por Raimundo
Palhano
No
dia 29 de outubro de 2016 completam-se dez anos da eleição emblemática de
Jackson Lago para o cargo de governador do Maranhão (2007-abril de 2009).
Parece que foi ontem. Já são dez primaveras que se passaram, todavia. Uma
celeridade temporal acompanhada de inúmeros eventos que entraram para a
história política maranhense recente.
Se resolvesse despertar do sono eterno em que se
encontra e olhasse adiante, o que diria Jackson sobre o que fomos capazes de
fazer, nesses últimos dez anos, como cidadãos, agentes públicos, formação
social e formação política, pelo seu legado biográfico?
Creio que aplaudiria apaixonadamente o esforço diário
de Clay Lago, seus filhos e de todos e todas que cultivam a sua memória com
zelo, compromisso e responsabilidade, a partir do Instituto Jackson Lago – IJL.
Trabalho árduo manter vivo um espaço como aquele, que luta pela propagação do
exemplo e dos valores éticos deixados pelo patrono, em um ambiente político que
não consegue sair das armadilhas impostas pela realidade desafiadora.
A curta trajetória institucional do IJL, todavia, já
possui um acervo significativo de realizações, destacando-se a linha editorial,
com três importantes livros publicados, os quais ajudam a interpretar o
significado da obra do ex-governador e a realidade política maranhense
contemporânea, merecendo relevo o mais recente, intitulado “Maranhão: Enigmas,
Desafios e Urgências”; a efetivação da Mostra Jackson Lago A Vida é Combate, sobre
os principais aspectos da vida pessoal e da obra pública do ex-governador do
Maranhão, já exposta várias vezes em eventos culturais de São Luís e se
interiorizando de maneira crescente; ou o projeto do Centro Cultural na Praia
Grande, projetado para dinamizar a memória e implementar ações de formação
política e realização de estudos e pesquisas sobre o desenvolvimento do
Maranhão, tendo como eixo a ação política.
Vista, por outro lado, no contexto externo, a
partir do imaginário social e político, a eleição de Jackson representou a materialização
da sonhada possibilidade de mudanças efetivas na cultura e nas práticas
políticas locais, caminho idealizado para a efetivação de um processo de
desenvolvimento que superasse o atraso e a pobreza recorrentes.
Afinal subiria ao poder, como veio a acontecer, um
líder respeitado pelo passado de coerência, seriedade, honestidade e
compromisso com a democracia, com a liberdade e com as causas populares,
símbolos maiores da resistência oposicionista, que, por décadas, se colocara
contra o poder dos coronéis e do sistema oligárquico, amplamente dominante. Sua
imagem estava assim impregnada desses atributos especiais, reforçada por seus
vínculos orgânicos e ideológicos com a corrente política do trabalhismo,
associada a figuras carismáticas como Leonel Brizola, Darcy Ribeiro, Neiva
Moreira e outros tantos ilustrados daqui e alhures.
O governo Lago, mesmo reduzido em sua temporalidade
por um sombrio golpe judiciário, que cassou o seu mandato antes de chegar à
metade, foi um momento de cisão nas bases do sistema de dominação política,
mesmo que não tenha tido o tempo necessário para sedimentar suas propostas de mudança;
ou mesmo existido a presença de uma coalizão de forças formada com
representantes de setores políticos tradicionais, inevitável ao desenho viabilizador
da nova governabilidade, em um Estado tradicionalmente controlado por forças
políticas de extração oligárquica.
Por representar uma ameaça permanente ao longevo poder
hegemônico, pondo em xeque a sua lógica e modus operandi, foi, por esse motivo,
um governo de equilibristas. Conviviam duas situações antagônicas. Enquanto o
núcleo jacksista dava o sangue para produzir e implementar uma nova cultura e
estrutura ao modo de governar e planejar o desenvolvimento do Maranhão, procurando
concretizar a utopia política da resistência ao poder oligárquico, para
devolvê-lo ao povo, como afirmado pelos novos governantes; externamente, as
forças políticas dominantes, derrotadas nas eleições, organizavam e agiam no
sentido de inviabilizar o novo governo que, se bem-sucedido, como estava sendo,
poderia realmente produzir a derrocada daquele poder em todo o território
maranhense.
A conjugação de duas forças poderosíssimas, o
lulo-petismo, no plano nacional e o sarneismo, na esfera local, consegue
neutralizar o projeto em construção, incrementando uma estratégia inteligente
em suas objetivações políticas, voltada à desqualificação do governo vitorioso e
enfraquecimento da reputação do seu chefe e líder. Passado o tempo, mesmo reduzido
em sua expressão horizontina, percebe-se que o temor oligárquico residia no potencial
de ruptura da nova forma de governar, em que materialidades e subjetividades se
fundiam, numa combinação explosiva aos interesses do antigo regime.
A ascensão e queda do governo de Jackson Lago,
para além dos seus resultados palpáveis e das suas contradições de
governabilidade, inaugura uma nova fase na política maranhense, de onde novos grupos
e novos atores nasceram ou se afirmaram, levando o poder local a novos pontos
de referência na representação política, afetando fortemente o poder do Grupo
Sarney, viabilizando o emergir do Grupo Dino e abrindo uma terceira dimensão,
inevitável em realidades mutantes como as atuais, a do impensável político, da
imponderabilidade, do inesperado ou das surpresas, esfera fortemente dependente
e influenciada pela capacidade de governar, agir e de produzir resultados dos
grupos dominante tradicionais, como, no caso maranhense, o Grupo Sarney, ou dos
novos, em gestação ou consolidados, como o Grupo Dino.
Como fiel da balança, desde o nascedouro deste
processo de reengenharia política, por natureza fortemente dialético, está a surpreendente
personalidade política do ex-governador José Reinaldo Tavares, presença
decisiva nos episódios que vão marcar a dinâmica política maranhense nesse
período, sintetizados nas dissidências havidas no Grupo Sarney, em que foi o principal
protagonista; na investidura de Jackson Lago; e, por último, na ascensão de
Flávio Dino como governador do Maranhão, em um prazo relâmpago, tornando-se,
independentemente de sua vontade, herdeiro, ou fiel depositário, dos
compromissos históricos da resistência oposicionista, interrompidos com a queda
do governo da Frente de Libertação.
A elevação de Jackson ao trono, como se viu, não
foi capaz de derrotar o antigo regime, como muitos da inteligência jacksista acreditavam
ser possível, mas levou aquele Grupo a se reciclar e a mudar de métodos e de
estratégias políticas, na expectativa de retomar o poder no Maranhão, sobretudo
torcendo e estimulando estratégias que contribuam para o fracasso do projeto
dinista, pelo cometimento de erros na capacidade de governar e na arte de fazer
política real, por parte do atual governo.
Passados dez anos da eleição histórica, mesmo com
todo esse caudal de situações políticas concretas, o desenvolvimento político
do Maranhão continua cada vez mais desafiador. Aumenta a necessidade de líderes
políticos para enfrentar os desafios, vivendo-se uma situação de flagrante
decadência na capacidade de formulação e implementação de projetos de direção
para o desenvolvimento humano e social. Pululam as iniciativas programáticas
tópicos e pontuais, com alto poder de reverberação na mídia, mas desintegrados
de uma infraestrutura institucional, técnica e financeira que garanta ao poder
público atingir padrões de efetividade social concreta.
Os mecanismos tradicionais de disputa política
envelheceram e estão caducos, embora ainda vivos nas práticas políticas locais,
subjugando a inteligência política local e nacional, levando a disputa
eleitoral para o patamar mais representativo do processo político, expressos em
esquemas de perpetuação de poderes nefastos à democracia e fatais para acelerar
a crise brutal do Estado Democrático de Direito no Brasil, hoje uma figuração
cinematográfica ou mera retórica vazia.
A redução da democracia ao voto midiatizado, os
sinais fortes da decadência do Estado e da descrença nos governos, que
transformam políticas públicas em “caridades sociais”, o surgimento de “estados
paralelos,” como as ações do crime organizado, ou de “estados assistencialistas”,
decorrente da ação dos evangélicos, como analisa Castells, revelam o tamanho do
problema.
Estamos desafiados a sair do labirinto. Ainda
vivemos sob dois projetos utópicos, o liberalismo e o comunismo. A luta de
classes nascida desse embate sem fim, transformou a política em uma arena na
qual os contendores se aniquilam uns aos outros. Vive-se nos extremos e nos
fios das navalhas. Pouco se valoriza e canaliza energias na direção de alvos
mais eficazes, especialmente aqueles que se voltem ao enfrentamento dos modos
de acumulação que existem na sociedade, não apenas contra aqueles decorrentes
da acumulação econômica privada. Por isso crescem em algumas partes do mundo a
constituição de comunidades organizadas de afetos, na busca urgente de novos
paradigmas políticos.
A eleição de Jackson assume, cada vez mais, uma
dimensão histórica por ter sido muito mais que um lampejo de sonhos pela ruptura
desse longo processo de dominação oligárquica. Representa, na verdade, uma
força catalizadora para a produção de novas subjetividades e objetividades
políticas no Maranhão, iluminando possibilidades de novas transfigurações em um
contexto no qual as diferenças sociais estão naturalizadas e a aspiração
coletiva e individual por uma sociedade mais igualitária esquecida ou distante
de acontecer.