terça-feira, 3 de abril de 2012

INSTITUTO JACKSON LAGO: OUSAR SABER



por Raimundo Palhano

O dia 4 de abril do corrente ano reúne condições objetivas para se transformar em uma data significativa no atual contexto social do Maranhão. A razão é a inauguração do Instituto Jackson Lago, comprometido com duas causas importantíssimas e desafiadoras: preservar e dignificar a memória do seu patrono e contribuir para a superação do atraso político-cultural maranhense, responsável primeiro pelo extravio imposto à história local. Com certeza o IJL não será mais uma organização como outras do país voltadas para o culto ao personalismo ou muito menos um espaço para beatificações e santificações. Preserva-se mais a memória e revitaliza-se mais a história desconstruindo os mitos e suas falsidades do que erigindo estátuas e panteões.

Preservar a memória de Jackson Lago não combina com mitificações e apologias. Sua marca principal era a paixão e a crença na política como imperativo ético, de forma tão radical que às vezes parecia a alguns uma prática quase religiosa, eivada muitas vezes de inocência e pureza. Daí o seu despojamento material, o orgulho com que afirmava seu desprezo aos bens patrimoniais, a renúncia voluntária a toda forma de vaidade e egocentrismo e, principalmente, a humildade com que se apresentava publicamente, seja investido da condição de autoridade mais elevada; seja no desempenho do seu convívio singular com o comum das pessoas.

O compromisso com a superação do atraso político-cultural maranhense significa o emergir de uma nova cultura política que ultrapasse as práticas de poder predominantes nas últimas décadas, que ainda hoje controlam e dominam os poderes constituídos e as instituições maranhenses, cada vez mais distantes dos anseios da população inclusiva.

Uma rápida passagem pelos eixos da formação social maranhense evidencia o peso decisivo da decadência econômica nessa estrutura de poder local, responsável que foi pela fertilização de formas atrasadas impeditivas do desenvolvimento político estadual.

A visão de Jackson Lago sobre esse problema era lúcida e clara, podendo ser recolhida do Plano Plurianual - PPA 2008-2011, o primeiro do seu governo, submetido à Assembléia Legislativa no segundo semestre de 2007. No aludido documento de planejamento, em seu capítulo sobre a realidade maranhense, destaca-se que no início do século XX em diante, a cotonicultura perde de vez o seu ímpeto, entrando em regime de sobrevida e lenta extinção, interrompida apenas em curtos períodos conjunturais, como o entre-guerras. Processo de declínio que decorreu também da ação da concorrência, que desbancou os produtos locais. “O longo período de decadência só não foi maior por força de um parque fabril têxtil que se instalou no Estado, entre fins do século XIX e as primeiras décadas do século XX, em decorrência, dentre outros fatores, das facilidades para importar da Europa e Estados Unidos, por preços acessíveis, máquinas e tecnologias da primeira fase da revolução industrial”.

A partir de meados dos anos 50 do século passado, segundo o PPA referido, teve início um novo processo de acumulação capitalista no país, baseado na concentração de capitais no sudeste. As economias regionais do Brasil, como a maranhense, tiveram que se adaptar a essa nova organização produtiva. O Maranhão passou então a cumprir o papel de área complementar de acumulação do sudeste, fato indutor do processo de desarticulação da tradicional economia local, atingindo mortalmente o setor têxtil. “Não houve nenhum processo produtivo inovador ou tecnologicamente avançado. A rigor a economia passou a depender quase inteiramente das atividades agrícolas e extrativas, que não obedeceram, em seu processo de implantação, a nenhum critério de racionalidade e planejamento econômicos. Rapidamente o Maranhão se transformou em área de reserva do capitalismo em expansão, estimulada pelos incentivos fiscais, que atraíram para a região os capitais excedentes acumulados no centro dinâmico da economia”.

O paradoxo da economia maranhense, segundo o PPA do Governador Jackson Lago, “reside no fato dos investimentos infraestruturais não terem provocado taxas de crescimento do produto em níveis satisfatórios e, sobretudo desenvolvido as cadeias de produção. A explicação mais plausível para o fenômeno está na quase inexistente agregação de valores à produção pela economia local, tanto em relação aos setores dinâmicos, como minero-metalúrgico e agronegócio da soja, como em relação aos setores tradicionais ligados à agropecuária e à agricultura familiar”. O documento resume a situação da seguinte maneira, a partir da delimitação das duas dimensões da economia maranhense contemporânea: a dos grandes projetos, voltada para os mercados globalizados, claramente enclavistas, e as outras economias, em geral pequenas, muitas de cunho familiar, com baixíssima densidade tecnológica e de geração de excedentes. Diante desse quadro, o documento é enfático: “sem um projeto de desenvolvimento sustentável, construído e operado pelo governo, sociedade e setor econômico, tendo como alvo a superação da pobreza e o bem comum da população, não haverá a menor chance de modificação dos atuais parâmetros da economia local”.

O mestre dos economistas maranhenses, Ignacio Rangel, dizia aos seus filhos que a única herança que valeria deixar para os epígonos era a régua, o compasso e a bússola. Todos eles, indistintamente, os receberam como primeiro presente do amoroso pai. Jackson fez o mesmo em relação ao Instituto, pois deixou orientações, mapas e linhas mestras a serem palmilhadas.

Inspirar-se na memória de Jackson e, ao mesmo tempo, contribuir para tirar o Maranhão do extravio deixa patente que a principal estratégia de ação do IJL deverá ser a de virar o Maranhão pelo avesso. O desejo profundo do Governador era esse, sem dúvida. Na Mensagem em que submete ao Legislativo o já destacado PPA 2008-2011, alerta que o Maranhão continuava tutelado por idealizações, mitos e lendas sobre a sua realidade e os seus desafios. Nas palavras do Governador: “...decorrem desta maneira especial de olhar introspectivamente o Maranhão as dificuldades relacionadas a todo e qualquer esforço de interpretação sobre o presente, o passado e o futuro desta terra e de seu povo”, para, enfim, concluir: “...é preciso passar a limpo o que foi, o que é e o que será o Maranhão... Isto significa, antes de tudo, colocar os mitos de cabeça para baixo, revelar os avessos, confrontar a razão patrimonialista e, sobretudo, ajudar a produzir uma cosmovisão que ocupe o lugar das explicações hegemônicas. Significa também enfrentar os curadores de um espólio intelectual já ultrapassado, mas que ainda continua servindo como panacéia ideológica em favor do conservadorismo anacrônico e do elitismo arrogante”.

Acredito que uma das explicações para a perpetuação da já muito longa decadência política do Maranhão se deva ao aprisionamento da capacidade de ser do seu povo, fenômeno que transborda a todas as camadas sociais. Os fatos cotidianos da sociedade inclusiva parecem evidenciar que há uma renúncia cívica geral, a ponto de muitos não se sentirem como portadores da história. Não há outra razão mais forte para justificar a aceitação passiva das “certezas dogmáticas” das elites políticas locais sobre esta terra e o seu destino.

A escolha do título desta pequena contribuição reflete sobre este dilema. Remete a Kant e ao lema que usou para compor sua célebre resposta aos críticos do iluminismo, intitulada “O que é esclarecimento?”: sapere aude; ousar saber! Vejo aqui a régua, o compasso e a bússola deixados como herança para o Instituto pelo seu patrono. Fácil conseguir tudo isso? Óbvio que não. Está no centro de tudo a apropriação e manutenção de poderes os mais desejados e disputados. Além da maior e das mais desafiadoras das utopias em toda a história humana: a conquista da democracia propriamente dita. Kant acreditava mais no pensamento do que na teologia. Desenvolveu sua metafísica prática certo de que o pensamento excede infinitamente o conhecimento, as “certezas”. Seria certamente um exagero afirmar-se que o Maranhão ainda se encontra na era das trevas, mas é bastante plausível admitir-se que ainda não chegou à era das luzes em matéria de cultura política.

Ouse saber, ouse pensar e ouse agir Instituto Jackson Lago. Estimule o povo maranhense a reagir contra aqueles que pretendem mantê-lo como caricatura de imposições escravizadoras. Contribua para desbloquear as muitas cabeças que servem aos interesses dos que dominam tudo e todos. As lógicas econômicas estão mudando e precisa-se ter capacidade de interpelá-las em favor de uma nova sociabilidade baseada na democracia e na justiça. Há um novo arranjo institucional de poder em gestação, o qual se precisa assimilar e acompanhar ativamente. Novos movimentos sociais estão surgindo no lugar dos que se institucionalizaram e ficaram para trás. Novos conceitos de desenvolvimento tomam força e são repensados a partir do ponto de vista das populações tradicionais da região. É preciso captar as inovações e a criatividades desses novos sujeitos que surgem na Amazônia e no Nordeste do Brasil. Vida longa, Instituto Jackson Lago e boa sorte!

2 comentários:

Unknown disse...

Li o seu artigo IJL Ousar Saber. Me encanto cada vez que o ouço ou leio. Fígura ímpar no espectro da intelectualidade maranhense, você, mestre Palhano, tem nos convidado permanentemente a ver mais longe e acreditar que outro Maranhão é possível. Aziz

Raimundo Palhano disse...

Estimado e generoso companheiro Aziz, suas palavras são relevantes para todos nós que acreditamos em um Maranhão melhor, mais humano e desenvolvido. Viva o IJL.