Por Raimundo Palhano
Março
parte para as calendas romanas, com ou sem lua nova, e nos deixa cada vez mais
atônitos em relação ao nosso autoconhecimento histórico, cuja principal
evidência é a ordem do dia presidencial, o édito do príncipe, mudando o
enquadramento histórico do Golpe de 64, retirando-lhe o caráter de regime de
exceção e atribuindo-lhe o novo status de movimento cívico em favor das
liberdades e da democracia, sem o qual o Brasil teria implodido.
Como
proclamar, não apenas nos quarteis e nas praças públicas, como querem, mas para
quem viveu direta ou indiretamente o eclodir do Golpe de 1964 e a Ditadura Militar
subsequente, como eu, mesmo ainda imberbe e usando calças curtas?
Fui
da Frente Unida dos Estudantes do Calabouço, no Rio, quando morava e completava
ali a minha formação de nível médio, tendo participado quase sempre das
manifestações do movimento estudantil na Cinelândia, em geral dissolvidas por infantaristas
e cavalarianos ensandecidos e suas bombas de gás lacrimogênio asfixiantes.
Não
foi miragem. O processo durou 21 anos e deixou sequelas profundas no Brasil, pelo visto ainda não superadas até
hoje. Mas não fica só nisso. Porta vozes do governo reverberam com total
convicção, certamente influenciados pelo canal Brasil Paralelo de Olavo de
Carvalho, para uma nova taxionomia filosófica e política na qual fascismo e
nazismo são classificados como práticas de esquerda, no que escandalizam a inteligência
acadêmica internacional e suas centenárias universidades e instituições do
saber.
Aqui
não é relevante agora o mero confronto entre pontos de vista sobre quem tem razão ou quem está errado. O que é
apavorante é observar como esta pauta de absurdos ocupa a agenda do poder nacional
de forma arrogante e cega, desconstruindo os ainda fracos pilares que sustentam
a propalada civilização brasileira.
Enquanto isso o Ministério da Educação bate
cabeças, relações exteriores desmonta uma área das mais respeitadas do Brasil no
Mundo, o Itamaraty, indo na direção perigosa do alinhamento automático com os
Estados Unidos, o qual sempre foi criticado pela subordinação à “pax americana”,
agravadas agora, sob a influência direta dos agentes e ideologias da era Trump.
Vive-se
o epicentro de um novo processo de disputa por hegemonia política no Brasil, em
que a coalizão atual, formada, entre outros, por fundamentalistas cegos de
direita, financistas, militaristas, milicianos e vitoriosos nas eleições de
2018, a qual se desdobra insensatamente em torno do controle total do poder no
país, submissa aos imperativos de uma falsa guerra de posições, pelas lacunas
ou mesmo inexistência de um projeto de direção, no que seus integrantes se esmeram em obter, a
todo custo, o apoio dos centros de poder global.
Não
podemos negligenciar ou ficar indiferentes diante desse cenário que caminha, ao
que parece, rumo ao tudo ou nada. Muitas das trapalhadas ministeriais são também
decorrência de despreparo para o exercício de cargos de alta gestão no aparelho
de Estado, fazendo com que a todos os protagonistas interesse o alinhamento à
nova ordem econômica e política internacional.
Nunca
imaginei experimentar, após mais de meio século desde 1964, que pudéssemos
retroceder tanto em nosso inconcluso projeto de nação.
Em meus estudos de
pós-graduação nutri uma grande simpatia pelas ideias do historiador polonês
Adam Schaff, autor de obra seminal intitulada “História e Verdade” que pôs abaixo
muitas explicações sobre a natureza da cientificidade da história. Em brilhante
análise sobre mundo objetivo e mundo subjetivo, aprofundou os fundamentos da história
como ciência, demonstrando tratar-se de uma questão mais complexa do que se
imaginava.
Vendo as ideias mirabolantes que povoam as cabeças da coalizão no
poder é um insulto à filosofia do conhecimento alguém propor a noção de que é
possível mudar a consciência histórica de um povo em um passe de mágica, muito
menos ainda por intermédio de uma ordem do dia.
Uma apostasia afirmar que o mundo anterior a nós não existe mais ou
perdeu o tempo de validade. Na obra de Schaff fica claro que o aludido historiador
evidencia, com muita propriedade, os malefícios de uma filosofia impregnada de conteúdos obsoletos e intencionais, na medida em que ainda repercutem com suas verdades na História.
É inaceitável para Schaff o tipo de procedimento positivista na concretude dos fatos, e o idealista na explicação do processo histórico.
Com efeito, o Presidente não podia
ter viajado para Israel e ter passado o dia 31 de março de 2019 em em Tel Aviv
para assinar os protocolos da abertura de um escritório comercial em Jerusalém.
A Autoridade Palestina condenou a decisão do governo brasileiro e vai chamar de
volta o seu embaixador no Brasil.
Deveria
ter ficado aqui para ouvir a voz das ruas e a reação aos seus comandos. Não
pegou bem nem aqui e nem lá fora, pois serviu para aprofundar ainda mais a
ruptura com a comunidade árabe, visceralmente ligada à cultura nacional, não
apenas por questões econômicas, por serem os grandes compradores de carnes
bovina e de frango, formando um mercado bilionário para a economia do país.
Não pretendia me pronunciar diretamente
sobre o assunto. A reação da inteligência brasileira foi intensa, havendo uma
pletora de matérias importantes sobre o tema. No entanto, ao abrir a internet
há pouco vi a foto do Aluísio Palhano carregada por uma manifestante em São
Pulo. Foi para mim uma espécie de herói tupiniquim. Aí me veio à mente outros grandes
brasileiros, como os três maranhenses homenageados pelo governador Flávio Dino;
Maria Aragão, Manuel da Conceição e Tribuzi e outros muito próximos, ligados
por laços afetivos, que sintetizo na figura do sonhador imortal Ruy Frazão
Soares, caminhante do universo, irmão de Célia Linhares e cunhado de José de
Ribamar Linhares, motivações perenes para continuarmos acreditando e lutando em
favor de uma sociedade fundada na cultura da paz e do amor entre os seres
humanos.
Um comentário:
É um privilégio poder ter mesmo que por pouco tempo convivido e aprendido tanto com um professor de tamanha mente brilhante na EFG. Sigo acompanhando suas ideias através de seus textos em diversos canais. Brigada pelo muito que me ensinou.
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