É como se já tivesse havido o fim das oligarquias no Maranhão, o poder público deixado de ser “privado”, os municípios fossem autônomos, os grandes projetos rurais e urbanos substituídos por uma economia local sustentável e o povo tivesse acesso a uma educação de qualidade...
É como se já tivesse havido a reinvenção do Maranhão e o apodrecido torrão timbira estivesse em definitivo morto e sepultado, juntamente com suas mazelas sociais, seus mitos alienadores, suas injustiças e concentrações abomináveis de poderes e riquezas...
É essa a impressão que tenho toda vez que ouço o discurso sobre os mágicos poderes do Índice de Desenvolvimento Humano, o consagrado IDH, como sinal do desenvolvimento sustentável. Organizam suas idéias de modo tão solenemente intangíveis que os argumentos mais parecem celebrações litúrgicas que propostas a serem discutidas e aprovadas pela sociedade.
Venho de uma geração de sonhadores renitentes. Idealizamos o Maranhão como uma utopia viável, onde injustiças e desigualdades, riqueza e pobreza, governantes e governados seriam superados por formas novas de sociabilidade, pautadas na equidade e na inexistência de assimetrias sociais. Por essa razão éramos exigentes ao formular projetos de desenvolvimento para esta terra. Fazíamos sondagens profundas sobre a nossa história, a identidade cultural do nosso povo e buscávamos teorias e técnicas consistentes para referendar nossos sonhos.
Os “desenvolvimentistas” de hoje ritualizam idéias muito pontuais e de eficácia duvidosa, a ponto de banalizarem as soluções para o atraso e o subdesenvolvimento maranhense. É o que se pode depreender quando apresentam, sob formato religioso, os poderes messiânicos do IDH. Creio ser uma redundância continuar planejando o desenvolvimento sustentável do Maranhão focando prioritariamente no desempenho das variáveis que compõem o referido indicador, no caso a esperança de vida ao nascer, as matrículas escolares e a renda per-capita. Não é que não sejam variáveis importantes para medir o crescimento; o que não deve continuar é a falta de juízo crítico sobre os limites do referido índice, sobretudo o reconhecimento de evidenciará quantidades relativas e não situações absolutas de inclusão social. Como essas atividades poderão impactar, na intensidade desejável, o sistema econômico maranhense, em qualquer de suas dimensões, posto que ainda permanece sob o predomínio absoluto de meros aglomerados produtivos, praticamente não existindo cadeias e muito menos ainda arranjos produtivos visíveis?
Enquanto os planejadores orientarem suas estratégias apenas na melhoria do IDH, priorizando apenas finalidades com alta dosagem de abstração e irrealismo, dando pouca ênfase na produção de meios necessários à internalização dos processos produtivos, um novo ciclo de grandes projetos toma vulto, com as mesmas características do passado, só que agora com poder de fogo cinco vezes maior, indo do agro-negócio da soja ao pólo-siderúrgico previsto para a Capital. Parecem os estrategistas indiferentes ao fato de que a ordem mundial é cada vez mais dominada por princípios e práticas que desafiam a regulação e o controle das nações, das regiões e dos estados federados, no que condenam a antiqüíssima Palmátria, o Maranhão alegórico dos poetas, a continuar perseguindo o insólito objetivo de reinventar a roda.
Não há como planejar o desenvolvimento sustentável do Maranhão sem considerar o papel decisivo dos municípios nesse processo, sobretudo pelo fato da elevada municipalização das políticas públicas. Os resultados da pesquisa “Produto Interno Bruto dos Municípios 1999-2002”, divulgados não faz muito tempo pelo IBGE, revelam o quadro de insustentabilidade da grande maioria dessas comunas. Dos 100 municípios com mais baixos PIB per-capita, 83 estavam no Maranhão. Quase 60% de todo o PIB estadual é gerado por apenas 10 dos seus 217 municípios. Não há uma produção local que os sustente em sua esmagadora maioria: dependem quase plenamente das transferências constitucionais e das aposentadorias da previdência social. Só existem basicamente dois pólos que geram produto e renda: o da grande São Luís, centrado nos serviços, turismo, comércio, indústria e na infra-estrutura para o complexo portuário do Itaqui e o do Sul, baseado na agropecuária e no agro-negócio, em especial da soja. No lugar de focar em metas pontuais, por quê não investir o fundo público, mesmo reduzido pelos encargos do endividamento expressivo, em serviços de utilidade pública, obras públicas, agricultura familiar, agroecologia, agroindústria? Por quê não estimular a produção de novas tecnologias sociais que se voltem para o desenvolvimento sustentável dos municípios, tanto para as áreas urbanas, como para as áreas rurais?
Os técnicos que hoje planejam o desenvolvimento do Maranhão, sob o Governo Jackson Lago, sabem que apenas elevar o IDH não garante a sustentabilidade do desenvolvimento em estados como o Maranhão, marcados por deficiências estruturais em seu sistema produtivo. Precisa-se mais do que nunca de um pensamento novo e várias estratégias para equacionar as múltiplas e complexas questões estaduais. A chamada invasão capitalista é cada vez mais voraz no Maranhão e, se não for enfrentada em favor da superação da pobreza e do subdesenvolvimento, rapidamente transformará todos os recursos locais em mercadorias. O que se tem observado na história recente do Estado é a confirmação cotidiana da ignorância dos governos, em todos os níveis, sobre os perigos e ameaças a que estamos submetidos por falta dessa atitude ética em relação ao processo estadual de desenvolvimento.
Nada é sempre e plenamente linear na vida social e muito menos nos processos históricos. A história das sociedades não se constrói como um sistema integrado, interligado e muito menos coeso. O inaudito, os sonhos e as utopias fazem parte também desse movimento e, em alguns casos, chegam a ser até mesmo definidores de destinos. Sem esquecer que a história dos vencedores jamais representa a vitória do bem sobre o mal, mas, também, a vitória da infâmia, tão bem retratada nos contos de Borges.
Em Palmátria, o Maranhão alegórico dos poetas, os sinais indicam que o aristotelismo escolástico será superado, principalmente quando se evidencia a recusa em se adotar metas salvadoras. O mundo dos escolásticos, como se sabe, era uma enorme hierarquia, um imenso Portugal no caso colonial brasileiro. No escolasticismo a realidade é algo considerado inato, portanto não pode ser mudada, a não ser por vontade divina, o que obviamente não se aplica mais nos dias de hoje. Sobretudo pelo fato do Estado viver uma crise de hegemonia e permanecer em situação de erosão. Para viabilizar-se necessita gerar políticas públicas que respondam satisfatoriamente as demandas sociais. Para tanto torna-se urgente produzir formas justas e adequadas de repartição do fundo público, sem o que não se resolverão os conflitos inadiáveis e menos ainda se equacionarão os problemas que impedem o processo de consolidação dos meios necessários à efetivação do desenvolvimento sustentável.
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