por Raimundo Palhano
O inferno astral pelo qual passa o presidente do Senado deixará marcas profundas no sistema de poder por ele instituído no Maranhão há mais de quatro décadas. O assim chamado sarneysismo finalmente se inviabiliza e desmorona nacionalmente, de forma fulminante e sem precedentes, além de perder, por via de conseqüência, uma das suas bases estruturantes mais representativas: a força derivada de suas vinculações com o poder federal.
Claro para todos que até o presente momento esta força não desapareceu e nem desaparecerá de uma hora para outra. O Chefe da dinastia ainda reúne enorme influência no sistema partidário e em quase todas as instituições dirigentes do país. Afinal estamos tratando de um ex-Presidente da República e de um dos mais poderosos coronéis da história política brasileira recente. Aos olhos do povo brasileiro, dos formadores de opinião, dos jornalistas, da parte mais ilustrada da intelectualidade, o presidente do Senado, todavia é um ser em estado agônico e eticamente impedido de influenciar nos destinos do país.
Face ao quadro descrito, confirmando-se por completo o processo de esvaziamento do poder nacional do sarneysismo, a tendência natural é o Chefe do clã retornar plenamente para suas bases de sustentação regionais, no caso Amapá e Maranhão, com dois objetivos cristalinos: primeiramente, reunir todas as energias vitais que ainda lhe restam para garantir a continuidade do poder familiar estadual, transferindo o que sobrou do seu capital político à herdeira de sangue, atual “governadora” do Maranhão.
O segundo passo é recolher-se a uma de suas” ilhas do nunca” para descansar finalmente o velho e combalido corpo quase octogenário que, por mais bem cuidado que tenha sido, não teve inteligência suficiente para fazer escolhas certas antes de encerrar a carreira.
Ao ceder aos apelos de um apetite voraz pelo poder, que já lhe dera bem mais do que o merecido, entrou em um labirinto escuro que lhe consumiu qualquer possibilidade de redimir-se com a sua própria biografia, sua terra natal e o seu país. O todo poderoso imortal e “incomum” maranhense, aquele com mais super-poderes que esta terra foi capaz de produzir, por um castigo do destino, vai se esborrachar justamente ao pisar em simples cascas de bananas, atiradas da tradição patrimonialista e nepótica de governar, que políticos tradicionais e mortais deste país jamais se deixaram ir ao chão.
Faço estes comentários todavia para chamar a atenção de que o esvaziamento do sarneysismo no plano nacional não quer dizer sua morte automática e iminente no Maranhão e, muito menos, que a oposição ganhará facilmente a disputa pelos Leões em outubro de 2010.
O sistema dinástico implantado no Estado é ainda muito forte, com raízes e tentáculos em todos os lugares, apesar dos sinais evidentes de crise de legitimidade, de confiança e de inteligência.
Não será suplantado obviamente se as oposições não tiverem capacidade de propor e viabilizar um novo projeto de governo para o Maranhão, capaz de representar as aspirações negadas por décadas ao comum do povo maranhense.
O tempo para cumprir esse desafio, ou realizar essa missão cívica, deverá ser cuidadosamente trabalhado. Os detentores do poder no Maranhão desenvolveram uma tecnologia de governo que funcionou muito bem, voltada à reprodução e continuidade dos seus poderes. Afirmaram-se justamente ao dominarem a arte e o engenho de prometer ilusões à população por meio de processos diretos de aliciamento, troca de favores e cooptação. Sempre contaram e contam com a ajuda do estado de necessidade, baixo letramento e a desinformação de amplas parcelas do povo. Sem contar que as classes médias locais e as elites tradicionais, sejam econômicas ou políticas, sempre estiveram subordinadas compulsória ou voluntariamente a esse sistema de poder, seja para satisfazer interesses corporativos imediatos, seja por temor aos métodos de condução e afirmação política vigentes.
A nosso juízo está claro que é preciso fortalecer e ampliar o contingente dos que se opõem ao sistema de poder dominante na política local, retomando, com todo o vigor, a frente ampla de maranhenses que abominam e se saturaram dos privilégios, arrogância e elitismo da dominação oligárquica.
A experiência de pouco mais de dois anos do governo Jackson Lago representa um fato histórico dos mais relevantes, tendo deixado experiências e lições preciosas, sobretudo por revelar que é possível, pela união de muitos, derrotar o antigo regime, agora redivivo, que se espera seja enfim ultrapassado.
O ano de 2010 será emblemático, pois será uma oportunidade ímpar para completar a fase inaugural do governo injustamente deposto e interrompido da Frente de Libertação e iniciar uma outra, mais madura e melhor preparada, para derrotar finalmente os velhos paradigmas da política clânica maranhense. Será o momento da solidificação do diálogo entre lideranças oposicionistas experientes, testadas e reconhecidas e as novas lideranças que surgiram no cenário estadual em anos mais recentes, que serão os naturais substitutos e continuadores do processo de desenvolvimento político do nosso Estado.
Esta será um engenharia que não será obra apenas dos políticos, sejam da esquerda ou da oposição. Acostumamo-nos à idéia de que o desenvolvimento do Estado e das políticas públicas em geral são monopólios de poucos, em especial dos políticos, de altos consultores, de “experts” e, em menor grau, de uma elite de técnicos que operam a burocracia estatal.
O discurso da democracia participativa tem sido historicamente mero exercício retórico ou simples peça publicitária. Os outros segmentos da sociedade, de um modo geral, são chamados apenas para compor a cena ou para serem “sócios” em benesses governamentais.
Este quadro precisa mudar radicalmente. A questão é por demais complexa e desafiadora para ficar apenas sob o monopólio dos políticos profissionais. Além da participação ativa dos movimentos sociais organizados e da sociedade civil, dois segmentos são vitais para este novo momento que se avisinha: a convocação urgente da inteligência universitária e o envolvimento ativo do segmento empresarial comprometido com a democratização do Estado e com a responsabilidade social em seus empreendimentos.
Quem vive e respira diariamente o ar que cobre o território maranhense percebe com nitidez um fenômeno muito particular. No Maranhão os intelectuais universitários se isolam enquanto bloco orgânico e as camadas empresariais são surpreendentemente esquecidas em tudo que diga respeito às questões e aos problemas ligados ao desenvolvimento das políticas públicas e do Estado.
No caso dos intelectuais não é muito difícil encontrar as causas aparentes do seu isolamento. Creio que a sociedade maranhense tradicional, apesar da fama literária, jamais atribuiu valor real e poderes concretos aos seus intelectuais universitários.
Em nossa terra, como se nota, só existe realmente um tipo de intelectual reconhecido: os que freqüentam as academias literárias, embora também sejam vistos por muitos como seres distantes e viventes de um mundo fora de contexto. São em muitos casos ornamentos de um mito beletrista que serve inclusive para por verniz ao poder dominante.
Como não são reconhecidos e valorizados os que representam a inteligência acadêmica universitária, acabam se auto-isolando e criam mundos à parte nos limites físicos do campus universitário. Já fui desse mundo e sei muito bem o gozo e o prazer que promovem no ego dos seus ilustrados habitantes.
Claro também que uma das causas desse não-reconhecimento tem a ver com o atraso relativo do nosso Estado, fruto de razões históricas e motivações de ordem política, que confinaram a autonomia intelectual a um plano secundário.
É plausível admitir que o longo atraso que produziu um elitismo exarcebado das camadas dominantes fez com que buscassem na política oligárquica, no coronelismo, o escoadouro mais eficaz para seus objetivos de perpetuação do poder. Assim, produziu-se um tipo de sociedade em que os acadêmicos vêem as elites tradicionais com profundo desprezo, às vezes até mesmo com total indiferença, e estas, as elites tradicionais, vejam os intelectuais universitários como meras “cabeças pensantes”, apenas isso, portanto incapazes de contribuir para a solução dos problemas recorrentes no contexto político e social.
Um divórcio total que inibe completamente o diálogo, elevado quase à naturalidade, sobretudo pelo fato da inteligência universitária ser justamente uma das fontes da crítica às elites tradicionais do Estado, a quem atribuem a responsabilidade pelas causas do atraso. Quase um beco sem saída, mas que precisa ser enfrentado com o melhor das nossas capacidades.
O envolvimento do empresariado é outro dos grandes desafios. A prática oligárquica maranhense de gerir o Estado seguiu uma trajetória perigosa, que foi a de produzir, em cada ciclo governamental, uma nova camada de novos ricos, originária da proximidade com as obras públicas governamentais. Prevalece ainda a cultura segundo a qual o sucesso empresarial passa pelas vinculações orgânicas com os governos, a ponto de produzirem uma quase subordinação do segmento aos governantes palacianos. Fala-se ainda da existência de formas promíscuas, em muitos desses relacionamentos, o que provoca o afastamento e a omissão de boa parte do segmento, tanto daqueles que são excluídos, como daqueles que não aceitam as formas impuras de gerir o Estado, que são, na verdade, a maioria.
Até praticamente a metade do século passado o setor empresarial maranhense teve um peso muito grande nos destinos do Maranhão. Bem antes que os políticos profissionais, o empresariado local detinha a liderança das propostas e projetos de desenvolvimento para o Maranhão.
O Estado vai se aparelhar depois da velha “Casa da Praça”, liderada por comerciantes, lavradores e industriais, embrião da Associação Comercial, lugar no qual a elite econômica exercerá sua hegemonia. A relação era inversa ao que se vê hoje: era a elite política que recorria à elite econômica local.
O processo histórico responsável pela valorização do poder político teve a ver com a decadência do Maranhão, que já vinha se dando desde a segunda metade do século XIX, implicando no aparelhamento do poder e da burocracia estatal pela elite econômica decadente, em associação com os segmentos políticos tradicionais, que viram nesse processo a garantia de continuidade e manutenção dos seus poderes.
O lugar socialmente reconhecido e legitimado onde se processava a discussão sobre a “decadência” do Maranhão era principalmente a Associação Comercial. Todo o debate mais fecundo que se travou à época sobre a crise da Abolição e da transformação do trabalho se processou na antiga instituição de classe. Os estudos de Sérgio Vieira, João Antonio Coqueiro e Dunshee de Abranches são eloqüentes sobre isso. Havia na sociedade de então o reconhecimento de que a salvação econômica da Província passaria pela Associação Comercial. O maior de todos os seus ícones foi Martinus Hoyer, espírito adiantado para sua época, que lutou tenazmente contra o arraigado tradicionalismo dos comerciantes locais, que desdenhavam de suas profecias e que, por essa razão, acabou sendo visto como coveiro dos agricultores tradicionais.
A nova engenharia política que precisamos construir, mais inteligente e eficaz que aquela que domina o Estado há vários anos, deverá ser uma obra que leve o Maranhão e o seu povo a trilhar o caminho do desenvolvimento endógeno harmonioso.
O elitismo das camadas dominantes, presente em nossa formação histórica e social, precisa ser substituído por uma nova sociabilidade, centrada nos princípios da igualdade e da liberdade. Fundamentos de uma nova ordem que haveremos de construir, instituindo novas subjetividades democráticas que possibilitem ao Maranhão o reencontro com o seu sonhado destino civilizatório.
Um comentário:
Olá, sou uma descendente de Martinus Hoyer e gostei muito do que vc escreveu sobre ele em relação a associação comercial.Será
que o você pode me ajudar com mais algum material que vc tenha dele?!
Minha família vai prestar uma homenagem ao Martinus, contando sua importância nos 400 anos de São Luis.
Muito Grata.
Patríia Hoyer
patricia@hoyer.com.br
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