por Raimundo Palhano
Foram
quase mil anos entre a queda do Império Romano ocidental, em 476 e a derrocada
oriental, ocorrida em 1453. O maior de todos não escapou à ruína. Assim, o
poder imperial que domina o Maranhão também chegará ao fim. Vive no presente mais
um tremor em suas bases, talvez o mais
grave das últimas décadas.
A
sequência de lances duvidosos e de erros gritantes cometidos pelo alto escalão
frente ao jogo sucessório revela que a fadiga de poder chega às hostes do Grupo
Sarney. Pode até não significar o fim do seu ciclo vital, mas indica que o
reino está cambaleante, fora de rumo e sem inteligência para enfrentar a reação
dos oponentes.
Os
equívocos cometidos e os prováveis seguintes que virão só se tornarão eficazes
na luta pela alternância de poder no Maranhão se a resistência oposicionista for competente
no enfrentamento da crise de identidade instalada no núcleo de poder. O projeto
dominante está saturado aos olhos do povo, que anseia e exige saídas concretas,
sustentáveis e principalmente, confiáveis.
O
que fez o Império Romano chegar ao ocaso foi a megalomania e o apetite
insaciável pelo poder. Rômulo Augusto teve que abdicar forçado por Odoacro, um simples
chefe germânico, considerado bárbaro não apenas por desconhecer o latim, como
aplicado a todos, mas também pela ausência de virtudes superiores.
Teodósio
e depois Rômulo Augusto foram destronados porque não tinham mais competência
para enfrentar os problemas produzidos pelo gigantismo do Império: descontrole
de preços, concentração de rendas, abuso de poder e, sobretudo, a ruptura da
unidade cultural romana. Nos momentos finais do império romano, o império dos
impérios, os próprios romanos abriram as portas aos que denominavam de “bárbaros
inferiores”.
Em
consagrada obra, Marshall Berman assevera que tudo que é sólido acaba
desmanchando em função de circunstâncias incontornáveis. É rica a literatura
internacional sobre as causas da decadência das grandes civilizações do passado
e do ocaso inexorável dos poderosos. No Brasil o domínio dos poderosos também
desmancha no ar, embora a ruína se processe de forma lenta, típica da formação
social brasileira, centrada em uma elite dirigente parasitária.
No
Maranhão os ciclos de dominação são mais longos ainda, motivado, sobretudo por
questões culturais e educacionais, associadas ao isolamento geográfico e à
conformação de sistemas oligárquicos fechados e impermeáveis. Os últimos
acontecimentos do xadrez sucessório, que levaram a governadora do Maranhão a
proclamar um “fico” lacônico e incontornável, demonstram que o império treme
nas bases. A crise política assume proporções que ultrapassam a capacidade e o
repertório de soluções a cargo dos governistas.
Os
romanos perderam a confiança e a fé em Roma e capitularam da forma mais
deplorável: optaram pela renúncia cívica a ter que suportar o peso de um poder
imperial completamente extraviado, portanto incapaz de oferecer um projeto para
o presente e para o futuro.
No
mundo de hoje os poderes nacionais se fragilizam cada vez mais. Há uma ordem
global econômica, militar e política que se encarrega de corroer a força das
nações isoladamente. Os poderes locais no Brasil, dadas a permanência das
desigualdades sociais, se fecham para durar. No entanto, o mundo está quase um
só em matéria de comunicação e informação e isso enfraquece o poder das
oligarquias regionais.
O
fenômeno reforça a ideia de que o poder imperial no Maranhão caminha para o
ocaso definitivo, ainda que de forma cadenciada. O Grupo não acabará de um dia
para o outro. O ciclo da transição e sua velocidade dependerão da capacidade de
tomar decisões das novas lideranças e do conteúdo intrínseco do novo projeto de
direção política das forças que formam o contrapoder em andamento.
A
ruina dos poderes absolutistas e dos seus impérios são de vários matizes, desde
a simples fadiga pelo exercício do poder, passando por questões mais complexas
de natureza política, ideológica, religiosos e culturais.
Como
o império romano, que não desmanchou abruptamente, o poder das oligarquias maranhenses
será minado aos poucos, manifestando-se sobretudo a partir do processo de deserção
dos seus próprios aliados políticos. Provavelmente o poder do Grupo Sarney se
extinguirá em silêncio, tanto pelo seu largo espectro, como pela
desproporcionalidade de forças em disputa. À oposição lúcida vitórias em
sequência já bastam, sem o que não minarão as sólidas bases de poder do Grupo,
que se projeta e opera nos círculos dominantes do Brasil. É preciso entender
que o “fico” de Roseana não esgotará a sua força política em apenas oito meses,
e nem tampouco com a provável vitória da oposição no pleito de outubro.
Creio
que uma das maiores urgências para um Maranhão Livre é devolver o poder ao povo
e organizar o poder público na direção do desenvolvimento sustentável, que
foram duas das mais importantes bandeiras do governo Jackson Lago, símbolo e vulto
maior da resistência política maranhense, levado ao sacrifício por se contrapor
ao sistema dominante.
Está
aberto o desafio por um novo esforço de imaginação e de ação. O bem comum do
povo, como ideia-força, assume um papel preponderante. Para que se corporifique,
uma das saídas é instituir o novo planejamento, empoderado e autônomo, capaz de
implementar a transformação social e política, em sintonia com as aspirações
populares.
É
urgente e impostergável assegurar o controle social sobre o orçamento público.
Para que isso ocorra urge que se construa um novo municipalismo e um novo
federalismo geoeconômico. Tudo isso para mudar a direção política do Estado.
Tudo isso para que ocorra a supremacia da ética sobre a política e da política
sobre a economia.
A
longa estabilidade de quase cinquenta anos do reinado sarneysista no Maranhão
foi quebrada de forma exemplar na primeira metade de 2004, motivada por conflitos
de interesse envolvendo a então senadora Roseana Sarney, governadora do Estado
por quatro mandatos e o então governador José Reinaldo Tavares. O gesto de
Reinaldo foi a causa primária do abalo sísmico no mais poderoso, consistente e
duradouro sistema oligárquico da
história do Maranhão.
Odoacro
se chamava Flávio. No Maranhão dos tempos bárbaros a onda de esperança também
se chama Flávio. Caberá presumivelmente a Dino a missão transcendental de
liderar a construção da nova utopia maranhense. Os escombros do antigo regime
precisam ser sepultados para sempre. Não será fácil superar um domínio
descomunal. Reeditar práticas antigas por incapacidade de decidir certo sobre
coisas erradas afundará os sonhos de alternância. É vital que se inicie o novo
projeto banindo os egocentrismos, as prepotências e arrogâncias pessoais e
coletivas.
Ao
canto do cisne debilitado deverão soar trombetas de solidariedade, compaixão e
de convite à ação transformadora. Anunciando cavalgadas cada vez mais numerosas,
indo em galopes ousados nas pradarias que levam a se perder de vista a
liberdade.
Odoacro,
um rude chefe tribal, derrotou o Império convocando todos os insatisfeitos à
luta. Cabe a Dino mirar-se nas lições da história e reunir humildade e
sabedoria para liderar o desmanche do sistema de imposturas reinante.
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