domingo, 18 de dezembro de 2016

Fortalecimento da economia interna: o foco do novo desenvolvimento


RAIMUNDO PALHANO





Um dos maiores obstáculos à compreensão da realidade maranhense é a presença de mitificações espantosas a respeito de sua formação histórica. Somos a terra preferida dos mitos. Não sei de onde tiraram a ideia de que já fomos uma economia próspera por tantos séculos. Fomos, sim, a unidade mais escravagista do Brasil e do modo de produção escravista os mais dependentes. Excetuando-se a Era de Ouro da economia maranhense, que vai da segunda metade do século XVIII até o período ao redor da Independência, o que vai caracterizar a nossa economia é o longo período de involução e tendência declinante, indo praticamente até meados do século XX, entrecortado por períodos curtos de crescimento, motivados pela demanda externa, já que éramos uma economia monocultora e voltada às exportações.


A economia do Maranhão manteve-se à base da produção de açúcar, cravo, canela e pimenta. Basta dizer que, só em 1748, é autorizada a circulação de dinheiro amoedado de ouro, prata e cobre, em substituição aos rolos de algodão. Estes produtos, seguidos do algodão e da cana-de-açúcar, constituirão a base da economia maranhense até o final do século XIX, toda ela estruturada no trabalho escravo, como de resto no Brasil, embora aqui de forma muito mais penetrante e visceral.


É evidente que a grande lavoura e o trabalho escravo fizeram do Maranhão uma das áreas mais ricas do Brasil durante certo e curto tempo, já referido, tornando São Luís, com cerca de 25.000 habitantes em 1822, a quarta cidade brasileira, atrás apenas do Rio de Janeiro, Salvador e Recife. Agora elevar, neste período, o Maranhão à condição de uma economia próspera é um equívoco de análise histórica, uma vez que o processo de acumulação era tipicamente mercantil e patrimonialista, voltado aos interesses de comerciantes, agricultores e do capital internacional. Próspera evidentemente, mas para bem poucos. 


A crise da lavoura tradicional de exportação e da cana-de-açúcar, nas décadas finais do século XIX, levou as camadas ricas a investirem seus capitais na aquisição de um parque fabril têxtil, já obsoleto, em boa parte importado da Inglaterra, como uma nova forma de acumulação. A esse fenômeno Jerônimo de Viveiros chamou de “vertigem das fábricas”. A falta de tecnologia e inovação leva o segmento a não se desenvolver e se arrastar por anos, perecendo de vez a partir dos anos 1940-50.


Por outro lado, o processo de desenvolvimento maranhense que vai suceder ao período anterior também não será capaz de promover o crescimento sustentável da economia local. A nova ordem econômica que se instala no Brasil, a partir da segunda metade do século XX, insere a economia maranhense de maneira subalterna. Passamos a ocupar o papel de região supridora de matérias primas para o processo de industrialização concentrado no sudeste do país, além de reserva de valor fundiário para o processo de acumulação da nova economia em expansão no território nacional.


E o que poderia impulsionar a economia maranhense na atualidade? Primeiramente, é preciso que se tenha o diagnóstico honesto da economia e das prioridades a serem assumidas para promover o desenvolvimento do Maranhão, fora dos paradigmas tradicionais baseados na concentração e centralização das decisões e dos resultados. Quais os maiores gargalos? Como vamos superá-los em definitivo? Sem um diálogo horizontal entre governo, empresários e organizações da área sobre essas questões será muito difícil mudar o cenário existente. Além disso, o desenvolvimento ampliado da economia maranhense dependerá da superação de óbices como a concentração de renda e de riqueza; concentração demográfica em centros urbanos; a dispersão populacional pelo interior. O maior dos desafios: os problemas decorrentes da escassez de infraestrutura e de meios de investimento, tendo como pano de fundo a exploração predatória dos recursos naturais, cada vez mais frequentes em todo território. 


O rendimento no trabalho é também muito baixo na economia maranhense, se comparado com o observado na economia brasileira. O percentual da população com 10 anos ou mais de idade, ocupada, com rendimento no trabalho principal de até 1 salário mínimo representa cerca de 60%. E a pobreza não se restringe apenas à renda das pessoas. Um Maranhão desenvolvido significa garantir qualidade de vida, que se manifesta no acesso com qualidade à educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, conhecimento e aos atributos da chamada vida moderna. Assistencialismo e transferência condicionada de renda mitigam a dor de ser pobre, por algum tempo, apenas; mas são péssimos como estratégias para o desenvolvimento econômico sustentável. Não se supera a pobreza instituindo um Estado Assistencialista. Muitas igrejas evangélicas fazem esse trabalho melhor do que muitos governos. Desenvolvimento sem trabalho e renda dignas para as famílias é pura fantasia.


Todos estamos de acordo sobre o Maranhão ser um estado com grande potencial econômico, embora esteja entre os mais pobres em termos de PIB per capita. Não nos cansamos de repetir fatores como a localização estratégica entre os grandes mercados externos da Europa, da Ásia e dos Estados Unidos; a existência de um dos portos naturais mais profundos do mundo; o valor do sistema de transporte ferroviário e rodoviário, com o potencial de tornar o Estado um ponto focal para comércio doméstico e internacional. 


Mas só isso não basta. Creio também ser um exagero dizer que no Maranhão a população esteja mergulhada na pobreza. Temos uma economia de subsistência que mitiga muito a fome dos que estão fora dos mercados de trabalhos formais. Mais do que econômica, a maior pobreza do Maranhão é educacional, cultural e política, fruto de muitos equívocos acumulados, responsáveis pelos isolamentos populacionais e pelo baixo nível de informações da maioria do povo.


Defendo a regionalização e a municipalização como fatores estratégicos para o arranque da economia maranhense. Cito alguns passos fundamentais para isso: melhorar a gestão do setor público para descentralização e crescimento equitativo; promover o desenvolvimento econômico, começando por regiões selecionadas em função do poder de irradiação; capacitar o Estado a obter grandes benefícios econômicos e sociais a partir desta oportunidade única de investimento maciço no Estado, em colaboração e coordenação com os investimentos do setor privado; assegurar que toda a população se beneficie do crescimento, incluindo as populações pobres que residem fora da capital; reforçar as capacidades do setor público no 


Estado para atender à demanda da nova estrutura econômica; reforçar a capacidade dos municípios e descentralizar responsabilidades. Uma das estratégias fundamentais é a promoção do desenvolvimento de regiões fora da capital. Estes territórios receberiam fortalecimento institucional para a preparação dos seus planos estratégicos, com foco no desenvolvimento econômico local, apoio à gestão regional, capacitação para os municípios, estudos e programas para a qualificação da mão-de-obra, e desenvolvimento de infraestruturas, baseado nos planos estratégicos regionais. Outra, de igual, valor diz respeito à melhoria na gestão pública. Apoio à regionalização e descentralização por intermédio de formulação da política relacionada com as estratégias de desenvolvimento regional e processos institucionais; promover o desenvolvimento econômico pela melhoria no clima de negócios e preparação institucional e analítica para implementar projetos em parceria com o setor privado.


O foco do novo desenvolvimento é o fortalecimento da economia interna. Começo pelos números da economia, que revelam que há uma tendência histórica de crescimento econômico e social significativamente concentrado em poucos de seus 217 municípios. A porcentagem do PIB derivado dos pequenos e médios municípios vem caindo há pelo menos duas décadas. Existe crescimento nesses municípios, mas com uma taxa menor, reveladores de economias locais muito fracas e até mesmo inviáveis do ponto de vista puramente econômico. Há outros obstáculos como a falta de mão-de-obra qualificada no Maranhão, a qual está refletida no nível de renda e tipo de emprego.


Assim, não arrancamos ainda porque não conseguimos superar esse já cansativo rosário de negatividades. Nenhum país ou sociedade no mundo atual poderá impulsionar o seu desenvolvimento e dar o arranque em sua economia convivendo, negando ou escondendo tais problemas estruturais. É preciso superá-los.
  
Raimundo Palhano é economista, com especialização em Planejamento do Desenvolvimento (UFPA/UFMA), mestre em História pela UFF (Universidade Federal Fluminense), com intercâmbio em Planejamento Educacional na Iowa State University (EUA) e Universidad Central de Las Villas (Cuba) e ex-presidente do Instituto Maranhense de Estudos Socioeconômicos e Cartográficos (IMESC)


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