sexta-feira, 28 de outubro de 2016

O DÉCIMO ANO DE UMA ELEIÇÃO HISTÓRICA


                                                                      
por Raimundo Palhano


        No dia 29 de outubro de 2016 completam-se dez anos da eleição emblemática de Jackson Lago para o cargo de governador do Maranhão (2007-abril de 2009). Parece que foi ontem. Já são dez primaveras que se passaram, todavia. Uma celeridade temporal acompanhada de inúmeros eventos que entraram para a história política maranhense recente.

Se resolvesse despertar do sono eterno em que se encontra e olhasse adiante, o que diria Jackson sobre o que fomos capazes de fazer, nesses últimos dez anos, como cidadãos, agentes públicos, formação social e formação política, pelo seu legado biográfico?

Creio que aplaudiria apaixonadamente o esforço diário de Clay Lago, seus filhos e de todos e todas que cultivam a sua memória com zelo, compromisso e responsabilidade, a partir do Instituto Jackson Lago – IJL. Trabalho árduo manter vivo um espaço como aquele, que luta pela propagação do exemplo e dos valores éticos deixados pelo patrono, em um ambiente político que não consegue sair das armadilhas impostas pela realidade desafiadora.

A curta trajetória institucional do IJL, todavia, já possui um acervo significativo de realizações, destacando-se a linha editorial, com três importantes livros publicados, os quais ajudam a interpretar o significado da obra do ex-governador e a realidade política maranhense contemporânea, merecendo relevo o mais recente, intitulado “Maranhão: Enigmas, Desafios e Urgências”; a efetivação da Mostra Jackson Lago A Vida é Combate, sobre os principais aspectos da vida pessoal e da obra pública do ex-governador do Maranhão, já exposta várias vezes em eventos culturais de São Luís e se interiorizando de maneira crescente; ou o projeto do Centro Cultural na Praia Grande, projetado para dinamizar a memória e implementar ações de formação política e realização de estudos e pesquisas sobre o desenvolvimento do Maranhão, tendo como eixo a ação política.

Vista, por outro lado, no contexto externo, a partir do imaginário social e político, a eleição de Jackson representou a materialização da sonhada possibilidade de mudanças efetivas na cultura e nas práticas políticas locais, caminho idealizado para a efetivação de um processo de desenvolvimento que superasse o atraso e a pobreza recorrentes.

Afinal subiria ao poder, como veio a acontecer, um líder respeitado pelo passado de coerência, seriedade, honestidade e compromisso com a democracia, com a liberdade e com as causas populares, símbolos maiores da resistência oposicionista, que, por décadas, se colocara contra o poder dos coronéis e do sistema oligárquico, amplamente dominante. Sua imagem estava assim impregnada desses atributos especiais, reforçada por seus vínculos orgânicos e ideológicos com a corrente política do trabalhismo, associada a figuras carismáticas como Leonel Brizola, Darcy Ribeiro, Neiva Moreira e outros tantos ilustrados daqui e alhures.

O governo Lago, mesmo reduzido em sua temporalidade por um sombrio golpe judiciário, que cassou o seu mandato antes de chegar à metade, foi um momento de cisão nas bases do sistema de dominação política, mesmo que não tenha tido o tempo necessário para sedimentar suas propostas de mudança; ou mesmo existido a presença de uma coalizão de forças formada com representantes de setores políticos tradicionais, inevitável ao desenho viabilizador da nova governabilidade, em um Estado tradicionalmente controlado por forças políticas de extração oligárquica.

Por representar uma ameaça permanente ao longevo poder hegemônico, pondo em xeque a sua lógica e modus operandi, foi, por esse motivo, um governo de equilibristas. Conviviam duas situações antagônicas. Enquanto o núcleo jacksista dava o sangue para produzir e implementar uma nova cultura e estrutura ao modo de governar e planejar o desenvolvimento do Maranhão, procurando concretizar a utopia política da resistência ao poder oligárquico, para devolvê-lo ao povo, como afirmado pelos novos governantes; externamente, as forças políticas dominantes, derrotadas nas eleições, organizavam e agiam no sentido de inviabilizar o novo governo que, se bem-sucedido, como estava sendo, poderia realmente produzir a derrocada daquele poder em todo o território maranhense.

A conjugação de duas forças poderosíssimas, o lulo-petismo, no plano nacional e o sarneismo, na esfera local, consegue neutralizar o projeto em construção, incrementando uma estratégia inteligente em suas objetivações políticas, voltada à desqualificação do governo vitorioso e enfraquecimento da reputação do seu chefe e líder. Passado o tempo, mesmo reduzido em sua expressão horizontina, percebe-se que o temor oligárquico residia no potencial de ruptura da nova forma de governar, em que materialidades e subjetividades se fundiam, numa combinação explosiva aos interesses do antigo regime.

A ascensão e queda do governo de Jackson Lago, para além dos seus resultados palpáveis e das suas contradições de governabilidade, inaugura uma nova fase na política maranhense, de onde novos grupos e novos atores nasceram ou se afirmaram, levando o poder local a novos pontos de referência na representação política, afetando fortemente o poder do Grupo Sarney, viabilizando o emergir do Grupo Dino e abrindo uma terceira dimensão, inevitável em realidades mutantes como as atuais, a do impensável político, da imponderabilidade, do inesperado ou das surpresas, esfera fortemente dependente e influenciada pela capacidade de governar, agir e de produzir resultados dos grupos dominante tradicionais, como, no caso maranhense, o Grupo Sarney, ou dos novos, em gestação ou consolidados, como o Grupo Dino.

Como fiel da balança, desde o nascedouro deste processo de reengenharia política, por natureza fortemente dialético, está a surpreendente personalidade política do ex-governador José Reinaldo Tavares, presença decisiva nos episódios que vão marcar a dinâmica política maranhense nesse período, sintetizados nas dissidências havidas no Grupo Sarney, em que foi o principal protagonista; na investidura de Jackson Lago; e, por último, na ascensão de Flávio Dino como governador do Maranhão, em um prazo relâmpago, tornando-se, independentemente de sua vontade, herdeiro, ou fiel depositário, dos compromissos históricos da resistência oposicionista, interrompidos com a queda do governo da Frente de Libertação.

A elevação de Jackson ao trono, como se viu, não foi capaz de derrotar o antigo regime, como muitos da inteligência jacksista acreditavam ser possível, mas levou aquele Grupo a se reciclar e a mudar de métodos e de estratégias políticas, na expectativa de retomar o poder no Maranhão, sobretudo torcendo e estimulando estratégias que contribuam para o fracasso do projeto dinista, pelo cometimento de erros na capacidade de governar e na arte de fazer política real, por parte do atual governo.

Passados dez anos da eleição histórica, mesmo com todo esse caudal de situações políticas concretas, o desenvolvimento político do Maranhão continua cada vez mais desafiador. Aumenta a necessidade de líderes políticos para enfrentar os desafios, vivendo-se uma situação de flagrante decadência na capacidade de formulação e implementação de projetos de direção para o desenvolvimento humano e social. Pululam as iniciativas programáticas tópicos e pontuais, com alto poder de reverberação na mídia, mas desintegrados de uma infraestrutura institucional, técnica e financeira que garanta ao poder público atingir padrões de efetividade social concreta.

Os mecanismos tradicionais de disputa política envelheceram e estão caducos, embora ainda vivos nas práticas políticas locais, subjugando a inteligência política local e nacional, levando a disputa eleitoral para o patamar mais representativo do processo político, expressos em esquemas de perpetuação de poderes nefastos à democracia e fatais para acelerar a crise brutal do Estado Democrático de Direito no Brasil, hoje uma figuração cinematográfica ou mera retórica vazia.

A redução da democracia ao voto midiatizado, os sinais fortes da decadência do Estado e da descrença nos governos, que transformam políticas públicas em “caridades sociais”, o surgimento de “estados paralelos,” como as ações do crime organizado, ou de “estados assistencialistas”, decorrente da ação dos evangélicos, como analisa Castells, revelam o tamanho do problema.

Estamos desafiados a sair do labirinto. Ainda vivemos sob dois projetos utópicos, o liberalismo e o comunismo. A luta de classes nascida desse embate sem fim, transformou a política em uma arena na qual os contendores se aniquilam uns aos outros. Vive-se nos extremos e nos fios das navalhas. Pouco se valoriza e canaliza energias na direção de alvos mais eficazes, especialmente aqueles que se voltem ao enfrentamento dos modos de acumulação que existem na sociedade, não apenas contra aqueles decorrentes da acumulação econômica privada. Por isso crescem em algumas partes do mundo a constituição de comunidades organizadas de afetos, na busca urgente de novos paradigmas políticos.

A eleição de Jackson assume, cada vez mais, uma dimensão histórica por ter sido muito mais que um lampejo de sonhos pela ruptura desse longo processo de dominação oligárquica. Representa, na verdade, uma força catalizadora para a produção de novas subjetividades e objetividades políticas no Maranhão, iluminando possibilidades de novas transfigurações em um contexto no qual as diferenças sociais estão naturalizadas e a aspiração coletiva e individual por uma sociedade mais igualitária esquecida ou distante de acontecer.