quarta-feira, 5 de setembro de 2018

CHAMAS QUE APAGAM



Raimundo Palhano


O estado de extravio em que o Brasil se encontra tende ao paroxismo, na medida em que os ocupantes do trono parecem adeptos da piromania, recorrendo ao  fogo como a maneira mais eficaz para apagar a memória e dissolver a história nacional e assim se manterem no poder. 

Desde 1978, com o incêndio do Museu de Arte Moderna, até a gigantesca fogueira em que se transformou o Museu Nacional, o mais precioso da coroa, os exemplos se sucedem.

Maturidade, lucidez e paciência, muita paciência mesmo, como propõem alguns, para fazer das cinzas em que se transformaram as preciosidades destruídas, em luzes de esperança. Uma expectativa cada vez mais difícil de despertar paixões, pois a cada momento parece que estamos perdendo a capacidade de discernimento.

O incêndio do Museu Nacional, no dia 2 de setembro passado, deixou o país perplexo e em luto profundo. Se as labaredas da corrupção, da insegurança, do desemprego e da desigualdade já vinham, simbolicamente, consumindo as nossas crenças no futuro, com as chamas do Museu de 200 anos, o maior que nós tínhamos, assistíamos imóveis a consumação pelo fogo voraz de mais de 20 milhões de itens de um dos maiores acervos da cultura brasileira, de importância global.

O incêndio devorou documentos e peças de valor histórico, científico e artístico que traduziam a cultura de várias gerações e de um povo singular como o brasileiro. O que precisamos fazer agora é reagir aos perigos que rondam a nossa sociedade, que poderão levar o país ao descrédito internacional, atingindo de morte o seu povo e suas instituições, pela evidenciação da incapacidade nacional de preservar um dos seus mais preciosos tesouros: a capacidade de se instituir como civilização e de construir o seu próprio futuro.

Alguma coisa vem dando errado no Brasil contemporâneo e que está levando à destruição uma das mais promissoras culturas dos trópicos e dos tempos modernos, que já deu mostras eloquentes de vitalidade no passado, fazendo com que seu povo acreditasse que seria capaz de abrir as janelas para o futuro.

É vergonhoso admitir que deixamos às chamas um dos cinco maiores acervos museológicos do mundo. 

Queimamos fósseis de 12 mil anos; sarcófagos; documentos da Lei Áurea; o acervo de botânica Bertha Lutz; o maior dinossauro brasileiro; o maior carnívoro brasileiro; fósseis de plantas já extintas; o maior acervo de meteoritos da América Latina; o prédio onde foi assinada a independência do Brasil; duas bibliotecas importantíssimas; permitindo que as chamas da incompetência e do descaso devorassem parte da História do Brasil e do Mundo.

A maior desgraça que as chamas do Museu pode causar ao Brasil é revelar ao mundo que não temos mais capacidade de projetar o nosso futuro. Para isso, os briosos bombeiros não darão conta sozinhos. Todos precisamos reagir e fazer com que as cinzas da destruição se convertam em vidas novas.

A reação começa agora. Olho sereno e cidadão nas eleições de outubro.

terça-feira, 4 de setembro de 2018


TRAÇOS SENSÍVEIS
Raimundo Palhano

Traços Humanos: seu viver cotidiano é um libelo em favor da vida convivida todos os dias e noites. Ajuda muitos de nós a sair das cavernas escuras e solitárias ou dos labirintos insondáveis em que nos encontramos ou nos perdemos.

É o exercício de um dom conferido a Ruy Palhano, o Autor da obra, presente em sua produção intelectual exuberante, justamente o poder de dar vida ao cotidiano humano, geralmente pensado e traduzido como uma rotina que sempre se repete igual. Esse dom decorre da sua capacidade técnica, filosófica e criadora de olhar lá dentro.

Olhar lá dentro todos podem tentar e mesmo fazer. O mergulho existencial precisa revelar todavia porque as pessoas estão caminhando de costas.

Olhar lá dentro é discernir o nascente do poente. E no outro instante ficar sem norte algum para poder procurar o novo nascente e o poente acabado de nascer.

É uma incursão no provisório do terremoto, mesmo que tudo esteja petrificado ou derretido. Por isso o livro todo é sólido e líquido, evidente no esforço filosófico e científico do Autor, em sua arte pela humanização do cotidiano das criaturas.

São traços não condicionados ao bem ou ao mal, ao certo e ao errado. É um olhar sob a forma de miniaturas existenciais. A força esta na presença da paixão, sem a qual os traçados despencariam.

O livro revela que estamos precisando de reencontros, antes dos julgamentos e das sentenças sobre nossas mal traçadas vidas. É como se estivéssemos tirando leite das pedras. Para dizer que a vida existe.