segunda-feira, 21 de abril de 2014

O IMPÉRIO DESPIDO


por Raimundo Palhano

                           Foram quase mil anos entre a queda do Império Romano ocidental, em 476 e a derrocada oriental, ocorrida em 1453. O maior de todos não escapou à ruína. Assim, o poder imperial que domina o Maranhão também chegará ao fim. Vive no presente mais um tremor em suas  bases, talvez o mais grave das últimas décadas.
                              A sequência de lances duvidosos e de erros gritantes cometidos pelo alto escalão frente ao jogo sucessório revela que a fadiga de poder chega às hostes do Grupo Sarney. Pode até não significar o fim do seu ciclo vital, mas indica que o reino está cambaleante, fora de rumo e sem inteligência para enfrentar a reação dos oponentes.
                              Os equívocos cometidos e os prováveis seguintes que virão só se tornarão eficazes na luta pela alternância de poder no Maranhão se a resistência oposicionista for competente no enfrentamento da crise de identidade instalada no núcleo de poder. O projeto dominante está saturado aos olhos do povo, que anseia e exige saídas concretas, sustentáveis e principalmente, confiáveis.
                              O que fez o Império Romano chegar ao ocaso foi a megalomania e o apetite insaciável pelo poder. Rômulo Augusto teve que abdicar forçado por Odoacro, um simples chefe germânico, considerado bárbaro não apenas por desconhecer o latim, como aplicado a todos, mas também pela ausência de virtudes superiores.
                              Teodósio e depois Rômulo Augusto foram destronados porque não tinham mais competência para enfrentar os problemas produzidos pelo gigantismo do Império: descontrole de preços, concentração de rendas, abuso de poder e, sobretudo, a ruptura da unidade cultural romana. Nos momentos finais do império romano, o império dos impérios, os próprios romanos abriram as portas aos que denominavam de “bárbaros inferiores”.
                              Em consagrada obra, Marshall Berman assevera que tudo que é sólido acaba desmanchando em função de circunstâncias incontornáveis. É rica a literatura internacional sobre as causas da decadência das grandes civilizações do passado e do ocaso inexorável dos poderosos. No Brasil o domínio dos poderosos também desmancha no ar, embora a ruína se processe de forma lenta, típica da formação social brasileira, centrada em uma elite dirigente parasitária.
                              No Maranhão os ciclos de dominação são mais longos ainda, motivado, sobretudo por questões culturais e educacionais, associadas ao isolamento geográfico e à conformação de sistemas oligárquicos fechados e impermeáveis. Os últimos acontecimentos do xadrez sucessório, que levaram a governadora do Maranhão a proclamar um “fico” lacônico e incontornável, demonstram que o império treme nas bases. A crise política assume proporções que ultrapassam a capacidade e o repertório de soluções a cargo dos governistas.
                              Os romanos perderam a confiança e a fé em Roma e capitularam da forma mais deplorável: optaram pela renúncia cívica a ter que suportar o peso de um poder imperial completamente extraviado, portanto incapaz de oferecer um projeto para o presente e para o futuro.
                              No mundo de hoje os poderes nacionais se fragilizam cada vez mais. Há uma ordem global econômica, militar e política que se encarrega de corroer a força das nações isoladamente. Os poderes locais no Brasil, dadas a permanência das desigualdades sociais, se fecham para durar. No entanto, o mundo está quase um só em matéria de comunicação e informação e isso enfraquece o poder das oligarquias regionais.
                              O fenômeno reforça a ideia de que o poder imperial no Maranhão caminha para o ocaso definitivo, ainda que de forma cadenciada. O Grupo não acabará de um dia para o outro. O ciclo da transição e sua velocidade dependerão da capacidade de tomar decisões das novas lideranças e do conteúdo intrínseco do novo projeto de direção política das forças que formam o contrapoder em andamento.
                              A ruina dos poderes absolutistas e dos seus impérios são de vários matizes, desde a simples fadiga pelo exercício do poder, passando por questões mais complexas de natureza política, ideológica, religiosos e culturais.
                              Como o império romano, que não desmanchou abruptamente, o poder das oligarquias maranhenses será minado aos poucos, manifestando-se sobretudo a partir do processo de deserção dos seus próprios aliados políticos. Provavelmente o poder do Grupo Sarney se extinguirá em silêncio, tanto pelo seu largo espectro, como pela desproporcionalidade de forças em disputa. À oposição lúcida vitórias em sequência já bastam, sem o que não minarão as sólidas bases de poder do Grupo, que se projeta e opera nos círculos dominantes do Brasil. É preciso entender que o “fico” de Roseana não esgotará a sua força política em apenas oito meses, e nem tampouco com a provável vitória da oposição no pleito de outubro.
                              Creio que uma das maiores urgências para um Maranhão Livre é devolver o poder ao povo e organizar o poder público na direção do desenvolvimento sustentável, que foram duas das mais importantes bandeiras do governo Jackson Lago, símbolo e vulto maior da resistência política maranhense, levado ao sacrifício por se contrapor ao sistema dominante.
                              Está aberto o desafio por um novo esforço de imaginação e de ação. O bem comum do povo, como ideia-força, assume um papel preponderante. Para que se corporifique, uma das saídas é instituir o novo planejamento, empoderado e autônomo, capaz de implementar a transformação social e política, em sintonia com as aspirações populares.
                              É urgente e impostergável assegurar o controle social sobre o orçamento público. Para que isso ocorra urge que se construa um novo municipalismo e um novo federalismo geoeconômico. Tudo isso para mudar a direção política do Estado. Tudo isso para que ocorra a supremacia da ética sobre a política e da política sobre a economia.
                              A longa estabilidade de quase cinquenta anos do reinado sarneysista no Maranhão foi quebrada de forma exemplar na primeira metade de 2004, motivada por conflitos de interesse envolvendo a então senadora Roseana Sarney, governadora do Estado por quatro mandatos e o então governador José Reinaldo Tavares. O gesto de Reinaldo foi a causa primária do abalo sísmico no mais poderoso, consistente e duradouro sistema  oligárquico da história do Maranhão.
                              Odoacro se chamava Flávio. No Maranhão dos tempos bárbaros a onda de esperança também se chama Flávio. Caberá presumivelmente a Dino a missão transcendental de liderar a construção da nova utopia maranhense. Os escombros do antigo regime precisam ser sepultados para sempre. Não será fácil superar um domínio descomunal. Reeditar práticas antigas por incapacidade de decidir certo sobre coisas erradas afundará os sonhos de alternância. É vital que se inicie o novo projeto banindo os egocentrismos, as prepotências e arrogâncias pessoais e coletivas.
                              Ao canto do cisne debilitado deverão soar trombetas de solidariedade, compaixão e de convite à ação transformadora. Anunciando cavalgadas cada vez mais numerosas, indo em galopes ousados nas pradarias que levam a se perder de vista a liberdade.

                              Odoacro, um rude chefe tribal, derrotou o Império convocando todos os insatisfeitos à luta. Cabe a Dino mirar-se nas lições da história e reunir humildade e sabedoria para liderar o desmanche do sistema de imposturas reinante.

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