terça-feira, 28 de março de 2017

UMA ARQUEOLOGIA DO PLANEJAMENTO DO DESENVOLVIMENTO





por Raimundo Palhano


        Acaba de sair das máquinas de fiar livros, a edição impressa do primeiro volume da Biblioteca Básica Maranhense – BBM, iniciativa das mais relevantes da atual gestão da Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Inovação – SECTI, uma das joias da coroa do atual governo. Trata-se da obra “Planejamento e Desenvolvimento do Maranhão: contexto histórico, obstáculos e estratégias de superação”, de autoria do historiador e educador Jhonatan Almada, atual dirigente da mencionada Secretaria. Valorizando a obra, o estimulante e lúcido Prefácio do economista e professor da UERJ, Dr. Elias Jabbour, intelectual respeitado nacionalmente e que tem uma admiração comovente pela obra do genial maranhense Ignacio Rangel.

A ideia de uma primeira biblioteca básica para o Maranhão contemporâneo, tanto em cronologia, como em interpretação, nasceu da cabeça iluminada de Rossini Corrêa, numa tentativa de reviver, com mais rigor e mais vigor, a tradição dos antigos “Grupos Maranhenses”, formados por intelectuais fundadores da erudição cultural e literária desta terra. A diferença entre a antiga biblioteca, que vem desde meados do século XIX e a atual é o seu compromisso visceral em colocar o Maranhão do avesso. A ideia não é continuar erigindo mitos, mas interpelar as razões consagradas. Na perspectiva dos promotores, o objetivo é catalogar e editar no mínimo 100 obras que ajudem a decifrar o Maranhão e seus enigmas recorrentes, muitos deles assustadores.

Em breve sairão mais 3 volumes, que, juntos ao primeiro, serão lançados ao público, na ilha e no continente, em saraus concorridos, para atrair a inteligência local e as novas gerações para mais esse importante desafio. Os empolgados com a ideia da BBM a estão denominando de a nova enciclopédia maranhense, pois nascida da fusão das culturas luso-afro-timbira, gestada em nosso meio faz tempo, abrindo espaço para novos cenários e novos grupos maranhenses, dando continuidade inovadora a uma tradição interrompida.

        O volume I é um verdadeiro e inteligente inventário sobre as origens e o processo de implementação do planejamento governamental das políticas públicas, desde que começou no Brasil e neste Estado, isto a partir de pouco antes da metade do século passado. O autor realiza, com maestria, a difícil arte de sintetizar as características dos dois processos, o nacional e o estadual, apoiado em bibliografia adequada e confiável e em fontes primárias por ele sistematizadas.

Originalmente um artigo técnico publicado pelo IPEA, que passou por um acabamento meticuloso, veio a transformar-se em um conteúdo precioso e garantido sobre o papel do estado e seus agentes na difícil e complexa arte de governar, de modo técnico e racional, o processo de desenvolvimento nacional e de desenvolvimento estadual, sujeitos que sempre foram a contextos marcados por disputas permanentes entre interesses particulares e corporativos, em que as aspirações e necessidades coletivas têm sido sobretudo tratadas como retórica.

Reconstrói com muita lapidação os primeiros passos do planejamento estatal no Brasil e no Maranhão, disponibilizando todos os instrumentos que foram utilizados para tal fim, identificando falhas e razões, apontando também causas e consequências das decisões tomadas pelos governos, indo desde a metade dos anos 1900, até o tempo presente, traçando os contornos das iniciativas estratégicas do atual grupo político que ascendeu ao trono em Brasília e em São Luís.

Não há como negar que a principal ameaça à efetividade do planejamento governamental, como estratégia para a promoção do desenvolvimento, se deve ao fato do mesmo não dispor de um poder especial que lhe garanta autonomia para intervir na implementação das políticas públicas. Esta circunstância acabou nivelando o planejamento às outras estruturas da gestão pública, favorecendo a redução de sua capacitação técnica para liderar as transformações econômicas e sociais.

Temos afirmado, no que o autor não discorda em seu texto, que o modo como o Maranhão tem se desenvolvido, marcado pela incapacidade dos governos oligárquicos de resolverem os problemas sociais sob suas responsabilidades, configurou uma situação macroeconômica em que a capacidade de investimento do estado é cada vez menor, portanto insuficiente para provocar o crescimento sustentado das forças produtivas e de seus arranjos.

Por não ter enfrentado com a devida atenção o planejamento do desenvolvimento de médio e longo prazos, sabe-se pouco sobre o que será o Maranhão quando for um estado grande. A preocupação com o imediato, com o prazo curto, tem feito com que os governos estaduais e municipais descuidassem dos termos de pactuação com os setores produtivos e empresariais que se instalaram no território maranhense, sejam multinacionais ou nacionais, levando a que pouco resultasse para a economia local e para as finanças públicas as suas presenças físicas no estado.

As reflexões produzidas pelo autor do livro deixam evidentes que é preciso que se supere a íntima relação que tem havido entre o imediatismo dos governos e as formas inorgânicas e centralizadas de gestão da administração pública. Um sistema de governo altamente imediatista não precisa de planejamento global e permanente pois se baseia em decisões pontuais e fechadas, sem a audiência da sociedade.

Temos afirmado que governos que não governam para a sociedade podem se dar ao luxo de planejar o Maranhão das suas coberturas, sem ter que ouvir as ruas, os bairros, os povoados, os municípios ou as regiões. A consequência desse processo tem sido o atraso da economia, da educação, da saúde, da cultura e da política maranhense, a ponto do Maranhão, quando visto sob a ótica dos números, ostentar resultados calamitosos, apesar de sinais da busca de superação pelos atuais governantes.

        Trabalho próximo a Jhonatan Almada faz 10 anos. Conheci-o antes disso. Acompanho o seu desabrochar pessoal bem de perto desde então e muito me impressiona a sua capacidade meteórica. Creio que este fato levou o Governador Dino, que também roda na velocidade da luz, a escolhê-lo para integrar o seu projeto de renovação e formação de uma nova camada dirigente neste Estado.

O livro que vai a lume, a Biblioteca Básica Maranhense, a Rede Ciência Maranhão, o revolucionário IEMA, o Centro Ignacio Rangel de Estudos do Desenvolvimento, para ficar nestas iniciativas de grande impacto, confirmam o emergir de um dirigente sólido e de um intelectual altamente promissor, maduro antes do tempo, que já deixa uma marca indelével em nosso meio cultural e científico, encarando de frente os desafios de ser reconhecido em uma era sob a influência determinante dos tempos líquidos.

        Os sinais da surpreendência e do visionarismo do autor estão exarados em sua festejada obra, que em breve se divulga. Com cerca de 16 anos de idade, inquieto como seus ilustres conterrâneos caxienses do passado, o autor da obra inaugural da coleção, elabora, e agora os publica, dois planos de desenvolvimento, um para o Maranhão e outro para Caxias. Chegou ao requinte de eleger os eixos temáticos, os planos, programas e projetos para cada um, dando-se ao luxo de fixar os montantes financeiros para cada uma das políticas a serem implantadas. O mais curioso de tudo: nos dois planos, o jovem planejador atribui à ciência e à tecnologia um papel fulcral para o desenvolvimento do torrão maranhense!      

Em 2009 escrevi a Jhonatan um bilhete, no qual lembrava que “Antonio Vieira reportava-se ao Maranhão como uma cidadela (rochela) de Portugal, formada por campos de almas hereges que precisam ser conquistadas e catequisadas. O tempo passou e o Maranhão enfrenta uma luta tenaz para afastar o domínio dos catequéticos e administradores da salvação. Basta ler a decantada Coluna de Domingo que ali encontramos, cristalino, o discurso homilético na versão dos novos tempos. Pobres e resignados maranhotos”.

Terminei o texto aconselhando paciência e que fosse brincar o São João!

Ele não me ouviu e continuou, sem dar tréguas, a perseguir, como um raio, o seu destino, escrito nas estrelas: concretizar aqueles dois planos de desenvolvimento, escritos aos 16, só que agora, com muita serenidade e invejável determinação.


Nenhum comentário: