quinta-feira, 23 de outubro de 2014

DO ESTADO DE UM PARA O ESTADO DE TODOS


                                                                          

                                                                por Raimundo Palhano

A ascensão ao poder de Flávio Dino em 2015, consequência da vitória eleitoral de 2014, rompe um ciclo da história política maranhense, fenômeno iniciado por Jackson Lago, no curto período de 2007-abril de 2009, destronado pelo complexo político-jurídico reinante, ao abrir as cortinas para novas esperanças. 

Dino passará para a história da libertação do Maranhão se desconstruir a estrutura de poder político e econômico montada desde fins da primeira república (1930 em diante) e revigorada ao extremo nos últimos 50 anos. 

A sua força e liderança moral para promover uma nova cultura política dependerão da capacidade de não se deixar seduzir pelo fascínio do poder, abdicando conscientemente dos acúmulos inerentes ao papel de governador, que lhe será confiado, repartindo e compartilhando efetivamente com a sociedade local o poder que lhe chegar às mãos.

Simbolicamente pode-se dizer que a era das oligarquias acabou no Maranhão, o que vem sendo afirmado, de forma surpreendente até, pelos próprios representantes do poder moribundo. A era nova que virá já começou ontem e nascerá a cada manhã, se a noite não ofuscar a luz do sol.

Construir uma nova subjetividade sobre o Maranhão, fora dos limites do discurso tradicional empregado para justificar e condenar o atraso político e social, pisado e repisado à exaustão nas últimas décadas, é a maior das prioridades e requer, de imediato, que se faça o diagnóstico honesto do referido Estado. 

Para deflagrar o processo de ruptura é necessário ir além dos limites ideológicos do seu passado mítico, que alimentaram tanto as forças do poder único, agora perdidas e sem rumo aparente, como as elucubrações dogmáticas dos poucos heróis da resistência e seus fervorosos partidos e agremiações de oposição.

A nova narrativa para um Maranhão reinventado nascerá do entendimento a respeito de onde efetivamente decorrem os problemas do Maranhão. Os minimamente informados sabem que essa origem vem das questões políticas e econômicas não ou mal resolvidas. Mas não fica só nisso. O corte exige precisão cirúrgica e sobretudo capacidade de enfrentamento e de resolução.

Algumas mazelas estão à flor da pele. A televisão como primeiro poder é uma das mais proeminentes. Não se trata de reacionarismo contra a tv. O que precisa ser neutralizado são os efeitos nocivos de um sistema de poder que governa com as televisoras e não com a sociedade e seus desafios.

Ferir mortalmente o sistema de privilégios que foi se cristalizando no Estado, começando nas maiores cidades e se projetando na totalidade dos municípios, ocupa posição estratégica. Causa pavor a ação das várias formas de incúrias e injúrias na vida cotidiana da sociedade inclusiva. As relações promíscuas escandalosas entre esfera pública e esfera privada, tendo como epicentro a força devastadora da corrupção, exauriram a confiança da população na capacidade do estado e dos governos como entes comprometidos com a satisfação das necessidades sociais.

Colocar no lugar do morto um Maranhão vivo passa obrigatoriamente pela delicada questão da efetividade das políticas públicas. A visão megalômana de que só os grandes projetos, ou os grandes potentados, ou os imensos panteões são capazes de desenvolver o Maranhão precisa ser varrida para sempre das cabeças timbiras, inculcadas com muita eficiência pelas camadas dominantes. O novo cenário que se abre desafia a sociedade civil a assumir um protagonismo ativo, quebrando, de forma irreversível, uma inércia secular, com o que passará a dispor de condições objetivas capazes de reduzir o peso desproporcional do governo e aliados na definição de prioridades públicas.

O Maranhão é introvertido e o maranhense mais ainda. O poder imperial que aqui se instalou e se perpetuou estimulou a renúncia cívica de boa parte do povo. Os direitos civis e sociais ficaram restritos a bem poucos, deixando no esquecimento e na exclusão a maioria demográfica. A cidadania restringida reforça o papel do clientelismo, do favor, dos cabos eleitorais e da servidão voluntária, transformando boa parte da massa em carneirinhos dóceis e conformados. As classes médias tradicionais e as emergentes, que poderiam ter um protagonismo político e social mais orgânico, em geral silenciam, sobretudo por medo dos donos do poder, que fecham as portas sem piedade para todos os que não se adaptam à lógica do poder dominante.

O diagnóstico honesto do Maranhão conduzirá ao conhecimento efetivo da realidade e das potencialidades estaduais, sem o emprego de mistificações e de falsificações que impeçam os avanços socialmente necessários. É o melhor caminho para abalar a crença de que cada povo sempre tem o governo que merece, situação que reforça o conformismo social, e também a melhor estratégia para levar o governo e a sociedade a tomarem o destino do Maranhão em suas mãos. Só assim será possível vencer o medo e as inquietações sobre o futuro: tornando concreto o compartilhamento das responsabilidades com o desenvolvimento estadual.

Não há como fugir dessa convocação histórica. Há uma nova engenharia política a ser elaborada que vai além das comemorações e dos feitos que levaram à vitória nas urnas. O Maranhão não deixou de ser um território marcado pelo acúmulo de erros e omissões, completamente impunes e mesmo não revelados, que foram construindo contextos paradoxais e assimétricos, tanto no corpo como na alma maranhense. O barco pode afundar muito cedo se não for conduzido para a grande viagem que não houve. 

As alianças e coalizões costurados em bases complexas, a presença de atores políticos que se doutoraram aprendendo as lições do antigo regime, provenientes de governos divididos, fazem com que a sociedade e os formadores de opinião não esperem muito dessa classe política, o que exigirá do núcleo inteligente do governo muita habilidade e sabedoria para operar o milagre da multiplicação dos pães e da transformação da água em vinho. Milagres há para as causas sem solução, mesmo quando as nuvens do céu se escondem nos labirintos do horizonte.

Só falar em mudança é pouco. É preciso fazer acontecer o novo viável e sustentável. A classe política tradicional e boa parte da elite econômica, social e intelectual é formada por autistas nessa matéria. As intenções de mudar desses segmentos, ao longo das décadas, são e sempre foram muito tênues. O mais dramático é que serão necessariamente convocados para a missão de construir a mudança, rearmar o Maranhão institucional e mentalmente. Um desafio para o qual serão também convocados os desesperados, os frustrados e os apáticos. Isto porque a mudança do que foi para o que será, no campo da nova subjetividade, pressupõe que os maranhenses assumam a decisão de afirmar o que todos e cada um podem e devem fazer em favor do futuro desejado.

Prometer e cumprir passa a ser um exame de consciência diário e verdadeiro. Mudar a realidade significa implantar o reino do equilíbrio entre o que se promete, geralmente muito, e o que se cumpre, normalmente pouco. Impossível tomar o rumo do Maranhão nas mãos da sociedade sem o reino do equilíbrio. Uma das urgências no plano da mudança é o fortalecimento da tomada de decisões. Quando não se tem capacidade decisória, deixa-se de cumprir tudo que foi prometido. 

O Maranhão reinventado, o Maranhão mudado, a passagem do Estado de Um para o Estado de Todos guarda total correlação com a capacidade e com a eficácia diretiva do governo eleito e consagrado nas urnas de 2014, por representar as expectativas libertárias do povo maranhense. Se for capaz de atingir o coração do povo, devolvendo-lhe o poder negado quase sempre, aí sim a página será virada.

No mundo de hoje e no torrão maranhense em particular, o desafio dos desafios é governar, mesmo que o lugar do poder seja o trono. O poder público virou caricatura de interesses escusos e de mentiras. No Maranhão interiorizado, ainda provinciano e tímido, mais difícil ainda, pelo descaso histórico com as instituições, com as competências e o pouco valor atribuído à meritocracia. O Maranhão não é uma ilha; é um continente que não se comunica horizontalmente. Só um projeto de desenvolvimento continental tirará o Maranhão do sonambulismo. O Palácio dos leões precisa se transformar em castelos de todos os animais da floresta e do interior.

A herança do pacto pela não mudança não morreu completamente e nem perecerá de uma hora para outra, pois se manifesta nas castas familiares e nos micros poderes. Há uma crise política na sociedade brasileira que torna o seu sistema econômico capitalista disfuncional e faz emergir uma república mafiosa que intranquiliza os setores progressistas da sociedade, sobretudo por estimular golpes fatais na utopia, indispensável para a sobrevivência moral do Brasil como nação honrada e justa.

Decifra-me ou te devoro: eis o Maranhão a ser reinventado. Começar de novo, preferencialmente de mãos dadas com as legiões de esquecidos e excluídos dessa terra mágica. Convocar os abandonados pelas forças do elitismo. Chamar a juventude, as meninas e os meninos em cirandas de verdades e de fantasias. Deixar Brasília em seu canto e mergulhar no telúrico maranhense. Colocar os pés no chão, abrir picadas para o interior, adequar o palácio central aos desafios territoriais, criando uma rede de palácios em que o poder emana do povo. Mais do que tudo: lucidez, muita serenidade, ousadia e humildade para reconquistar a confiança e a crença do povo maranhense na capacidade e na eficácia diretiva do governo da esperança que acaba de chegar.





Um comentário:

aziz disse...

Caro mestre,

Você me faz acreditar que um outro Maranhão é possível.