM QUE ESPERO CONTRIBUIR. Almejo corresponder à generosidade de terem me escolhido para compor os quadros desta Casa. Cheguei aqui por obra do acaso, ao ser convidado a queima roupa pelo Professor Josemar Raposo, em evento literário, nos pátios do Palácio Cristo Rei, relacionado ao lançamento de obra autoral de Aldy Mello de Araújo, agora confrade.

Generosidade que prossegue e se expande no acolhimento da Presidente Telma Bonifácio Reinaldo aos pareceres favoráveis das confreiras Dilercy Adler e Madalena Neves, conhecidas por terem corações bem maiores que o permitido, projetados finalmente na homologação das ilustradas e ilustrados confreiras e confrades que atualmente dão vida a esta valorosa Instituição.

Confesso o grande esforço que fiz para, em menos de seis meses, conhecer e me apresentar a Sabbas da Costa. Tomaram-me quase o tempo todo para que produzisse essa pequena homenagem, restando assim quase nenhum tempo para os encômios a Luís Alfredo Neto Guterres Soares, primeiro ocupante da Cadeira 39, na condição de sócio honorário, a mesma que passo a assumir agora, como fundador, decorrência da condição de Sócio Efetivo. Prometo também saldar essa dívida mais adiante, pois se trata de um estudioso da cultura e da realidade maranhense de grande valor, não cabendo assim quaisquer apreciações aligeiradas.

O precocemente esquecido Olavo Correia Lima, um polemista nato, afirmava que a história maranhense era uma das mais descuradas do Brasil. Achava que dela pouco caso se fazia. A ideia do maranhense culto decorre de um mito deliberadamente inventado, no bojo de uma suposta ancestralidade francesa. A luta contra um passado imemorial que ainda hoje serve para reforçar mitos e estereótipos não deve ser descurada jamais, cabendo a este Instituto um papel proeminente nesse enfrentamento.

Por força do descaso inexplicável do Maranhão com a sua história pensa-se, de modo geral, que se trata de um processo histórico linear. O desprezo com o patrimônio arqueológico pré-colonial é indescritível. Existem escavações no Maranhão que remontam a nove mil anos. Há um patrimônio arqueológico e antropológico pré-colonial da Ilha e demais territórios que precisa ser pesquisado e traduzido amplamente.

É mais do que urgente que se incentivem releituras da historia maranhense, sendo imprescindíveis para tanto a força de instituições vivas como universidades, institutos de pesquisa e de Institutos como o nosso. No surpreendente torrão maranhense gestou-se um fenômeno extraordinário, que ainda hoje continua pedido para ser revirado de cabeça para baixo e passado a limpo: como foi possível, em uma sociedade de analfabetos e excluídos, se implantar um “Olimpo intelectual” com bagagem tão vasta, sofisticada e variada?

Provavelmente a explicação da egossintonia que ainda hoje predomina na sociedade tenha origem nesse paradoxo secular. Por que a maioria aceita passivamente as desigualdades sociais, a falta de educação, a falta de ética, a falta de equidade?  Como se explica uma Atenas indiferente ante o que foi a maior das infâmias da história nacional: o genocídio de milhões de índios e de negros africanos torturados e escravizados?

Precisam-se construir novas subjetividades democráticas para uma melhor adequação ao mundo da diversidade que hoje impera. Não é mais possível repetir a façanha histórica ocorrida no período oitocentista de se erigir uma cultura tida como superior, pela erudição dos seus agentes, deixando de fora os dois principais temas do século XIX: a abolição e a democracia. Com toda a certeza, desse fato é possível encontrar as raízes históricas do atraso política, pois essa realidade produziu, entre outras coisas, um eleitorado incapacitado ao exercício do seu papel político, realidade ainda não superada, pois, ainda hoje, continua assombrando a sociedade atual.

No diálogo que foi mantido com Francisco Gaudêncio Sabbas da Costa, percebeu-se facilmente que em sua obra e na de seus contemporâneos, faltou um olhar atento para perceber as distinções entre o processo de invasão cultural e o processo de transmissão cultural. O esforço de Sabbas em demonstrar que era brasileiro e que seus personagens refletiam a cultura local denotam isso.

O Maranhão era português, demorou a aderir à independência e tinha em São Luís uma influente colônia lusitana, que controlava a economia, por meio do comércio. Esses vínculos orgânicos não se romperam com a Independência facilmente. Os habitantes da Província não passavam de meros espectadores do suposto mundo civilizado, sobretudo em relação à Europa e Portugal. O fenômeno da “portugalização” foi determinante no Maranhão. Orgulhavam-se as elites, em pleno final do século XIX, de terem sido colonizadas por europeus. Um despautério, na visão de alguns. São Luís nunca perdeu a condição de “arrabalde da américa”, e o Maranhão sempre foi uma “rochela de Portugal”, expressões de Antonio Vieira cunhada em meados do século XVII.

Por isso é forte a figura do redentorismo no Maranhão. A atemporalidade da história do Maranhão sempre foi a forma preferida da narrativa dos dominantes. É uma história “para sempre”. Para seus cultuadores, a melhor forma de preservar a memória maranhense é encher o Maranhão de estátuas. Ainda hoje as interpretações sobre a história do Maranhão continuam atreladas a esse pretensioso pensamento intelectual.

Era secundário o interesse em buscar entender as condições do espaço social maranhense e os seus desafios.

Diante dessas reflexões finais surgem-me à frente as palavras amargas e, ao mesmo tempo, verdadeiras e esperançosas de Eduardo Galeano a respeito da América Latina: “somos caricaturas de modos de vida que nos impuseram e impõem de fora”. Nessa mesma linha, interpretando o Brasil e os seus dilemas, Milton Santos afirmava, com muita propriedade: “ainda não descobrimos as formas de pensar a partir do nosso modo de ser”.

Todos os que formam esta Casa sabem e conhecem melhor do que eu os dilemas e desafios aqui levantados. Espero fazer parte dessa constelação e oferecer o melhor do meu trabalho.

Uma última palavra, antes de encerrar e agradecer pela resignação com que me ouviram. Acredito firmemente, inspirando-me em Hanna Arendt, que não nascemos apenas para morrer. Nascemos para recomeçar. Sei também, conforme o célebre poema-epitáfio de Jorge Luis Borges, que desde o nascimento “já somos a ausência que seremos”. O que não sei ainda é se seremos capazes de mudar o destino. Continuo acreditando, apesar de tudo.

Arlete Machado, em momento de sublime inspiração, descreveu São Luís como uma ilha que se desfaz em salitre. Espero, do mais profundo dos meus sentimentos, que essa ameaça cruel não atinja os corações e mentes daqueles que lutam pela reinvenção das bases constitutivas da história maranhense, afastando para bem longe a ferrugem que decompôs as representações sobre o passado do Maranhão, mas que ainda hoje sobrevivem como caricaturas assustadoras em nossa realidade.

Muito obrigado!