domingo, 4 de outubro de 2009
MERCEDES
A América Latina acorda hoje em silêncio. Na Argentina o sol fechou os olhos longamente. O tempo esqueceu a vida por algum tempo. O país todo chora e sente saudades. Tucumán subiu à mais alta de suas montanhas para ver se ainda era possível ver suas derradeiras pegadas. Estive lá em 2008 e fiquei fascinado pela música tucumana. Era o chão inspirador de Mercedes Sosa.
O Brasil não esconde as lágrimas. O sol das praias e a euforia olímpica da população não superam a falta que Mercedes faz. Com ela andávamos de mãos dadas. Argentinos, brasileiros, chilenos, uruguaios, venezuelanos e cubanos. Canção com todos, sim, rivalidades, nunca. “Todas as vozes, todas. Todas as mãos, todas. Todo o sangue pode ser canção no vento”.
O Maranhão deve chorar mais a perda de Mercedes porque vive uma encruzilhada. A oração que cantava a Deus para que não se seja indiferente precisa ecoar nos quatro cantos desta terra. Sua voz soberana cantou como ninguém os malefícios da injustiça e da mentira. “Eu só peço a Deus que a injustiça não me seja indiferente. Pois não posso dar a outra face, se já foi machucada brutalmente”. “... Que a mentira não me seja indiferente. Se um só traidor tem mais poder que um povo, que este povo não esqueça facilmente”.
Para mim é mais uma parte do meu coração de estudante que se despede para sempre. Os sonhos que sonhei com mais fervor foram os dos anos 1960, no fim da minha adolescência, sobretudo os do tempo em que estudava no Rio de Janeiro, em plena efervescência do movimento estudantil, motivado pelo combate à ditadura militar. Mercedes começou a despontar em 1965, na esteira da chamada nueva canción latino-americana. Cantava a união de todos os povos do nosso subcontinente. Sua música sempre plena de raízes crioulas, africanas, cubanas, andinas e espanholas nos fascinava a todos.
Mercedes é a grandeza e a beleza da mulher latino-americana, vitoriosa na luta contra os poderes do domínio masculino, ainda exacerbado em muitos lugares. Por isso seu canto sempre foi referencial na luta dos oprimidos e iluminou os sonhos dos jovens e dos revolucionários dessa parte do mundo.
Pelo menos duas mulheres foram inspiradoras de Mercedes, dentro do seu vastíssimo e valioso repertório musical. A primeira, a chilena Violeta Parra, autora dos clássicos Volver a los 17 e Gracias a la vida, plenas de lirismo e de amor. Violeta amargurada, que de tanto tormento, acabou dando cabo da própria vida; e Alfonsina Storni, imigrante européia, cuja saga está presente na composição de Ariel Ramirez e Felix Luna, que também, para fugir da dor, entrega-se ao suicídio.
Quem apagará da lembrança o refrão de Volver a los 17, puro hino ao amor: “... vai se envolvendo, envolvendo, como no muro a hera. E vai brotando, brotando, como o musgo na pedra. Como o musgo na pedra, ai sim, sim, sim.” Ou o lirismo puro de Gracias a la vida, pelos olhos, pelos ouvidos, pelo abecedário, pela marcha dos pés cansados, pelo coração, pelo riso e pelo pranto, sublimes em sua voz marcante, proclamando “...graças à vida que me deu tanto. Me deu dois luzeiros que, quando os abro, perfeito distingo o preto do branco e no alto céu seu fundo estrelado. E na multidão o homem que amo”. Ou ainda a comovente Alfonsina y el mar: “...um caminho sozinho, de penas mudas chegou até a espuma. Tu vais Alfonsina, com tua solidão. Que poemas novos fostes buscar?”.
Apagou-se a mais bela e sensível voz do protesto latino-americano contra o imperialismo e as ditaduras. Entre os anos 1970 e 1980 seu canto percorreu a rota das almas generosas da juventude latina. Deixou um legado único, um tesouro para dar sentido à vida de milhões de seres humanos abandonados à própria sorte.
Mercedes soltava a voz para afirmar que “Todo cambia”, que tudo muda. Tudo muda, até o rumo do caminhante. Parecia a profetiza da esperança a dizer que a dor e o sofrimento também podem acabar. Como esse canto embalava a crença em um mundo melhor e animava os inconformados a não desistirem dos seus sonhos de liberdade!.
Em Solo le pido a Dios Mercedes implora que a morte não a encontre um dia solitária, sem ter feito o que queria. Teve o seu desejo plenamente atendido. Fez tudo o que quis e muito mais. Fez por milhares de jovens, homens e mulheres do mundo todo, sobretudo para nós sul-americanos, o que mais necessitávamos: ajudou-nos a não sermos indiferentes à injustiça, à pobreza, à violência e à opressão política.
Estamos órfãos de Mercedes Sosa. Deixou-nos viva a sua arte e o seu canto, que continuarão embalando os sonhos nossos de cada dia e das gerações novas que estão chegando. Provavelmente continuará cantando para mulheres que dão ou deram suas vidas ao povo do Brasil e do Maranhão, como Nísia Floresta, Carlota Carvalho e Maria Aragão.
Tenho certeza que fitará o Maranhão de onde estiver. Não deixará que a fraqueza nos abata. Continuará pedindo a Deus que a indiferença saia para sempre de nossas vidas. Todo cambia!
sábado, 12 de setembro de 2009
VALLA
Soube por Célia Linhares que no dia 8 de setembro, no Rio de Janeiro onde morava, Victor Vincent Valla tomou o rumo das estrelas e partiu sem ter tido o tempo necessário para dizer adeus. Conheci-o em meados dos anos 1980, quando cursava o mestrado em história social da urbanização e industrialização na Universidade Federal Fluminense.
Foi frequentando suas aulas que encontrei inspiração para escrever a minha dissertação sobre a produção da coisa pública em São Luís, durante a fase da Primeira República. Tornou-se, assim, não só o meu orientador acadêmico, mas, sobretudo, um amigo, daqueles que se guarda no lado esquerdo do peito.
Ao longo de minha formação educacional e acadêmica tive algumas influências marcantes. Valla foi uma delas. Bem diferente de muitas outras. Era um intelectual profundamente original e engajado. Anticonvencional em tudo. Não era um exibicionista. Não fazia da cena didática um palco iluninado. Sua ênfase maior não era o corpo. Era a alma. Não a alma platônica, separada do corpo, mas a alma viva da inteleigência e da sensibilidade humana.
Pouquíssimas vezes vi-o fazendo citações de autores consagrados e demonstrações de erudição. Era um estimulador da busca da autoria, do pensamento próprio. Nunca se posicionava como acadêmico que sabe sobre todas as coisas. Apresentava-se como um curioso, um aprendente, um cérebro encantado com os materiais da vida cotidiana. Um apaixonado por tudo que implicasse em construção de conhecimentos, sobretudo que dissessem respeito às camadas populares.
Aprendi muitas coisas com ele. Primeiramente, a gostar e de tomar cafezinhos. Chegado ao Brasil nos anos 1960( embora tenha se naturalizado brasileiro, era californiano de nascimento ), dizia-me que aprendera aqui que a melhor forma de acabar uma discussão calorosa era convidar os contendores a uma xícara de café bem quente, fumegante. Depois do café era tiro certo: vinha o consenso, naturalmente. Outras que me ensinou: o encantamento com as questões da cidadania, o respeito quase sagrado à esfera pública e o papel decisivo da participação popular para a construção da democracia no Brasil.
Para demonstrar a relevância de todo esse complexo temático, Victor Valla ressignificava o conceito de verba pública, afirmando que a melhor maneira de se saber, em uma determinada comunidade, qual era o verdadeiro valor dado à cidadania, bastava verificar como o poder público gastava os recursos do tesouro. Se priorizava a reprodução da força de trabalho, ou se dava preferência à reprodução do capital. Daí a importância que tinha em suas análises o controle social sobre o orçamento e a verba pública, como maneira de assegurar mais investimentos em serviços públicos de consumo coletivo.
Dizia-me não entender porque nós usávamos a palavra “infelizmente” quando queríamos negar um pedido ou comunicar um fato desairoso. “O que é que tem a ver a felicidade com isso"?. Sem uma explicação plausível, permanecia quase sempre sob intensa inquietação "filosófica". Era portanto um perguntador desconcertante, bem mais do que um respondente, apesar de ter sido uma fina estampa, tranquila e acolhedora.
Suas perguntas, aparentemente óbvias, sobre o dia a dia de toda hora deixavam em mim uma sensação de que boa parte do que fazíamos rotineiramente, o fazíamos sem compreender bem do que se tratava. Ficava sempre claro que por mais evidente que fosse o significado de muitos conceitos, infinitas perguntas ainda poderiam ser feitas e infinitas respostas poderiam ser dadas.
Valla era pós-doutor em História Social pela University of California, doutor e mestre pela Universidade de São Paulo-USP e graduado, em 1959, em educação pela Saint Edwards University dos Estados Unidos. Ocupava o cargo de Professor Adjunto da Universidade Federal Fluminense e Pesquisador Titular da Escola Nacional de Saúde Pública, da Fundação Oswaldo Cruz. Suas linhas de pesquisa eram majoritariamente o cotidiano escolar e dos movimentos populares e educação, saúde e cidadania.
Produziu muita coisa boa que será descoberta e valorizada ainda por muito tempo nesse nosso país que vai aos poucos de instituindo como nação e civilização madura. Seu legado interessa muito mais aos que estão do lado do povo brasileiro do que aos que se vinculam aos interesses das elites. Por isso o seu nome não circulava muito nos saraus literários e muito menos nos salões de festa da sociedade hierarquizada.
Os primeiros trabalhos que produziu foram sobre a presença dos Estados Unidos no Brasil, com destaque à parte referente à economia, refletindo assim o interesse primário em conhecer mais a fundo o país que escolhera como segunda pátria. Daí foi um passo para que fizesse as escolhas que iriam marcar a sua trajetória profissional como professor, pesquisador e cidadão brasileiro por vontade própria: a educação popular, os movimentos sociais e a cidadania ativa.
Uma de suas maiores preocupações e contribuições no campo do estudo e pesquisa foi decodificar o ponto de vista científico dos intelectuais acadêmicos para que fosse assimilado pelas camadas populares e vice-versa. Passou muitos anos procurando conhecer e traduzir o “ponto de vista popular”, sobretudo em relação às questões da educação e da saúde. Com isso buscava atingir níveis efetivos de desenvolvimento das políticas públicas nas duas mencionadas áreas.
Veio à nossa terra umas duas vezes. Tinha muita curiosidade em conhecer a “terra do Sarney”, alvo constante na época de muita troça e curiosidade. Daqui mesmo a única referência que tinha era aquela e um certo conhecimento sobre alguns trabalhos de Ozanira Silva e Silva, professora da Universidade Federal do Maranhão, cuja obra começava a ser conhecida em círculos acadêmicos nacionais qualificados. Em um dos eventos que promovemos com a participação dele, lembrou-me Hiroshi Matsumoto à pouco, destinado a representantes de sindicatos e movimentos populares, de tanta gente que se fazia presente, fez com que alguns desatentos chegassem a indagar se ali era uma reunião onde iriam distribuir peixes aos pobres.
O grande laboratório no qual testava a veracidade de suas hipóteses científicas era o Cepel, o Centro de Estudos e Pesquisas da Leopoldina, uma organização da sociedade civil voltada ao apoio das ações dos movimentos populares localizados na aludida região da periferia do Rio de Janeiro. O triângulo amoroso de sua vida de estudioso era constituído de três pontos de referência: a pós-graduação em educação e a pós-graduação em história da UFF; a Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz e o Cepel da Leopoldina.
Nos limites desse triângulo mágico, produziu riquezas a respeito da educação popular, dos falares das classes subalternas, das favelas, do trabalho interdisciplinar e de tantas outras questões, como a do fracasso escolar. O Cepel evoluiu também, na cadência do seu mais ilustre inspirador. Integrou-se a uma rede de solidariedade da Leopoldina e virou um centro de documentação sobre as condições de vida do povo leopoldinense.
As mais recentes contribuições de Valla se situam no estudo e na construção metodológica de um processo de vigilância civil da saúde pública e na implantação de uma Ouvidoria Coletiva para lutar pelo respeito aos direitos humanos e da cidadania na Leopoldina.
Em seu comunicado do dia 8, dizia-me Célia que Victor Vincent Valla resistira bravamente às dores da enfermidade. Há mais ou menos uma década atrás fora vítima de um acidente vascular em pleno voo para uma conferência que faria no Paraná. Mesmo com as atividades motoras comprometidas, jamais se entregou e sempre procurou conduzir o seu projeto existencial até o momento em que pode respirar.
Para nós maranhenses defensores da democracia, da cidadania e da liberdade, vivendo atualmente uma das mais decisivas encruzilhadas políticas de nossa história, como povo e como militantes, o exemplo e a herança deixada por este brasileiro convicto nos chega em boa hora. Sobretudo pelo fato de ter sido uma espécie de “vala iluminada” que recolhia, o tempo todo, as águas doces que escorriam das terras da vida, conduzindo-as a solos áridos em favor do bem comum do povo brasileiro.
Para mim, de quem foi mestre, sentirei muita falta de suas perguntas matreiras e dele me lembrarei sempre toda vez que tomar um cafezinho, seja por puro deleite, ou para apagar os grandes incêndios da vaidade humana.
Náo se esqueça da gente, onde Você estiver, camarada amigo! Vamos precisar muito de sua ajuda para reinventar o Maranhão e assim podermos tê-lo outra vez como nosso hóspede de honra, esperando, obviamente, que depois da visita Você espalhe por aí que, finalmente, no Maranhão, chegou a vez do povo e que este chão não pertencerá nunca mais a quem quer que seja. A partir desse dia, fique certo, nunca mais recorremos à "infelicidade" para justificar os nossos equívocos políticos e omissões históricas. E aí Você dormirá em paz!
sábado, 22 de agosto de 2009
BALANÇA MAS NÃO CAI
por Raimundo Palhano
O título desta postagem é inspirado no artigo Entre a Parvoíce e a Capitulação, de Haroldo Sabóia, que, a propósito, tem se revelado um excelente analista da conjuntura política local e nacional, publicado em sua coluna no Jornal Pequeno de 21 do corrente mês.
Isto porque, para muitos dos que se encontram engajados na construção democrática e na luta pela derrocada do coronelismo no Maranhão, os recentes episódios do Senado Federal poderiam, aparentemente, significar que realmente o Senador José Sarney tem o “corpo fechado”. Ou, dito de outra maneira, para expressivas parcelas da população a imagem que fica gravada é a de um homem tão poderoso que está acima do bem e do mal e, por isso mesmo, a despeito do intenso bombardeio vindo da imprensa e da sociedade, balança aqui, balança ali, mas não cai.
Na postagem intitulada Os Isolados e Os Esquecidos, recentemente publicada, tento antever a morte iminente do sistema sarneysista ( no sentido de algo que ameaça acontecer em breve, não de algo que está acontecendo agora ou vai acontecer imediatamente), tomando por base os estragos produzidos pelo fim da blindagem sobre o seu fundador e a conseqüente perda de legitimidade ética do aludido sistema para o exercício da direção política.
O Presidente do Senado, no entanto, até agora não caiu, provavelmente não deixará o cargo de livre e espontânea vontade (ou pressão), apesar de um sentimento nacional de intensa e generalizada repulsa à sua permanência, demonstrados em manifestações públicas e mensuradas por institutos especializados em pesquisas de opinião.
Contando com o apoio incondicional do Presidente da República, que demonstra não temer qualquer tipo de desgaste daí decorrente, tanto para seu partido, como para sua candidata à sucessão presidencial, o Senador não só “banca o duro”, mas vai além, assumindo o papel de um ser realmente “incomum”, que sabe e exercita plenamente o imenso poder que tem, justamente por ser um dos mais destacados membros da elite brasileira, que construíram, como se sabe, um pacto de poder que está acima das instituições e que ainda hoje se mantém vivo.
Comentando o conteúdo dos Isolados e Esquecidos, o arguto e atento jornalista Daniel Mendes externou, por e-mail, sua discordância à tese do fim iminente do sarneysismo, pelo simples fato do Senador ser um dos mais ilustres integrantes do evidenciado pacto de poder das elites brasileiras.
Nas palavras de Mendes, “o pacto das elites sofre apenas o constrangimento de ver um dos seus tão “agoniado”, como você diz. Imagine quantos tapinhas nas costas e palavras de consideração ao pé do ouvido!”
Complementa ainda sua discordância sobre o nosso ponto de vista, afirmando: “Seria assim se vivêssemos em um país em que à autoridade moral correspondesse a autoridade política. Mas não é o caso. Sarney perde o desassombro de transitar por todos os círculos de poder, mas não perde uma vírgula do seu poder de influência, graças ao seu avalista, o presidente Lula”.
“Não vi, até agora - prossegue Daniel Mendes - qualquer manifestação de desidratação política de Sarney no setor elétrico. A crise é convenientemente tratada como um problema pessoal, uma atribulação a mais na vida de um político que já passou por tantas. Não se faz vinculação entre os malfeitos e todo o poder que ele mantém no ministério de maior orçamento da República. Veja o pouco caso com que as instituições e empresas públicas nem ao menos se deram ao esforço de explicar à opinião pública o pouco que já foi levantado sobre contratos, licenças e tudo o mais. Sarney perde poder político, mas esse é apenas o fardão que ele gosta de polir. Sua verdadeira obra é o controle sobre o setor elétrico, e, não podemos esquecer, sua familiar circulação pelo estamento jurídico das altas cortes.”
Longe de nos fazer desanimar e desistir, e não foi essa a intenção das reflexões do jornalista, sua análise reforça a tese de que o enfrentamento do poder oligárquico no Maranhão exige, entre outras habilidades, talento, determinação e inteligência por parte dos que se encontram na oposição. Impossível, numa realidade dessas, instituir um contra-poder popular e democrático alternativo ao regime dominante, sem que haja competência e legitimidade política concreta e autoridade moral e ética capazes de desconstruir as bases materiais e ideológicas do poder das oligarquias, de tal modo visíveis e perceptíveis pelo povo, a ponto de serem assimiladas e se traduzirem concretamente em votos.
Não se está diante de uma obra fácil e muito menos cerebrina, obviamente. A própria democracia brasileira ainda é uma incógnita. Na verdade, o que temos de marcante em nossa formação é o patrimonialismo, o sistema oligárquico e o coronelismo, os quais, ao longo do processo histórico, vão se metamorfoseando, contudo sem perder jamais as suas características e especificidades intrínsecas.
Somos verdadeiramente caudatários de uma cultura política extremamente problemática que, apesar de certos avanços, sobretudo no plano formal, ainda permanece bem distante da democracia e da valorização da cidadania. Mesmo nos dias atuais, em nosso país, não reconhecemos a soberania popular e a supremacia da Constituição, como demonstram os estudos do renomado e combativo jurista Fábio Comparato, fundador da rede de escolas populares de governo, a partir da USP.
Não precisamos portanto de muito esforço para verificar que em nosso país o “trono, o altar e a espada” e também as “altas cortes”, sempre estiveram juntos, erigindo suas próprias muralhas, olhando com desprezo para os de baixo. Essa espécie de deformação da história é a prova eloqüente de que não existe cidadania no Brasil. O grande Milton Santos, um dos mais fecundos intelectuais brasileiros e da América Latina, demonstrava cristalinamente que a classe média brasileira não luta por direitos, luta apenas para ter e garantir privilégios. Enquanto isso, na outra ponta, ao povo é, e sempre foi, negado o acesso democrático aos direitos de cidadania.
Claro outra vez que a construção democrática, por ser a maior e mais desafiadora das utopias modernas, ainda não está terminada e, muito mais ainda, não sabemos com exatidão se algum dia será efetivamente terminada, sobretudo sob o império dessa ordem mundial globalizada que inviabiliza o processo de evolução humana em harmonia.
Comparato recorre sempre a uma expressão feliz: democracia é a soberania do povo. Para transformar essa visão em realidade diz sempre que é preciso ação. “A ação é mais importante do que a contemplação”, afirma o eminente professor.
No Brasil e sobretudo no Maranhão, volto a insistir, não podemos mais nos dar ao luxo da omissão e da indiferença. Não temos mais fôlego para errar ou continuar no erro. Precisamos mais do que nunca pensar e realizar ações centrais para o processo de reelaboração da história a que estamos desafiados.
Novamente recorro a Milton Santos que sempre falava de algo que muito nos diz respeito em se tratando do Estado do Maranhão. Discorrendo sobre a cultura brasileira, afirmava que ainda não havíamos descoberto as formas de pensar a partir do nosso modo de ser. É o mesmo que assevera Eduardo Galeano, um dos símbolos da identidade latinoamericana e conterrâneo de Beatriz Bissio: “...Somos caricaturas de modos de vida que nos impõem de fora. Estamos governados por um sistema de poder que nos convence que não há virtude mais alta do que a do papagaio e habilidade comparável à habilidade do macaco”.
Precisamos, urgentemente, preencher os vazios de nossa cultura política instituindo conteúdos novos e inteligências vivas e contextualizadas às nossas formas de reação e luta. Precisamos superar a maneira dual de fundamentar o nosso discurso de oposição, indo infinitamente mais além dos limites fronteiriços entre o bem (nós) e o mal (os coronéis). O papel dos intelectuais universitários e intelectuais populares nesse campo é ajudar a esclarecer o povo e a população de um modo geral sobre que está acontecendo em nosso meio. A desinformação e o isolamento em que se encontram submetidas as camadas populares devem ser enfrentados imediatamente.
Se a política deve ser vista como a grande dimensão da vida ética, como demonstram pensadores que merecem todo o nosso respeito, o “balança-mas-não-cai” do Presidente do Senado deixa bem claro que o esvaziamento do sarneysismo é irreversível e muito poderá nos ajudar no enfrentamento do desafio de realizar a utopia democrática neste chão promissor que é o Maranhão.
segunda-feira, 17 de agosto de 2009
OS ISOLADOS E OS ESQUECIDOS
O inferno astral pelo qual passa o presidente do Senado deixará marcas profundas no sistema de poder por ele instituído no Maranhão há mais de quatro décadas. O assim chamado sarneysismo finalmente se inviabiliza e desmorona nacionalmente, de forma fulminante e sem precedentes, além de perder, por via de conseqüência, uma das suas bases estruturantes mais representativas: a força derivada de suas vinculações com o poder federal.
Claro para todos que até o presente momento esta força não desapareceu e nem desaparecerá de uma hora para outra. O Chefe da dinastia ainda reúne enorme influência no sistema partidário e em quase todas as instituições dirigentes do país. Afinal estamos tratando de um ex-Presidente da República e de um dos mais poderosos coronéis da história política brasileira recente. Aos olhos do povo brasileiro, dos formadores de opinião, dos jornalistas, da parte mais ilustrada da intelectualidade, o presidente do Senado, todavia é um ser em estado agônico e eticamente impedido de influenciar nos destinos do país.
Face ao quadro descrito, confirmando-se por completo o processo de esvaziamento do poder nacional do sarneysismo, a tendência natural é o Chefe do clã retornar plenamente para suas bases de sustentação regionais, no caso Amapá e Maranhão, com dois objetivos cristalinos: primeiramente, reunir todas as energias vitais que ainda lhe restam para garantir a continuidade do poder familiar estadual, transferindo o que sobrou do seu capital político à herdeira de sangue, atual “governadora” do Maranhão.
O segundo passo é recolher-se a uma de suas” ilhas do nunca” para descansar finalmente o velho e combalido corpo quase octogenário que, por mais bem cuidado que tenha sido, não teve inteligência suficiente para fazer escolhas certas antes de encerrar a carreira.
Ao ceder aos apelos de um apetite voraz pelo poder, que já lhe dera bem mais do que o merecido, entrou em um labirinto escuro que lhe consumiu qualquer possibilidade de redimir-se com a sua própria biografia, sua terra natal e o seu país. O todo poderoso imortal e “incomum” maranhense, aquele com mais super-poderes que esta terra foi capaz de produzir, por um castigo do destino, vai se esborrachar justamente ao pisar em simples cascas de bananas, atiradas da tradição patrimonialista e nepótica de governar, que políticos tradicionais e mortais deste país jamais se deixaram ir ao chão.
Faço estes comentários todavia para chamar a atenção de que o esvaziamento do sarneysismo no plano nacional não quer dizer sua morte automática e iminente no Maranhão e, muito menos, que a oposição ganhará facilmente a disputa pelos Leões em outubro de 2010.
O sistema dinástico implantado no Estado é ainda muito forte, com raízes e tentáculos em todos os lugares, apesar dos sinais evidentes de crise de legitimidade, de confiança e de inteligência.
Não será suplantado obviamente se as oposições não tiverem capacidade de propor e viabilizar um novo projeto de governo para o Maranhão, capaz de representar as aspirações negadas por décadas ao comum do povo maranhense.
O tempo para cumprir esse desafio, ou realizar essa missão cívica, deverá ser cuidadosamente trabalhado. Os detentores do poder no Maranhão desenvolveram uma tecnologia de governo que funcionou muito bem, voltada à reprodução e continuidade dos seus poderes. Afirmaram-se justamente ao dominarem a arte e o engenho de prometer ilusões à população por meio de processos diretos de aliciamento, troca de favores e cooptação. Sempre contaram e contam com a ajuda do estado de necessidade, baixo letramento e a desinformação de amplas parcelas do povo. Sem contar que as classes médias locais e as elites tradicionais, sejam econômicas ou políticas, sempre estiveram subordinadas compulsória ou voluntariamente a esse sistema de poder, seja para satisfazer interesses corporativos imediatos, seja por temor aos métodos de condução e afirmação política vigentes.
A nosso juízo está claro que é preciso fortalecer e ampliar o contingente dos que se opõem ao sistema de poder dominante na política local, retomando, com todo o vigor, a frente ampla de maranhenses que abominam e se saturaram dos privilégios, arrogância e elitismo da dominação oligárquica.
A experiência de pouco mais de dois anos do governo Jackson Lago representa um fato histórico dos mais relevantes, tendo deixado experiências e lições preciosas, sobretudo por revelar que é possível, pela união de muitos, derrotar o antigo regime, agora redivivo, que se espera seja enfim ultrapassado.
O ano de 2010 será emblemático, pois será uma oportunidade ímpar para completar a fase inaugural do governo injustamente deposto e interrompido da Frente de Libertação e iniciar uma outra, mais madura e melhor preparada, para derrotar finalmente os velhos paradigmas da política clânica maranhense. Será o momento da solidificação do diálogo entre lideranças oposicionistas experientes, testadas e reconhecidas e as novas lideranças que surgiram no cenário estadual em anos mais recentes, que serão os naturais substitutos e continuadores do processo de desenvolvimento político do nosso Estado.
Esta será um engenharia que não será obra apenas dos políticos, sejam da esquerda ou da oposição. Acostumamo-nos à idéia de que o desenvolvimento do Estado e das políticas públicas em geral são monopólios de poucos, em especial dos políticos, de altos consultores, de “experts” e, em menor grau, de uma elite de técnicos que operam a burocracia estatal.
O discurso da democracia participativa tem sido historicamente mero exercício retórico ou simples peça publicitária. Os outros segmentos da sociedade, de um modo geral, são chamados apenas para compor a cena ou para serem “sócios” em benesses governamentais.
Este quadro precisa mudar radicalmente. A questão é por demais complexa e desafiadora para ficar apenas sob o monopólio dos políticos profissionais. Além da participação ativa dos movimentos sociais organizados e da sociedade civil, dois segmentos são vitais para este novo momento que se avisinha: a convocação urgente da inteligência universitária e o envolvimento ativo do segmento empresarial comprometido com a democratização do Estado e com a responsabilidade social em seus empreendimentos.
Quem vive e respira diariamente o ar que cobre o território maranhense percebe com nitidez um fenômeno muito particular. No Maranhão os intelectuais universitários se isolam enquanto bloco orgânico e as camadas empresariais são surpreendentemente esquecidas em tudo que diga respeito às questões e aos problemas ligados ao desenvolvimento das políticas públicas e do Estado.
No caso dos intelectuais não é muito difícil encontrar as causas aparentes do seu isolamento. Creio que a sociedade maranhense tradicional, apesar da fama literária, jamais atribuiu valor real e poderes concretos aos seus intelectuais universitários.
Em nossa terra, como se nota, só existe realmente um tipo de intelectual reconhecido: os que freqüentam as academias literárias, embora também sejam vistos por muitos como seres distantes e viventes de um mundo fora de contexto. São em muitos casos ornamentos de um mito beletrista que serve inclusive para por verniz ao poder dominante.
Como não são reconhecidos e valorizados os que representam a inteligência acadêmica universitária, acabam se auto-isolando e criam mundos à parte nos limites físicos do campus universitário. Já fui desse mundo e sei muito bem o gozo e o prazer que promovem no ego dos seus ilustrados habitantes.
Claro também que uma das causas desse não-reconhecimento tem a ver com o atraso relativo do nosso Estado, fruto de razões históricas e motivações de ordem política, que confinaram a autonomia intelectual a um plano secundário.
É plausível admitir que o longo atraso que produziu um elitismo exarcebado das camadas dominantes fez com que buscassem na política oligárquica, no coronelismo, o escoadouro mais eficaz para seus objetivos de perpetuação do poder. Assim, produziu-se um tipo de sociedade em que os acadêmicos vêem as elites tradicionais com profundo desprezo, às vezes até mesmo com total indiferença, e estas, as elites tradicionais, vejam os intelectuais universitários como meras “cabeças pensantes”, apenas isso, portanto incapazes de contribuir para a solução dos problemas recorrentes no contexto político e social.
Um divórcio total que inibe completamente o diálogo, elevado quase à naturalidade, sobretudo pelo fato da inteligência universitária ser justamente uma das fontes da crítica às elites tradicionais do Estado, a quem atribuem a responsabilidade pelas causas do atraso. Quase um beco sem saída, mas que precisa ser enfrentado com o melhor das nossas capacidades.
O envolvimento do empresariado é outro dos grandes desafios. A prática oligárquica maranhense de gerir o Estado seguiu uma trajetória perigosa, que foi a de produzir, em cada ciclo governamental, uma nova camada de novos ricos, originária da proximidade com as obras públicas governamentais. Prevalece ainda a cultura segundo a qual o sucesso empresarial passa pelas vinculações orgânicas com os governos, a ponto de produzirem uma quase subordinação do segmento aos governantes palacianos. Fala-se ainda da existência de formas promíscuas, em muitos desses relacionamentos, o que provoca o afastamento e a omissão de boa parte do segmento, tanto daqueles que são excluídos, como daqueles que não aceitam as formas impuras de gerir o Estado, que são, na verdade, a maioria.
Até praticamente a metade do século passado o setor empresarial maranhense teve um peso muito grande nos destinos do Maranhão. Bem antes que os políticos profissionais, o empresariado local detinha a liderança das propostas e projetos de desenvolvimento para o Maranhão.
O Estado vai se aparelhar depois da velha “Casa da Praça”, liderada por comerciantes, lavradores e industriais, embrião da Associação Comercial, lugar no qual a elite econômica exercerá sua hegemonia. A relação era inversa ao que se vê hoje: era a elite política que recorria à elite econômica local.
O processo histórico responsável pela valorização do poder político teve a ver com a decadência do Maranhão, que já vinha se dando desde a segunda metade do século XIX, implicando no aparelhamento do poder e da burocracia estatal pela elite econômica decadente, em associação com os segmentos políticos tradicionais, que viram nesse processo a garantia de continuidade e manutenção dos seus poderes.
O lugar socialmente reconhecido e legitimado onde se processava a discussão sobre a “decadência” do Maranhão era principalmente a Associação Comercial. Todo o debate mais fecundo que se travou à época sobre a crise da Abolição e da transformação do trabalho se processou na antiga instituição de classe. Os estudos de Sérgio Vieira, João Antonio Coqueiro e Dunshee de Abranches são eloqüentes sobre isso. Havia na sociedade de então o reconhecimento de que a salvação econômica da Província passaria pela Associação Comercial. O maior de todos os seus ícones foi Martinus Hoyer, espírito adiantado para sua época, que lutou tenazmente contra o arraigado tradicionalismo dos comerciantes locais, que desdenhavam de suas profecias e que, por essa razão, acabou sendo visto como coveiro dos agricultores tradicionais.
A nova engenharia política que precisamos construir, mais inteligente e eficaz que aquela que domina o Estado há vários anos, deverá ser uma obra que leve o Maranhão e o seu povo a trilhar o caminho do desenvolvimento endógeno harmonioso.
O elitismo das camadas dominantes, presente em nossa formação histórica e social, precisa ser substituído por uma nova sociabilidade, centrada nos princípios da igualdade e da liberdade. Fundamentos de uma nova ordem que haveremos de construir, instituindo novas subjetividades democráticas que possibilitem ao Maranhão o reencontro com o seu sonhado destino civilizatório.
quarta-feira, 12 de agosto de 2009
"BANQUE O DURO"
por Raimundo Palhano
Não deixe o seu lugar. Foi o conselho do venerável Bita do Barão de Guaré ao presidente do Senado, José Sarney, que, ao que parece, está sendo levado extremamente a sério.
Quem ousaria desconsiderá-lo? Afinal, não se trata de um simples palpite. Estamos frente à opinião de um sumo sacerdote do Terecô, um mito vivo para o povo de Codó e muitos outros lugares deste imenso Maranhão. Um mago que, além de Ministro de Culto Religioso, foi agraciado pelo próprio Sarney, nos tempos de presidência da República, com o título de Comendador do Brasil, galardão este acessível a um pequenino grupo de brasileiros. Segundo a Época de 18.02.2002, estamos falando do pai de santo mais bem sucedido, respeitado, amado e temido do Maranhão.
Com toda certeza o zelador de santo chegou a essa conclusão consultando seus deuses e guias espirituais. Vale recordar que deles já havia recebido a mensagem de que o Senador tem o “corpo fechado”. Ketu, Olorum, Jeje ou Vodun provavelmente se manifestaram, levando Mestre Bita a emitir tal conselho.
Respeito os sacerdotes de todas as religiões e toda e qualquer forma de sincretismo religioso. Aí de nós se assim não agíssemos. O Terecô que o Barão de Codó professa está bem pesquisado e pode ser admirado nos trabalhos de Mundicarmo Ferretti, estudiosa dos cultos afro-brasileiros praticados no Maranhão, que são derivações do Tambor de Mina, semelhante à Umbanda.
E se o Barão não leu corretamente o que disseram seus búzios? Claro que sacerdotes podem errar. Ainda mais em se tratando de política, o mais complexo dentre os "fenômenos religiosos" contemporâneos. A política brasileira, na qual figura a maranhense, ainda tem uma peculiaridade. De tão surreal que é, paira acima de qualquer previsão, mesmo às dos terreiros e das catedrais, escapando assim a qualquer prognóstico, até mesmo o religioso.
Bira que nos desculpe, mas desta vez o conselho dado parece que não acertou no alvo. A crise do Senado, pela dura decisão do seu Presidente de não ceder aos clamores da opinião pública, para que se afaste até o julgamento das acusações que lhe são assacadas, está provocando o desmoronamento de uma das instituições basilares do Estado Brasileiro, construído com muita luta ao longo dos anos de nossa formação social.
A hora, Mestre Bira, não é mais de consultar o oráculo, indagando se o Senador deve ficar, “bancar o duro”; o que os cidadãos e cidadãs deste país, na verdade, esperam é que os deuses digam que não é possível adiar por mais tempo a saída.
Quem ainda acredita no futuro do Brasil, no fortalecimento de suas instituições e no valor superior da democracia e do regime republicano exige o fim dessa insanidade apavorante que domina o atual Senado Brasileiro.
Precisamos, venerável Mestre, de ar renovado em nossos pulmões, sob pena de um colapso profundo em nossas crenças e sonhos. O próprio Senador, ó Barão, precisa descansar suas mãos trêmulas.
sexta-feira, 24 de julho de 2009
A NETA E O NAMORADO
A semana que se encerra já se vai tarde. Ainda não saíram das nossas cabeças as gravações da neta, do filho e do próprio presidente do Senado Federal. Claro que diariamente todos nós brasileiros ouvimos áudios de gravações da Polícia Federal, devidamente autorizados, sobre os desmandos dos políticos e das elites econômicas do Brasil.
O que impressiona nas conversas íntimas da Família Sarney, uma das mais poderosas do país, é a total falta de limites entre o privado e o público. Aristides Lobo disse que o brasileiro assistiu bestializado a proclamação da república, justamente por não se sentir dentro do processo. Nós, brasileiros, com toda certeza, assistimos, nesta semana, estarrecidos, aquelas vozes medonhas, sem escrúpulos, misturarem promiscuamente seus papéis de agentes públicos e sociais aos seus privilégios individuais de poder, classe e renda.
A realidade que está aí tem levado muita gente no Brasil e no mundo a perscrutarem outras dimensões da existência. Soube recentemente que no dia 30 de junho passado houve a reunião do Grande Conselho Kârmico, com certeza fora de Brasília. Segundo me foi dito, o Conselho ( que se reúne apenas duas vezes por ano) é uma fraternidade espiritual do mundo esotérico. Na ocasião estão presentes os integrantes da Grande Fraternidade Branca( o branco não se refere a raça, sim à aura de luz branca que os envolvem). Ela é formada por apenas sete Mestres Ascensos, que não possuem assessores, funcionários fantasmas e muito menos tomam decisões por meio de atos secretos. O foco do Conselho é buscar assistir os seres humanos na sua luta pelo aperfeiçoamento interior e exterior. Por essa razão é que são chamados de “buscadores” e não de vereadores, deputados ou muito menos “senadores”.
Estamos em uma difícil encruzilhada. Que começa no menor dos povoados desse imenso Brasil e poderá terminar nas grandes cidades e nos palácios e parlamentos da capital federal. A questão é: ou assumimos uma atitude firme, como clamar às ruas, mudar a política, radicalizar a democracia, aperfeiçoar o controle social do Estado, ou estaremos condenados a perder o que nos resta de referência civilizatória.
A paixão e recorrência ao místico não podem ser vistas como negação da realidade social e institucional. Não se trata apenas de buscar no Antigo Egito, na Kabalah ou no Kabash a superação das nossas angústias e sofrimentos. A vida é tão rica e desafiadora que permite infinitas especulações sobre o seu verdadeiro sentido.
Entre um Parlamento desacreditado, como o brasileiro; os sussurros soberbos e arcaicos de uma Dinastia Regional em torno do emprego para um príncipe encantado, e a reunião do Grande Conselho Kârmico, não podemos perder a lucidez, permanecermos indiferentes e muito menos renunciar à nossa dignidade de mulheres e homens livres e soberanos.
sábado, 9 de maio de 2009
O IMESC E A CARTA DO IPEI
No Maranhão, como sabemos bem, o poder oligárquico de tão forte que é chega a ser agressivo. Não há prova mais eloqüente do que os episódios recentes que interromperam antes de terminar um governo legitimamente eleito pelo povo. Na cabeça do brasileiro uma família controla tudo na taba timbira.
Aqui o futuro das instituições e das pessoas depende muito do fator político. Somos ainda uma sociedade sem autonomia de vontades. Se formos na direção do interior do Estado, sem nenhum preconceito com os seus moradores, onde o controle da vida política é mais forte ainda, a coisa assume proporções tenebrosas.
Esse tipo de sociedade produz anomalias no tecido social. Tudo passa a girar em função dos políticos. Como em sua grande maioria são herdeiros e praticantes de um regime que desvia o olhar do interesse coletivo, só o fazendo em suas peças publicitárias, a tendência à desconstrução e inoperância do Estado é óbvia.
Em geral o quadro maranhense se caracteriza pela prevalência de relações promíscuas entre políticas de governo e políticas de estado. O governo Jackson Lago investiu no fim dessa anomalia e foi apeado do trono. Como participei ativamente do aludido governo, atuando no sistema de planejamento liderado por Aziz Santos, posso afirmar que um dos maiores feitos do governo Lago foi o de buscar o revigoramento do poder do estado pela participação popular, pois entendia-se ser este o meio mais rápido e consistente para neutralizar a hegemonia oligárquica, invertendo finalmente a lógica política em que os interesses privados se sobrepunham aos interesses públicos.
Tenho dúvidas se a população chegou a perceber isso. Não sei também se todos os integrantes do governo assimilaram a estratégia. O tempo de governo foi muito curto e não nos comunicamos com eficiência plena. Mas não é essa a questão que pretendo levantar. Voltará com certeza, pois se trata realmente do tema focal do governo cassado injustamente.
Pretendo nesse momento chamar a atenção para um dos feitos do governo deposto. Trata-se do Imesc, o Instituto Maranhense de Estudos Socioeconômicos e Cartográficos, o qual tive a honra de presidir.
Vejo com preocupação a demora com que o atual governo enfrenta a continuidade administrativa e técnica do Instituto. Estamos próximos do seu primeiro mês de atividades e nenhum sinal claro sobre a continuidade do órgão se evidencia. Gastão Vieira, deputado federal, que se orgulha dos tempos de CNPq, será o novo secretário de planejamento e deu sinais de que não pretende interromper a trajetória do órgão. Só isso não basta. É preciso saber o que pensa o núcleo político central do governo roseanista.
Quando assumi o Imesc o órgão não existia de fato, só no papel. Era um projeto escondido em um decreto governamental sumaríssimo. Do quadro técnico disponível mal existia o Sadick Nahuz, que, carregando entre os braços seus números do PIB, vagueava entre os corredores de uma Secretaria de Planejamento que há décadas havia relegado ao esquecimento os antigos órgãos de pesquisa aplicada do Estado.
Órgãos memoráveis, como o Ipei, a Fipes e o Ipes, que, de tão eficientes que eram, chegaram a ser referência no norte e nordeste do Brasil nos anos 1970. Venho dessa escola. Meu primeiro trabalho no Estado foi no Ipei, onde iniciei coordenando a área de estudos conjunturais. Sua respeitabilidade podia ser comprovada pelo grande número de convênios com congêneres nacionais e até internacionais, como o Celade, órgão da Cepal/Onu voltado a estudos e pesquisas demográficas. Tínhamos cooperação técnica com instituições consagradas, como o Museu Nacional e a Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Foram necessários dez anos de trabalho duro e fecundo. Muitos departamentos da Universidade Federal foram supridos com quadros originários do Ipei-Fipes-Ipes. Tudo começou a mudar a partir de inícios dos anos 1980, motivado principalmente pelo recuo do apoio governamental. Cabeças pensantes em demasia reunidas sob um mesmo teto.
Em 17 de novembro de 1983 os funcionários do Ipes redigem e encaminham para o governo de então a “Carta do Ipes”, numa tentativa desesperada de sensibilizar as autoridades sobre os prejuízos que acarretariam ao Estado a descontinuidade do órgão. Temiam o seu fim face à baixa disponibilidade de recursos para mantê-lo operando e realizando sua missão institucional.
Abriam o programa institucional que se propunham realizar com a recomendação do conselheiro Nabuco de Araújo: “Legitimai-vos pelas idéias”. Prosseguiam: “Nosso esforço, que, por definição, não tem compromisso com a crítica pequena e dirigida, pretende substantivar, ao mínimo que seja, um repertório de alternativas institucionais que permita ao Ipei, nesta difícil conjuntura estadual e nacional, uma transição estável, visando a superação das dificuldades inscritas no momento presente da sociedade brasileira”.
Ao fim da exposição de suas idéias sobre a programação do Ipei para enfrentar a crise e evitar a sua derrocada, assim terminam a “Carta”: “Somos, moralmente, co-responsáveis pelas Instituições, no seu dia-a-dia e no seu destino. Temos a convicção comunitária, ensinada por João Lisboa, de que a coisa pública não é compatível com o facciosismo e o clientelismo; com o casuísmo e o discricionarismo. Confiantes de que o futuro do Ipei não será nunca tratado segundo aquilo que João Lisboa condenava, nós, livremente, acordamos que assim jamais o trataremos, seja agora, seja amanhã, desde que acreditamos poder agir na e pela dimensão institucional. Com a força ética de um compromisso, firmado e reconhecido...”, vindo em seguida data já mencionada e as assinaturas de Ivanilson Veloso Soares, João Evangelista da Costa Filho, José Augusto dos Reis, José Rossini Campos Corrêa, Mário Bastos Pereira Rego e a deste que redige, como signatários principais, seguindo-se várias folhas assinadas pelos demais funcionários.
Aceitei coordenar os trabalhos do Imesc porque sabia que iria encontrar antigos náufragos e porque acredito na força da renovação de quadros profissionais. O Imesc se instituiu em tão pouco tempo porque a fórmula estava correta. Estávamos em pleno processo de constituição de uma verdadeira comunidade ampliada de pesquisa, lugar em que o trabalho se expande mais pela troca de experiências e saberes do que pela força da burocracia. Comunidade sonhada como espaço de convivência criativa e respeitosa de gerações distintas, mesmo que eventualmente tivessem que trilhar os caminhos tortuosos de embates de toda ordem.
Está aí o órgão nas mãos do povo. Possui endereço, deixou de ser papel sem vida, tem um dos mais atualizados laboratórios de cartografia e geociências, acaba de colocar em seu site um banco de dados avançado, aspiração jamais concretizada no passado e uma volumosa produção técnica sobre o Maranhão, aberta à população e às instituições.
São quase 50 servidores, entre administrativos e técnicos que passaram por intenso processo de capacitação em serviço, aprendendo e ensinando o tempo todo, que não podem ser deixados no abandono.
Não se trata de obra solitária. Sempre disse que no Imesc não passei de um colaborador. Na área de pesquisa Hiroshi Matsumoto foi mais que um diretor. Foi verdadeiramente um mestre para as novas gerações de colaboradores e um conselheiro respeitável para os representantes das gerações mais maduras. Poderia citar mais nomes, pois o envolvimento de todos foi notável. Fico por aqui.
Espero que os novos gestores da Seplan não nos decepcionem. Garantir a continuidade e o desenvolvimento cada vez maior do Imesc deve ser visto na sua exata dimensão: trata-se de uma política de Estado manter o Imesc vivo.
A “Carta do Ipes” não pode mais ser reeditada. Tenham juízo.