(Para não esquecer Jackson Lago e o
Golpe de 17 de Abril de 2009)
por Raimundo Palhano
Já era a madrugada do
dia seguinte à cassação e o sono me faltava. Sendo abril, o vento permanecia escasso.
Havia desconforto fora e dentro dos meus pensamentos. As imagens da dura
realidade não me abandonavam. Vi-me em São Paulo, diante da internet, buscando
notícias sobre a posse de Rosa, a nova governadora.
Na medida em que as
lembranças me vinham chegando era como se estivessem me transportando em um
túnel do tempo, a um lugar que me apavorava. Vi fantasmas saindo do sepulcro e
dândis impecáveis surgindo entre os poros do tempo para celebrar o retorno da
princesa.
Mais perplexo fiquei ao
tomar conhecimento dos seus dois primeiros atos administrativos: o primeiro,
mudando em definitivo o nome do Maranhão para Marderosas, lei esta que já havia
sido promulgada em 1966 pelo Chefe do Clã; e o segundo, retirando do seu
próprio nome o gentílico Alexei.
Rosa, a guerreira, vinha
de fato predestinada a decretar o fim do Estado da Mentira e extirpar do seu
próprio nome o que soava falso e duvidoso. Com sua espada invencível, forjada
em um sem número de batalhas espetaculares, como anunciavam as suas trombetas, e
usando uma nova máscara de zorro, de um só golpe, decretava a morte de uma
província que já não prestava para nada e instituía o seu próprio reinado, procurando
convencer aos súditos que dispensara a proteção do Rei, pai e guardião de toda
hora, então sob fogo cerrado e fortíssimos ataques da mídia nacional.
Para
alguém como eu, que havia retirado um órgão precioso do corpo e estava ali na
paulicéia para ver se os outros estavam em ordem, ler aquelas notícias foi como
levar mais um soco no estômago, agora muito mais dolorido, pois ainda estava
com as marcas vivas das costuras cirúrgicas.
Na cabeça de Rosa a solução
dos problemas maranhenses finalmente estava dada: apeado do trono JL, ficara
mais fácil decretar, agora para valer, o fim do Maranhão, pondo em seu lugar
Marderosas.
Vi aparecerem em minha
frente aqueles bonecões da Rosailude, muito usados pelo movimento balaiada em
seus atos de protesto e vigília cívica em frente ao palácio do governo, durante
o processo de julgamento de JL pelo Tribunal Superior Eleitoral de Brasília.
Levantei-me
da cama às quatro da madrugada e fui à janela. As ruas que me saltavam aos
olhos estavam desertas, preenchidas apenas pelos silenciosos motores dos poucos
veículos insones que cruzavam suas artérias. Do sexto andar do meu prédio ouvia
a ritmada cadência da maré e notava as luzes apagadas dos edifícios do bairro.
Vendo aquele cenário
cheguei mesmo a admitir que o Maranhão havia acabado e que eu estava realmente
em Marderosas: tudo parecia falsamente harmonioso, o silêncio sem alarme e alma,
as linhas de uma arquitetura cristalizada ou em decomposição.
Aos poucos fui
percebendo que o cansaço físico estava me deixando fora do contexto. Precisava
imediatamente de um travesseiro para dormir o pouco da noite que ainda restava.
Fechei os olhos e com medo de novos pesadelos e da escuridão, adormeci por
quatro anos.