por
Raimundo Palhano
Em A Civilização do Espetáculo, Vargas
Lhosa utiliza como epígrafe uma frase metafórica do poeta chileno Vicente
Huidobro “As horas perderam seu relógio”, para explicar como as coisas estão
fora do lugar no mundo atual, em que tudo é tão surpreendente e inusitado.
Não é
que tudo deva estar no lugar certo. Não gosto disso também. Uso aqui neste
texto a mesma citação para revelar o impacto que me causou a mais nova
“orientação pedagógica” do Ministro da Educação do Brasil, o professor colombiano,
aquela sobre Hino, Fotos e Palavras de Ordem.
Os
agudos problemas que informam a educação no Brasil requerem soluções mais
criativas e programáticas do que a circunscreverem-se a costumes, como estas últimas,
que, de certo modo, pretendem obrigar os estudantes a entoarem o Hino Nacional
de um único jeito, por mais inspirador que possa ser o Hino Brasileiro.
Muito mais
insólita é a ideia de fotografar o espetáculo, talvez para revelar o “patriotismo”
das novas gerações nascidas das escolas sem partido.
Como
se não bastasse, a bula ministerial culmina com a maior das exortações desses
novos tempos brasílicos, que virou slogan do Governo Federal, frase que não repito
aqui agora por ignorância indesculpável deste comentarista.
Quando
as horas perdem seus relógios é preciso parar o tempo(impossível) ou
reinventá-lo(o maior dos desafios existenciais). Conta-se o tempo a partir de
um medidor, engenhoso ou primitivo, pois é preciso saber contar os grãos de
areia que escorrem pela ampulheta.
Nada
contra ensinar aos atuais e futuros brasileiros sobre os símbolos nacionais,
como todo país civilizado faz, no mundo todo. O que preocupa é quando se coloca
o carro na frente dos bois. Estamos tão atolados de problemas sem fim na
educação pública brasileira que pautar este assunto como prioridade parece
coisa de quem não conhece a realidade e o tempo.
O
civismo não se adquire por decreto ou bulas insuspeitas. Brota do amor profundo
que os cidadão constroem e sentem do convívio com a sua cultura e da energia
vital emanada dos seus compatriotas.
Civismo não prepara para a guerra, semeia
a paz. Não é dizendo palavras de ordem sem profundidade que tudo muda magicamente.
Pregar a guerra, pela brutalidade e insanidade que contém em si mesma, apaga a
última chama cívica de um povo.
Tudo
muda.
O carnaval de 2019 foi diferente de tantos outros. As Marchinhas podem
até ser as mesmas, mas não são. Ninguém mais pensa que cachaça é agua e muito
menos precisa usar máscara negra para declarar o seu amor de Pierrot a
Colombina, mesmo porque ela continua de olho em Arlequim.
Arlequim não chora
mais pelo amor de Colombina no meio da multidão. Pode usar uma rede social.
No
Brasil de 2019 todo mundo ainda leva a vida no arame, saçaricando, conforme a Marchinha
de 1952: todos, a viúva, o brotinho e a madame. Até o velho na porta da
Colombo, café centenário do Rio de Janeiro, e todos nós que estamos lendo estas
palavras. Não há dúvida que o MEC também leva a vida no arame.
No
entanto, não saracoteamos mais como antigamente.
Continuamos
levando a vida no arame, sim, mas já sem as ilusões de Pierrot, Colombina e
Arlequim.
Cachaça
realmente não é água, não!.
Tudo
mudaria só se a Aurora fosse sincera. ÔÔÔÔ, veja só que bom que era!
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