Raimundo
Palhano
O
estado de extravio em que o Brasil se encontra tende ao paroxismo, na medida em
que os ocupantes do trono parecem adeptos da piromania, recorrendo ao fogo como a maneira mais eficaz para apagar a
memória e dissolver a história nacional e assim se manterem no poder.
Desde
1978, com o incêndio do Museu de Arte Moderna, até a gigantesca fogueira em que
se transformou o Museu Nacional, o mais precioso da coroa, os exemplos se
sucedem.
Maturidade,
lucidez e paciência, muita paciência mesmo, como propõem alguns, para fazer das
cinzas em que se transformaram as preciosidades destruídas, em luzes de
esperança. Uma expectativa cada vez mais difícil de despertar paixões, pois a
cada momento parece que estamos perdendo a capacidade de discernimento.
O
incêndio do Museu Nacional, no dia 2 de setembro passado, deixou o país
perplexo e em luto profundo. Se as labaredas da corrupção, da insegurança, do
desemprego e da desigualdade já vinham, simbolicamente, consumindo as nossas
crenças no futuro, com as chamas do Museu de 200 anos, o maior que nós tínhamos,
assistíamos imóveis a consumação pelo fogo voraz de mais de 20 milhões de itens
de um dos maiores acervos da cultura brasileira, de importância global.
O
incêndio devorou documentos e peças de valor histórico, científico e artístico
que traduziam a cultura de várias gerações e de um povo singular como o
brasileiro. O que precisamos fazer agora é reagir aos perigos que rondam a
nossa sociedade, que poderão levar o país ao descrédito internacional,
atingindo de morte o seu povo e suas instituições, pela evidenciação da
incapacidade nacional de preservar um dos seus mais preciosos tesouros: a
capacidade de se instituir como civilização e de construir o seu próprio
futuro.
Alguma
coisa vem dando errado no Brasil contemporâneo e que está levando à destruição
uma das mais promissoras culturas dos trópicos e dos tempos modernos, que já deu
mostras eloquentes de vitalidade no passado, fazendo com que seu povo
acreditasse que seria capaz de abrir as janelas para o futuro.
É
vergonhoso admitir que deixamos às chamas um dos cinco maiores acervos
museológicos do mundo.
Queimamos fósseis de 12 mil anos; sarcófagos;
documentos da Lei Áurea; o acervo de botânica Bertha Lutz; o maior dinossauro
brasileiro; o maior carnívoro brasileiro; fósseis de plantas já extintas; o
maior acervo de meteoritos da América Latina; o prédio onde foi assinada a
independência do Brasil; duas bibliotecas importantíssimas; permitindo que as
chamas da incompetência e do descaso devorassem parte da História do Brasil e do
Mundo.
A
maior desgraça que as chamas do Museu pode causar ao Brasil é revelar ao mundo
que não temos mais capacidade de projetar o nosso futuro. Para isso, os briosos
bombeiros não darão conta sozinhos. Todos precisamos reagir e fazer com que as cinzas da destruição se convertam em vidas novas.
A reação começa agora. Olho sereno e cidadão nas eleições de
outubro.
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