terça-feira, 1 de outubro de 2013

A REVELAÇÃO

por Raimundo Palhano

“O que eles não sabem, o que jamais aprenderão,
é que no meu lugar milhares se levantarão
para combater o atraso e a mentira...”
Jackson Lago

Em 257 páginas, organizadas e embelezadas por mãos de artesãos cuidadosos, que vão além dos cinzéis delicados de Jhonatan Almada, do engenho de Aziz Santos e tantos outros escultores da liberdade, o Instituto Jackson Lago – IJL acaba de publicar o livro Governo Jackson: O Legado, difundido quase que simultaneamente em Imperatriz e São Luís, no final de setembro de 2013, cidades que marcaram a vida pública do seu Patrono e Inspirador.

Na retaguarda e na linha de frente, ao mesmo tempo, a figura singular de Clay Lago, viúva do ex-governador e presidente do Instituto, responsável direta pela façanha de dar vida, em um prazo extremamente curto, a um projeto institucional de grande magnitude, difícil de concretizar em contextos como o maranhense, submetidos cotidianamente a desafios gigantescos nos aspectos políticos, sociais e econômicos. Passar a limpo a realidade maranhense e as suas circunstâncias, numa perspectiva de fomentar o contrapoder popular e democrático é algo dificílimo e enormemente penoso.

Nesses seus menos de dois anos de vida, o IJL já se encontra devidamente formalizado, com sede provisória bem estruturada; instituiu um padrão de funcionamento estável e regular da sua diretoria; manteve articulada a militância mais próxima e atrai novos parceiros; realizou debates públicos do mais alto nível, com personalidades como Marco Antonio Villa, João Pedro Stédile e Beatriz Bissio; publicou revista, livro e, principalmente, avançou no mapeamento do acervo documental, iconográfico e histórico a respeito da trajetória do Patrono, destacando-se a elaboração de um plano de ações estratégicas, que culminará com a inauguração, em prazo não muito distante, de um centro cultural à altura do Legado e das necessidades de desenvolvimento e emancipação político e cultural do povo maranhense.  

O livro sobre o Legado do governo Jackson Lago chega a tempo de evitar que se apague da memória coletiva a verdade da sua gestão à frente do Executivo. Em tempo algum da formação maranhense se tem conhecimento de uma orquestração política tão eficaz, voltada exclusiva e impiedosamente para apagar da memória do povo um período marcante da história política local. Igor Lago, filho aguerrido e zeloso guardião da obra do ex-governador, a esse respeito se posiciona na orelha do livro em referência, com toda a propriedade: “um governo plural tão combatido, mesmo antes de assumir; tão agredido e sabotado, durante; e, tão desdenhado, após seu fim...”

O Legado não é uma apologia infundada, nem muito menos um incenso apagado e indolor. A matéria-prima com a qual se nutre e fundamenta decorre das mais distintas latitudes de seu governo, produzida por atores sociais e políticos que vislumbraram ali a oportunidade de virar a página da história, em uma sociedade dominada por senhores e coronéis.

Não se trata de um relatório administrativo puro e simples. O Legado deve ser lido como uma carta de navegação, como um relatório de viagem rumo a um Maranhão desejado por legiões de maranhenses que, em distintos tempos existenciais, sonharam com a mudança de um modelo de sociedade que favoreceu apenas aos seus mandatários e donatários.

É um mergulho no mar dos Sargaços, com todo o seu simbolismo e dualidade. Se para os antigos navegantes aquele mar acolhia bestas marinhas e monstros assustadores, que se moviam lentamente entre as embarcações dos navegantes; para outros, felizmente, é também a vitória da ousadia de um timoneiro, seja Colombo, seja Jackson, que abriu as portas do Novo Mundo, singrando um mar tenebroso e sem vento.

Como toda carta de navegação requer do navegante que penetre nas entranhas do mapa. Com toda certeza encontrará, aqui e ali, fantasmas e sonhos, natural quando se busca reinventar uma sociedade pisoteada em sua dignidade humana ao longo dos tempos.

Depois do Legado, por mais insanos que sejam os detratores, não se poderá mais dizer que nada foi feito pelo Governo Jackson. Não se poderá mais acusá-lo de incompetência e omissão, mesmo sob a mais feroz das críticas.


Se inconformados ainda houver, mesmo dentre aqueles que merecem todo o respeito pela honestidade intelectual, o livro registra a trajetória de um político único e exemplar que resistiu bravamente e lutou até a morte por suas crenças e devoção ao povo da sua terra. Por tudo isso é uma obra para hoje e para a posteridade.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

BOM DIA, VICTOR ASSELIN,

por Raimundo Palhano


Recebo, com muito pesar, o comunicado de sua viagem. Viagens sem volta são sempre sofridas. Fiquei abatido e tomado de saudades. Por isso demorei a responder ao seu e-mail.

Difícil dizer alguma coisa quando pessoas como Você decidem queimar os navios e partir. Você deixa um grande vazio em nosso meio e no coração dos que desfrutaram de sua presença. Muita gente da minha e de tantas outras gerações de maranhenses receberam sua influência benfazeja.

Dê-nos um sinal sobre o seu esconderijo. Sei que Você se misturou à terra, à água e ao fogo e continua construindo esperanças celestiais. Mesmo que não queira passar o seu novo e-mail, peça-o emprestado a um dos seus anjos e não deixe de me enviar suas inspiradas mensagens. Tenho todas as que me enviou ultimamente arquivadas, e sempre as leio para escapar dos momentos de solidão e dos desassossegos.

As coisas estão viradas e virando por aqui. Vamos precisar muito de sua coragem e destemor. Não é fácil mudar os desequilíbrios sociais em contextos marcados por costumes arraigados e padrões culturais cristalizados e elitistas.

A realidade em volta da esfera política parece ser uma conspiração contra a dignidade humana. O rebanho está desgarrado e caminhando em direções incertas e perigosas. Impossível atravessar o rubicão sem enfrentar e vencer caminhos tortuosos e procelas devastadoras. O sinal está fechado, as saídas nebulosas e a bússola dos caminhantes perdeu o magnetismo.

Continuo acreditando na beleza, na bondade e no bem, a despeito dos pesadelos mais frequentes. Sobre a possibilidade de uma sociedade justa e boa para todos tenho feito um esforço incomum para não desistir de acreditar. Creio também que para alcançar tudo isso é preciso muita fé e coragem, muito carisma, muita mística, como Você gostava de dizer.

Aí do alto, ou do ventre da terra, seria importante que Você escrevesse mais um livro para os muitos que temem verem suas crenças e sonhos serem grilados, subsumidos aos apetites do comércio de mercadorias.

Conheci o Canadá, seu lindo país, faz anos. Tinha interesse em visitar a terra de missionários canadenses excepcionais, pelo muito que fizeram, por décadas, pelo Maranhão e seu povo mais despossuído, com os quis nutri admiração e amizade.

Posso afirmar que nesse tempo todo se construiu um verdadeiro e singular encontro de civilizações, tendo sido Você, sem a menor dúvida, a maior e mais fecunda fonte de inspiração e o maior e mais efetivo exemplo de resistência, perseverança e luta.

Termino aqui o meu lamento e recomeço agora a minha esperança na ressurreição de sua mística em favor da educação e da libertação do povo maranhense.

Peço-lhe, por fim, que não deixe de me enviar aqueles e-mails surpreendentemente ternos e carregados de coragem que Você me enviava, mesmo sabendo que a hora da partida havia soado.


Com todo o meu carinho e afeto.

segunda-feira, 15 de abril de 2013

O FIM DO MARANHÃO


(Para não esquecer Jackson Lago e o Golpe de 17 de Abril de 2009)

por Raimundo Palhano

Já era a madrugada do dia seguinte à cassação e o sono me faltava. Sendo abril, o vento permanecia escasso. Havia desconforto fora e dentro dos meus pensamentos. As imagens da dura realidade não me abandonavam. Vi-me em São Paulo, diante da internet, buscando notícias sobre a posse de Rosa, a nova governadora.

Na medida em que as lembranças me vinham chegando era como se estivessem me transportando em um túnel do tempo, a um lugar que me apavorava. Vi fantasmas saindo do sepulcro e dândis impecáveis surgindo entre os poros do tempo para celebrar o retorno da princesa.

Mais perplexo fiquei ao tomar conhecimento dos seus dois primeiros atos administrativos: o primeiro, mudando em definitivo o nome do Maranhão para Marderosas, lei esta que já havia sido promulgada em 1966 pelo Chefe do Clã; e o segundo, retirando do seu próprio nome o gentílico Alexei.

Rosa, a guerreira, vinha de fato predestinada a decretar o fim do Estado da Mentira e extirpar do seu próprio nome o que soava falso e duvidoso. Com sua espada invencível, forjada em um sem número de batalhas espetaculares, como anunciavam as suas trombetas, e usando uma nova máscara de zorro, de um só golpe, decretava a morte de uma província que já não prestava para nada e instituía o seu próprio reinado, procurando convencer aos súditos que dispensara a proteção do Rei, pai e guardião de toda hora, então sob fogo cerrado e fortíssimos ataques da mídia nacional.

        Para alguém como eu, que havia retirado um órgão precioso do corpo e estava ali na paulicéia para ver se os outros estavam em ordem, ler aquelas notícias foi como levar mais um soco no estômago, agora muito mais dolorido, pois ainda estava com as marcas vivas das costuras cirúrgicas.

Na cabeça de Rosa a solução dos problemas maranhenses finalmente estava dada: apeado do trono JL, ficara mais fácil decretar, agora para valer, o fim do Maranhão, pondo em seu lugar Marderosas.

Vi aparecerem em minha frente aqueles bonecões da Rosailude, muito usados pelo movimento balaiada em seus atos de protesto e vigília cívica em frente ao palácio do governo, durante o processo de julgamento de JL pelo Tribunal Superior Eleitoral de Brasília.

        Levantei-me da cama às quatro da madrugada e fui à janela. As ruas que me saltavam aos olhos estavam desertas, preenchidas apenas pelos silenciosos motores dos poucos veículos insones que cruzavam suas artérias. Do sexto andar do meu prédio ouvia a ritmada cadência da maré e notava as luzes apagadas dos edifícios do bairro.

Vendo aquele cenário cheguei mesmo a admitir que o Maranhão havia acabado e que eu estava realmente em Marderosas: tudo parecia falsamente harmonioso, o silêncio sem alarme e alma, as linhas de uma arquitetura cristalizada ou em decomposição.

Aos poucos fui percebendo que o cansaço físico estava me deixando fora do contexto. Precisava imediatamente de um travesseiro para dormir o pouco da noite que ainda restava. Fechei os olhos e com medo de novos pesadelos e da escuridão, adormeci por quatro anos.