Por
Raimundo Palhano
Entre os
dias 6 a 19 de abril, o Centro de Criatividade Odyllo Costa, filho, abrigará a
exposição fotográfica comemorativa dos 80 anos do governador Jackson Lago, que
aconteceria em 1º de novembro do ano passado. Mais uma oportuna iniciativa do
Instituto que leva o seu nome, dirigido pela delicadeza da grande dama Clay, e
de um vasto número de parentes e admiradores do saudoso patrono.
A memória
maranhense é inelástica. Não costuma homenagear a quem merece. Aqui só é quem
pode e quem tem. Placas e pergaminhos em geral, só servem para quem os concede
e para quem os recebe.
O passado
e os seus feitos são desprezados ou esquecidos tranquilamente, indo para a vala
comum de sangues e honras derramadas, soterrando-se uma das culturas mais
genuínas deste país.
É visível
o predomínio de uma incapacidade crescente de entendimento, discernimento e
senciência a respeito do passado, presente e futuro do Maranhão.
Digo isso
com muita dor no peito, ao render esta pequena homenagem a um dos maiores
líderes políticos de todos os tempos no Maranhão, o governador Jackson Lago, a
propósito do significado do que foram seus 80 anos, não concretizados em vida.
Não
podemos nos calar e omitir diante do destino trapaceiro que nos impõe esse fado.
Embora
afirmasse sempre que o povo é maior e que em seu governo haveria de chegar a
vez do povo, Jackson foi um dos melhores da raça timbira e o maior dos nossos homens
públicos na contemporaneidade, justamente porque, diferentemente daqueles que o
antecederam, reunia pelo menos três grandes virtudes capitais: capacidades de
entender, de discernir e de se sensibilizar.
A
ofensiva contra o seu governo começou pela ação infame dos adversários
históricos que, desde o primeiro momento, partiram para destruir a sua
reputação pessoal e, via de consequência, apagar da memória a nova pedagogia de
governar o Maranhão que estava nascendo e as conquistas que certamente viriam muito
cedo.
Impressiona
o “esquecimento voluntário” a respeito do legado de seu governo que, em pouco
mais de dois anos de atividades, conseguiu gestar dezenas de iniciativas que
ajudariam a mudar radicalmente a realidade estadual, tanto em termos políticos
e econômicos, como no modo de organizar e estruturar o poder governamental, na
direção de uma nova promissão.
O “nada fez” que se ouve de tantos extraviados,
ofende não só a luta renhida de um bravo, como o suor de tantos que se doaram.
Há um
silêncio “respeitoso” demais para com uma obra inacabada que muito poderia
inspirar as novas gerações que querem ser governantes deste Estado. Uma obra
que clama por respeito, certamente, mas que precisa ser colocada do avesso, como
continua sendo o desejo profundo dos tantos que colaboraram para sua
construção.
Jackson
foi o maior não por ter sido um prefeito notável para São Luís ou um governador visceralmente
disposto a ousar e, com o poder popular, construir as bases da libertação da sociedade
maranhense.
Foi o
maior sobretudo pelo seu passado de lutas, de ideário e por seus imperativos
éticos. Foi por sua força moral, por sua capacidade de entender o Maranhão e
seus desafios, de discernir sobre o que é mais relevante na existência humana e
na construção política e, principalmente, por sua inigualável sensibilidade
como ser humano e como sujeito histórico consciente.
Jackson,
por mais que tenham tentado e mesmo conseguido sepultá-lo vivo, não passou por
essa vida como um carreirista da política, ou como um equivocado colecionador
de ossos: ele ajudou a escrever a história política recente do Maranhão com um
atributo raríssimo: o compromisso com princípios humanitários no modo de fazer
política profissional.
A virtude
do entendimento esteve presente o tempo todo em seu governo e na sua maneira de
governar. Desde cedo sabia que para ascender ao cargo de governador teria que
compor um governo pentecostal, ou seja, que falasse por várias línguas.
Conhecia
muito bem a arquitetura do poder político do Maranhão, seus apetites e
interesses não declarados. A engenharia política que teceu precisava atender às
exigências dos que controlavam o trono, mas foi capaz também de promover o
ecumenismo de vontades, abrindo as portas dos Leões para segmentos do poder
popular que, em tempo algum, imaginariam transpor aquelas sólidas paredes e
assumir posições de comando e de liderança.
A
capacidade de discernir lhe era transbordante. Decorria de um traço pessoal como
militante e como dirigente, que era o fato de ter atingido um estágio de
entendimento próprio sobre o Maranhão e os seus dilemas e desafios, obtidos
pelos anos a fio de exercício de uma cidadania política ativa, por força de
vínculos orgânicos sólidos com uma plêiade de líderes políticos libertários
nacionais e do terceiro mundo.
Guardo
com muito orgulho a imagem despojada do governador, segurando cuidadosamente sua
prancheta de anotações, deslizando como um pássaro de primeiro voo, entre
grupos de trabalho no Baixo Parnaíba e em tantos outros territórios, captando
os sentimentos do povo esquecido do interior do Maranhão, recolhendo com todo o
zelo a matéria prima que iria servir aos seus projetos para tirar o torrão
maranhense do descaminho e da escuridão centenária.
A
privilegiada capacidade de discernir fez com que Jackson ficasse imune à
maldição do poder, aquela que acometeu Juanito, pobre coitado, que perdeu o
prumo e o rumo com um simples carguinho.
Como poucos, tinha total clareza que o
poder pelo poder é a maior das ilusões. O cargo não passava de uma chance única
de continuar servindo aos seus compromissos pessoais e coletivos e uma
oportunidade de ouro para tornar possível um sonho.
Soube
discernir, como bem poucos, e sentiu intensamente na pele e na alma, que ser o
chefe dos Leões também impunha limites. Além de perceber que o lugar do poder
estava acima das estruturas governamentais, aqui e em qualquer lugar, sabia de
sobra que apenas o poder do trono não garante tudo que se quer.
Tinha claro que mudar as coisas
fazendo do mesmo jeito que outros fizeram era impossível de acontecer, ou, no máximo, uma enorme ingenuidade política; e, de outro, por mais que houvesse coerência entre o que
se queria e o que se fazia, a mudança sempre dependeria das cabeças e dos
costumes que predominassem na sociedade.
A
capacidade de senciência foi talvez o maior dos seus trunfos. Os problemas
recorrentes, a refrega política e a racionalidade administrativa levam o
governante à frieza dos números e dos cálculos estratégicos, retirando-lhe a
sensibilidade, o que Lago tinha muito, a despeito do ar sempre solene. A
educação esmerada, a polidez dos gestos e atitudes, a atenção com os outros,
sempre iguais, davam-lhe um carisma invejável.
Graças a
esse dom incomum, o seu governo criou uma mística mobilizadora, que se espalhou
em várias áreas da administração, atraindo o que de melhor existia na cultura,
na arte e na inteligência local e de muitas partes do interior do Estado.
Houve um
fervilhar de ideias. Poder planejador, regionalização do desenvolvimento,
descentralização do orçamento e finanças, cultura popular, cooperação
internacional, turismo sustentável, bacias hidrográficas, infovias, desprovincianização
e tantos outros projetos inovadores nascem ao mesmo tempo.
O mais
notável de tudo isso todavia foi a possibilidade única que o governo de Jackson abriu
para que gerações se encontrassem para construir com ele, e sob sua inspiração, um ministério para traçar os sonhos do futuro explodindo de paixão.
Vida longa,
Governador.
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