por Raimundo Palhano
O Plano
Nacional de Educação-PNE completou agora em junho de 2015 o seu primeiro ano de
vida já em situação de inadimplência, o que não vale explorar agora. Ainda é
cedo. Sugiro acessarem o portal da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e
lerem a boa reflexão sobre o assunto.
O resultado
sinaliza na direção da luz amarela. O PNE é um bom plano, não resta dúvida, melhor
do que o primeiro, encerrado em 2011. Sua grande fragilidade é a falta de
fundamentos e de paradigmas claros sobre a nova engenharia educacional a ser
produzida para ficar no lugar da atual, falida e inviável.
Tão
verdadeiro que o próprio governo convidou o enigmático Magabeira Unger para
escrever os seus fundamentos gerais, dada a verve reconhecida do mencionado
professor. Tarefa para um mágico: revestir um plano eminentemente operativo com
as subjetividades de uma “pátria educadora” metafórica, sem inspiração, e ainda
profundamente descreditada.
Uma das
virtudes do PNE é mapear quase todas as questões que atormentam a educação brasileira
contemporânea. Seu grande defeito: incapacidade de juntar as suas peças em um
projeto uniforme de caráter instituidor. A maior das ameaças à sua
credibilidade e exequibilidade: ser visto como uma profusão de metas e
estratégias sem conexão alguma, seja pela falta de foco geral; seja pelas
limitações de muitos gestores educacionais, que terão dificuldades para fazer a
correta aplicação das estratégias, tanto por limitações técnicas, quanto por
questões infraestruturais.
Ao se
limitar em definir metas, muitas delas imprecisas e a definir mais de duas
centenas de estratégias, deixa aos demais entes da federação, a começar pela
própria União, de onde emana, ao Distrito Federal, aos Estados e aos Municípios
o descomunal desafio de transformar o cardume de medidas presentes nos planos em
realidades palpáveis.
Descomunal
sobretudo pela impossibilidade de cumprir a sua principal finalidade, que é transformar
o padrão de qualidade da educação nacional, sem que fique clara a configuração
de um novo pacto federativo capaz de redistribuir os recursos financeiros, institucionais
e pedagógicos de modo adequado às necessidades dos contextos e à garantia do
direito de aprender das crianças, jovens, adultos e idosos deste país.
Uma boa
política de educação para o Brasil e para o Maranhão especialmente não devem se
fundamentar no vale quanto pesa, ou seja, em uma lista cada vez maior de
medidas para combater os déficits estruturais que foram se acumulando anos a
fio, por imperícia ou por omissão, sem debater com a sociedade e suas instituições credenciadas, e sem o conhecimento prévio dos limites e
possibilidades reais de superação.
Edgar
Morin, em sua última passagem pelo Brasil, em menos de dois anos atrás,
afirmou, respaldado pela envergadura dos seus mais de noventa anos, que a crise
da educação na ordem globalizada atual se deve à fragmentação dos saberes. Sua
reflexão parte da ideia de que acumulamos cada vez mais saberes e as escolas
não estão sendo capazes de organizá-los.
Creio que a
involução educacional em nosso meio não se deveu somente a isso ou mesmo à
falta de ideias, de propostas ou de iniciativas. Basta olhar o primeiro Plano
Nacional e este último, de 2014, e os milhares de planos estaduais, municipais
e do Distrito Federal. Um verdadeiro e enorme caleidoscópio, ou mesmo um
gigantesco arco-íris, que continuam misturando, como na maior parte das
iniciativas semelhantes, as mesmas cores de sempre, faltando precisão e
sobrando generalidades.
O Plano
Nacional de Educação e os decorrentes Planos Estaduais e Municipais estarão
condenados ao insucesso se não forem capazes de organizar as ideias que os
informam na direção de uma nova maneira de conceber, estruturar e gerir o
sistema que substituirá o atual modelo, cada vez mais inadequado ao
enfrentamento dos gravíssimos problemas que recortam e precarizam a educação
brasileira, manifestos nos medíocres desempenhos das unidades da federação.
Cada vez
mais me convenço da prioridade e da urgência que devem ser dadas a uma nova
política educacional apta a tirar o Brasil dos últimos lugares e o Maranhão da
lanterna dos rankings educacionais. A sensação que tenho, vendo o andar da
carruagem, é que continuamos ainda às cegas, confusos em labirintos de
vontades, de interesses corporativos, de paradigmas desconexos, de dissipação
de recursos financeiros e de inteligências curtas.
O ponto de
partida é a real valorização do universo municipal, invertendo-se a pirâmide de
recursos. União e Estados precisam romper com as práticas tradicionais e com a
lógica assistencialista da cooperação com os municípios. Introduzir o princípio
da subsidiariedade é indispensável na futura governança. O que couber ao
município deve ser assegurado e para isso as relações inadequadas de hoje, que
incapacitam e muitas vezes envergonham o poder local, precisam ser superadas.
Para que isso venha a ocorrer o eixo de interesses deve mudar radicalmente:
sair dos privilégios e interesses corporativos contextualizados para atingir o estágio
superior representado pelo direito de aprender das crianças e dos estudantes.
Grandes
cabeças acreditam que os Planos Decenais de Educação estarão a salvos pelo
simples fato de serem revestidos da condição de políticas de estado. Estariam,
portanto, menos vulneráveis às conjunturas, aos humores dos governos de plantão
e tudo mais que desperta apetites imediatos e arbitrariedades. Em países como o
nosso, marcados por assimetrias sociais graves, acreditar apenas nessa
condicionalidade é no mínimo temeroso. Não temos no Brasil e, muito menos no
Maranhão, respeito às políticas de estado. Aliás, não seria exagero dizer que,
ao longo do tempo, muitos grupos que assumiram o poder estatal, nem mesmo
tiveram clareza do que se tratava, quanto menos praticá-las.
O atual
Plano Estadual de Educação do Maranhão é exuberante na arte de ir fundo na
escavação de sonhos díspares. Enquanto o PNE se atrapalha na tentativa de
juntar as peças soltas de um sistema educacional extremamente pulverizado entre
4 entes federativos, que não sabem se articular na linha da efetividade, o Plano
Estadual de Educação sonha para dentro e para fora e ainda quer mais: pretende
chegar à estratosfera. Ao que parece, ações do governo estadual precisam chamar
o PEE à razão.
Devemos
festejar a iniciativa de muitos municípios maranhenses que se empenharam
decisivamente na aprovação de seus Planos de Educação pelas Câmaras Municipais,
procurando cumprir prazo determinado em Lei. Muitos chegaram a sacralizar a
iniciativa, recheando seus planos com caracterizações socioeconômicas,
geográficas e ambientais eivadas de solenidade. Em vários municípios a
elaboração e aprovação do PME foi muito mais um ritual eclesiástico do que uma
realização técnica voltada ao planejamento educacional. É o preço que se paga pela
adoção de uma metodologia de elaboração pré-formatada, que encaminhou os planos
municipais a uma matriz adotada por quase todos.
O que se precisa
saber é que a hora de virar a página bate à porta. A matriz de apoio produzida pela União e pelos
Estados ajudou decididamente para a elaboração dos Planos, mesmo induzindo muitos
municípios a seguirem a mesma trilha. Deve-se muito aos apoios recebidos do
sistema federal e do sistema estadual.
O que precisa ser feito agora é a minimização dessa influência, evitando que o fato não engesse a imaginação, a criatividade e
as riquezas contextuais, permitindo que os educadores e gestores locais
consigam transformar as metas e estratégias em programas, projetos e ações
concretas e necessárias à reinvenção da educação pública municipal até o final
da próxima década.