A COOPERAÇÃO MARANHÃO – VENEZUELA
publicado no jornal O Imparcial em 04.08.08
Raimundo Palhano
Os resultados dos trabalhos da Missão Técnica do Estado do Maranhão que esteve na Venezuela, no período de 21 a 26 de julho passado, cumprindo extensa pauta em Maturín, capital do Estado Monagas, e em Caracas, capital federal, foram plenamente satisfatórios. A começar pelo ineditismo da iniciativa, pioneira na história político-administrativa estadual por colocar a cooperação internacional federativa na agenda do planejamento público. Vários convênios foram definidos, envolvendo as áreas da agropecuária, infra-estrutura urbana, infra-estrutura portuária e da cooperação interuniversitária, além de outros, em fase de estudos, sobre alfabetização de jovens e adultos, saúde, turismo, telecomunicações e fundo de desenvolvimento sustentável, a serem homologados nos próximos trinta dias, por ocasião da visita do governador Jackson Lago àquele país, quando será recepcionado pelo presidente Hugo Chávez, retribuindo a visita feita pelo líder venezuelano em março passado ao Maranhão. A política de cooperação internacional implementada na administração estadual, retomada, simultaneamente, no estado venezuelano de Monagas e em La Habana, capital de Cuba, cuja Missão foi comandada pelo próprio governador Jackson Lago, abre um conjunto expressivo de oportunidades para a dinamização do desenvolvimento sustentável do Maranhão, uma vez que se trata de dois países latino-americanos, que, como o Maranhão, buscam, com intensa determinação, desenvolver suas economias e reduzir as assimetrias sociais. Cuba ostentando uma rica bagagem de boas práticas em educação, saúde e em outras áreas estratégicas; e a Venezuela bolivariana apresentando uma firme e decidida vontade de reestruturar plenamente sua economia interna, que vem se mantendo, já por muitos anos, numa situação desconfortável de dependência crônica às importações de quase tudo que as empresas e famílias consomem no país. No caso específico da Venezuela, os acordos de cooperação internacional decorrem da Carta de São Luís, assinada pelo governador do Maranhão e por Hugo Chávez, em 27 de março deste ano, durante a apoteótica visita do presidente venezuelano ao Maranhão. O foco essencial desses acordos é a cooperação federativa internacional, baseada nos princípios da cooperação econômica e humana solidárias, com vistas ao enfrentamento da pobreza, à busca permanente do desenvolvimento sustentável e, principalmente, à aproximação cultural entre o povo maranhense e o povo bolivariano. Na área da agropecuária já estão acertadas cooperações na produção e processamento de mandioca, produção de sementes e pesquisas de novas cultivares de soja, desenvolvimento da ovinocaprinocultura, do gado bovino de carne e leite e da bubalinocultura, também de carne e leite.Na dimensão do desenvolvimento urbano, das cidades e da infra-estrutura serão feitos convênios para transferência de tecnologias de planejamento e gestão do desenvolvimento urbano e assessoramentos qualificados ao governo do Estado Monagas objetivando a elaboração do seu Plano de Ordenamento Urbano Especial para a Área Sul de Maturín, onde se verificam ocupações desordenadas e não existem instrumentos de regulação urbanística e infra-estrutural. No que se refere à infra-estrutura portuária, os convênios envolverão transferências de tecnologias em gestão, operação e logística portuária, a serem iniciadas pelos portos de Caripito, em Monagas e Itaqui, em São Luís do Maranhão. Uma ação que seguramente ultrapassará os limites de Monagas, atingindo outras regiões da pátria de Simon Bolívar.No que tange ao intercâmbio interuniversitário serão assinados vários convênios tratando de movimentação de professores e alunos de graduação e pós-graduação, desenvolvimento de linhas de pesquisa conjuntas entre as quatro universidades parceiras, além de publicação de livros, realização de cursos de capacitação e atualização, todas iniciativas altamente promissoras para a política de valorização e capacitação de recursos humanos, sobretudo para atender aos requerimentos dos projetos estruturantes em execução e previstos para implantação no Maranhão dentro dos próximos anos.Na área de educação, cuja meta estratégica é a alfabetização de jovens, adultos e idosos, a cooperação venezuelana envolverá a metodologia de ensino do “Sim, Eu Posso” – experiência cubana implementada na Venezuela com resultados auspiciosos, que fez do país um território livre do analfabetismo. Na saúde abre-se não só a cooperação ligada à Operação Milagres, como aponta para novas áreas, como os programas de Medicina Integral Comunitária, “Bairro Adentro” e Consultórios Populares, experiências exitosas no campo da atenção primária à saúde.Outras iniciativas já estão delineadas. Uma delas é a implementação de um Fundo para o Desenvolvimento Sustentável Maranhão - Venezuela, voltado ao fomento de arranjos e cadeias produtivas locais dos dois territórios, englobando as áreas de nutrição, habitação, educação, saúde, reforço da renda familiar e geração de trabalho, emprego e renda. Com efeito, todas as iniciativas elencadas beneficiarão não apenas as políticas do setor público. Abre-se para a área empresarial e comercial um vasto campo de oportunidades de negócios, tanto no setor agropecuário, como nos setores industrial e de serviços. Estima-se que, de imediato, só no setor agropecuário, cerca de 20 milhões de dólares serão mobilizados para atender aos convênios já definidos. O governo bolivariano da Venezuela prioriza claramente o desenvolvimento endógeno, pois descobriu que a sustentabilidade econômica do país exige a superação dos velhos conceitos centrados na hegemonia absoluta do petróleo, incapaz que foi de diversificar e agregar valor ao seu sistema produtivo. Por esse motivo, a política do governo está toda ela voltada para a dinamização da economia, focada no desenvolvimento humano sustentável e nos princípios da economia solidária, perseguindo a geração de trabalho, emprego e renda. Deve-se destacar, por fim, que a política de cooperação internacional federativa adotada pelo sistema de planejamento do governo estadual coloca o Maranhão na dianteira de muitos estados brasileiros. Iniciada por Tucumán, na Argentina, no bojo do Mercosul Norte e agora reforçada em Cuba e Venezuela, a estratégia de buscar na cooperação internacional reforço ao planejamento do desenvolvimento endógeno, representa uma ousada e indispensável inovação na gestão pública de base intermediária, que poderá servir de exemplo para muitos estados da federação brasileira e mesmo latino-americana. Por outro lado, os efeitos internos serão imediatos. No caso específico do Maranhão rompe uma longa tradição de subalternidade intelectual e técnica e inaugura uma nova postura, onde agentes públicos acostumados a apenas receber conhecimentos e tecnologias, passam, agora, a assumir a condição de supridores e fornecedores de saberes relevantes. Com certeza um novo olhar sobre o Maranhão se avizinha e uma nova mentalidade se forja, onde o medo de ousar deixará de existir para sempre. A nova ordem mundial, concluindo em definitivo, reduziu o peso das políticas internas que se “fecham em copas” ao deslocar o eixo das decisões relevantes para o sistema internacional. O mundo caminha para uma situação em que o “provincianismo” dos governos locais não mais se sustentará autonomamente, pois a sustentabilidade sistêmica dos governos, seja em que nível for, dependerá da forma como se inserirão nessa ordem global em permanente mutação. Chávez talvez sonhe em ser o Bolívar do século XXI. A primeira lição parece que assimilou plenamente. Sente na pele que, sem a cooperação internacional solidária, o sonho bolivariano pode virar um pesadelo assustador. Implícito em tudo isso está a certeza de que, no mundo de hoje, a cooperação entre os governos intermediários tem importância fundamental para os processos de integração política, econômica, social e cultural da América-Latina. É hora de agir.
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