Os resultados parciais do Censo 2000, do IBGE, não disponíveis por ocasião do “Seminário Estadual Educação para a Zona Rural”, confirmam o Maranhão como o Estado brasileiro de maior taxa de habitantes rurais do país –40,3%. Mesmo tendo sido superada, pela primeira vez, pela população urbana, a taxa maranhense é bem superior à nacional, de 13%.
Por outro lado, o Censo de 2000, o Censo Escolar do INEP e as mais recentes estatísticas dos indicadores sociais brasileiros, continuam evidenciando que a área rural abriga um contingente vastíssimo da população estudantil maranhense, chegando em alguns níveis e modalidades, como o ensino fundamental de 1a à 4a Série, a cobrir próximo de 50% do total de matrículas.
Pelo que se viu nas várias exposições e nos debates ocorridos durante o evento, tanto sob a ótica das entidades governamentais, como das não-governamentais, o desafio de construir uma educação do campo, dotada de qualidade acadêmica e social, é algo monumental, embora possível, desde que se alterem os atuais padrões que informam o modelo de desenvolvimento maranhense.
O que fazer para superar um modelo educacional –se é que assim se pode realmente nomeá-lo-, cuja taxa de efetividade evidencia que de cada 100 alunos que nele ingressam, apenas 3 chegam ao fim em suas escolas de ensino fundamental?
Um apanhado inicial das idéias havidas no Seminário aponta para a necessidade urgente de se levar em conta, para o enfrentamento da situação, pelo menos quatro questões essenciais:
a) Trabalhar um novo conceito de educação, e de educação para a zona rural em particular, que inclua o desenvolvimento humano e social, frente aos novos desafios colocados ao local pela ordem mundial globalizada e, mais diretamente, pelas necessidades de mudança do modelo de desenvolvimento brasileiro;
b) Examinar, em profundidade, qual o conceito e como são operadas as políticas públicas, e educacionais em especial, no Maranhão e em seus municípios, nas últimas décadas. Que fatores econômicos, políticos e culturais estão determinando e influenciando diretamente o quadro atual de exclusões da educação maranhense, a partir das políticas que vêm sendo implantadas?;
c) Pisar fundo no chamado chão da escola pública e da municipal em particular. O que está se passando no cotidiano da escola municipal das áreas rurais, perdidas nas densas florestas do isolamento social e da convivência em comunidades minúsculas? Como professores e alunos estão se relacionando? O que eles estão aprendendo e ensinando? Os currículos das escolas rurais maranhenses servem para que e para quem? Como estão sendo implantados e executados esses currículos? Quem participa de sua concepção e elaboração? Qual tem sido o papel dos pais e das pequenas comunidades rurais frente à educação de suas crianças e jovens e mesmo às suas próprias re(e)ducações?;
d) Ter clareza sobre a quem compete a direção e centralidade da política educacional municipal e para a área rural em particular. De quem deve ser a responsabilidade direta pela discussão, concepção, formulação e implementação da política educacional dos municípios e para a zona rural? É atribuição do MEC, da GDH e do Governo Estadual ou é dos municípios e suas organizações locais? De acordo com a Constituição de 1988, com a LDB em vigor e com outros dispositivos legais, esta é uma responsabilidade inalienável dos municípios. São entes federativos autônomos e como tais têm o dever cívico de não renunciarem a esse princípio. No entanto, o que se observa, é ainda uma forte presença do MEC, das Gerências Centrais e Regionais nos sistemas municipais de ensino, à exceção apenas quanto às redes rurais, hoje sem propostas instituintes e quase completamente esquecidas pela União e pelos sistemas estaduais. Muitos dirão que os municípios são “fracos” para exercerem seus papéis de formuladores e condutores de uma política educacional própria, o que tem levado a muito deles a não reagirem e aceitarem como legítima a “intervenção” dos outros sistemas. Mesmo que se admita que muitos municípios ainda sejam realmente fracos estruturalmente, urge que se supere esse padrão relacional, mesmo que feito em nome do regime de colaboração. A continuar esse tipo de “cooperação”, pelo poder institucional dos protagonistas dos outros sistemas de ensino, os municípios ainda demorarão muito mais a atingir sua autonomia e assim continuarão renunciando voluntariamente às suas prerrogativas constitucionais.
Nas duas próximas seções do presente texto, antecedendo o esforço de oferecer um desenho para a agenda a que se propôs, pretende-se, de um lado, ordenar melhor os dados do contexto maranhense atual, presentes nas falas do Seminário, e mesmo atualizar alguns, para que se tenha uma visão, ainda que abrangente, do desempenho dessa formação social nos dias que correm, bem como explicitar as questões de conteúdo que informam a problemática das políticas públicas de inclusão educacional, na tentativa de compor o cenário teórico e metodológico que fatalmente terá que ser explorado para a construção dos novos paradigmas de mudança.
1- O CONTEXTO MARANHENSE EM GRANDES NÚMEROS
Com uma área total de 333.365,6 km2( 3,9% da área brasileira ) e localizado a oeste da Região Nordeste, o Maranhão é o 2o maior Estado da Região e o 8o maior do Brasil. Divide-se em 217 Municípios, espalhados em microrregiões geográficas.
Segundo o Censo Demográfico de 2000, o Maranhão, com 5.638.381 habitantes( 3,3% da população brasileira ) é o 10o Estado em termos populacionais. É a Unidade federada que concentra o maior número de moradores na zona rural, 2.282.804 ou 40,5%, taxa bem superior à brasileira, igual a 18,8%. No caso maranhense, só no último Censo, a população urbana, 3.355.577, superou a rural, enquanto no país tal ocorreu no Censo de 1970.
O contingente de mulheres ultrapassa em 31.325 o de homens e a taxa de crescimento médio anual na década dos 90, medida a partir do Censo de 1991( 4.930.253 habitantes ) corresponde a 1,94%, levemente superior à nacional, apurada em 1,63%.
Dados de 1998, relacionados à cor ou raça, apresentavam a seguinte composição: Pardos 72,6%, Brancos 22,6%, Pretos 4,4% e Indígenas 0,4%. A densidade demográfica obtida no último Censo corresponde a 16,91 habitantes/km2.
Apesar de alguns grandes projetos industriais, voltados à exportação, localizados na Capital e em alguns Municípios da pré-amazônia maranhense e de apresentar, nos últimos 4 anos, taxas de crescimento industrial elevadas( indústrias metalúrgica, alimentícia, madeireira e têxtil ), em especial os 10,3% de 1988, considerada a mais elevada do país; e de outros, também modernos, vinculados ao setor agropecuário( soja e pecuária de corte ), na parte sul do Estado; a economia maranhense caracteriza-se, sobretudo, pelo extrativismo e pequena produção agrícola( cana de açúcar, mandioca, arroz, babaçu, pesca artesanal ), sob métodos produtivos primitivos ou de baixíssima tecnologia, voltada, em boa parte, à subsistência, operada em uma das estruturas fundiárias das mais concentradas do país; e pela forte participação do setor terciário, onde se destaca o papel proeminente do segmento governamental, responsáveis, estes dois últimos, pela absorção da maior parte da população economicamente ativa.
O PIB estadual, segundo o IBGE e dados de 1998, totalizava R$ 7,2 bilhões ou 0,80% do PIB brasileiro no período, igual a R$ 913,7 bilhões. O PIB maranhense, no contexto do Nordeste, naquele ano, era 5 vezes menor que o da Bahia, 3 vezes menor que o de Pernambuco e 2,5 vezes menor que o do Ceará. Essa soma de bens e serviços produzidos no ano, gerava uma renda per capita de R$ 1.337,00 no Maranhão, a segunda mais baixa do país, superior apenas à do Piauí, e bem abaixo da renda per capita nacional, correspondente a R$ 5.860,75.
É um dos Estados de maior concentração de renda do país. Seu índice de Gini ( que mede a concentração de riqueza, indo de 0 a 1 ), em igual período, equivalente a , situava-se bem próximo dos dois Estados mais desiguais do Brasil, no caso Paraíba( Gini de 0,644 ) e Piauí( Gini de 0,609 ).
A renda média mensal dos 40% mais pobres no Maranhão, em 1999, correspondente a R$ 72,20, era inferior à do Nordeste( R$ 79,28 ) e mais ainda em relação à brasileira( R$ 127,27 ). Com tal nível de renda, o referido extrato social percebia, por dia de trabalho, o correspondente a R$ 2,41 ou R$ 0,30 por hora trabalhada. Ainda entre os 40% mais pobres, cerca de 3% não percebiam renda alguma.
A proporção da população ocupada, por renda familiar per capita de até meio salário mínimo, conforme a PNAD, no Maranhão, em 1999, correspondia a 52,9%, acima dos 34,3% de 1992 e bem mais alta que a observada para o Brasil, igual a 18,9%. O percentual de famílias, com renda de até meio salário mínimo, segundo a mesma fonte e em igual período, totalizava 49,1%, acima dos 35,8% atingidos em 1992 e distante do número nacional, no caso 20,1%. Nestes dois últimos indicadores, o desempenho maranhense atingiu os piores patamares do país.
Dados de 1998, também do IBGE, revelavam que os 57,8% da população ocupada do setor primário se apropriavam apenas de 10,7% da renda interna; que os 8,2% da população ocupada do setor secundário, de 23,3%, e que os 33,6% da população ocupada do setor terciário absorviam 66% da mencionada renda interna. No mesmo ano, a população urbana, estimada em 43% da população total, detinha 89,3% da renda, enquanto a população rural, estimada em 57% da população total, se apropriava de apenas 10,7%.
A composição do PIB maranhense no ano de 1998, de acordo com o IPEA, era a seguinte: Agropecuária 13,9%, Indústria 27,1% e Serviços 59%.
O balanço, feito pelo IBGE, dos anos 90, a partir do estudo “Indicadores Sociais 2000”, situa o Maranhão como um dos três Estados brasileiros com menor desenvolvimento social, por apresentar um dos piores desempenhos nos indicadores sociais ao longo da década, superado apenas por Alagoas, o primeiro, e Piauí, o segundo.
A taxa de analfabetismo das pessoas com 15 anos e mais, no Estado, equivale a 28,8%( em 1996 era de 33,12% ), bem mais elevada que a brasileira, de 13,5%. Na referida Unidade, a taxa de analfabetismo funcional corresponde a 52,8%( em 1998 apresentava a mais elevada taxa do país, igual a 56,7%, segundo o MEC ), significando dizer que 5 em cada 10 moradores são analfabetos funcionais, ou seja, estudaram menos de 4 anos e só sabem escrever o nome. Segundo a PNAD de 1999, na distribuição da taxa de analfabetismo por raça ou cor, 21% eram Pretos, 19,6% Pardos e 8,3% Brancos.
A mortalidade infantil no Maranhão atinge 54,2 crianças de cada 1.000 nascidas vivas( índice que situa o Estado entre os mais baixos do país ), bem acima da taxa brasileira, de 34,6; e a mortalidade das crianças de menos de 1 ano, por causas mal definidas, chega a 20,5%, mais elevada que a atingida em 1992, igual a 17,5%, conforme a PNAD 1992/1999.
Pelos dados do UNICEF, em 1999, era bem elevado o índice de desnutrição entre crianças até 5 anos, a ponto de dois Municípios maranhenses, no caso Afonso Cunha e Nina Rodrigues, estarem entre os 10 Municípios brasileiros com maior índice de crianças desnutridas, com taxas próximas de 36%.
Segundo o Ministério da Saúde, a maior parte da população não tem acesso a saneamento básico; apenas 15,4% dos moradores da zona rural contam com esgotos sanitários. Segundo a PNAD de 1999, era de 58,9% o percentual de domicílios abastecidos por meio de água encanada, enquanto no Nordeste atingia-se 80,9% das residências.
O desempenho do setor educacional também exige atenção redobrada.
A área da educação infantil, que cobre a faixa de 0 a 6 anos, passa por grandes dificuldades, principalmente quanto à oferta de creches públicas, onde a carência é generalizada. De acordo com a publicação “Situação da Infância Brasileira 2001”, do UNICEF, em 1999, o Maranhão tinha 506.861 crianças na faixa de 0 a 3 anos. Considerando-se que o atendimento desta faixa em creches públicas correspondia a 3,43%, vê-se o quanto ainda precisa ser feito pelo setor público maranhense. Mesmo sendo bem mais elevada a taxa de matrícula na pré-escola, igual a 51,24%, muitas novas vagas precisam igualmente ser abertas para atender o contingente de crianças na faixa de 4 a 6 anos, igual a 402.074.
O ensino fundamental, embora ostente uma taxa líquida de matrícula( 91,24% ) quase igual à nacional, de 95,4%, na faixa de 7 a 14 anos, apresenta uma elevadíssima taxa de defasagem idade/série, igual a 63,6%, a ponto de, dentre os 1.634.218 alunos matriculados, mais de 1.000.000 corresponder a estudantes em situação de percurso retardado. Segundo o Censo Escolar, em 1999, a defasagem idade/série de crianças de 14 anos era de 92,7%.
O ensino médio, além da grande defasagem idade/série, 70,8%, o que levou o Governo estadual a contratar o Telecurso 2000 da Fundação Roberto Marinho para liberar, em 15 meses, cerca de 150.000 alunos defasados, de um total de matrículas ao redor de 200.000 em todo o Estado, enfrenta um outro desafio, representado por uma forte demanda por novas vagas para atender à crescente procura das áreas urbanas e mesmo rurais. Tomando-se por base os dados do Censo Escolar, em 1999, a taxa de escolarização líquida era de apenas 17% e a taxa bruta equivalia a 46%. A despeito de ser o nível de ensino que mais cresceu( incremento médio anual de 11,5% )em termos de aumento de alunos, nos últimos anos, vê-se o quanto ainda precisa ser feito para que se eleve a taxa de escolarização líquida do ensino médio maranhense.
Em 1998, conforme o INEP/MEC, no ensino fundamental, a taxa de evasão era de 6,1%, a de reprovação de 13,1%, a de abandono de 15,5% e a de repetência de 30,9%; no ensino médio a taxa de evasão era de 7,7%, a de reprovação de 7,4%, a de abandono de 16,1% e a de repetência de 19,2%.
No ensino fundamental, em 1999, segundo a mesma fonte, a infra-estrutura disponível em termos da existência de laboratórios de ciência era de 2,7%; de bibliotecas igual a 20,5% e de quadras de esportes correspondia a 18,4%.
Estudo do UNICEF e do Governo Estadual, analisando o desempenho da educação básica maranhense nos anos 80, revela que do total de matrículas na 1a Série, apenas 12,1% concluíam o ensino fundamental e precisavam de 8,8 anos para terminá-lo. O panorama para os alunos da escola rural era dramático: ao redor de 3% chegavam à 8a Série, passando mais de 10 anos para completá-lo. Em média, naquela década, de cada 1.000 alunos que entravam no sistema, apenas 55 se formavam em 8 anos e 66 em mais de oito. Nada menos que 50% abandonavam a 1a Série e apenas 22% atingiam a 4a Série. Mais de 68% das matrículas anuais eram destinadas a cobrir necessidades dos que iriam ser excluídos da rede de ensino( 57,1% ) e dos repetentes( 11,1% ). Na década, o sistema de ensino gastava 25 matrículas-ano por cada aluno formado, quando a relação aceitável equivale a 8 ou, no máximo, 9. Uma das características básicas desse sistema era a sua. incapacidade de “reter” o aluno, de assegurar a sua inclusão permanente.
O ensino superior, pela avaliação do “Provão”, apresenta desempenho sofrível. Dos 49 cursos de graduação da UEMA, a maioria dos que foram avaliados, obteve notas “E” e “D”, de onde também não escapa a maior parte dos avaliados dentre os 42 cursos da UFMA. Neste nível de ensino, as pressões de demanda também são enormes. Entre públicos e particulares, segundo dados de 1999 da SESU/MEC, eram oferecidos no Maranhão 103 cursos de nível superior, que atendiam a 24.077 alunos matriculados. Naquele ano foram ofertadas 8.199 vagas e se inscreveram nos vestibulares 52.041 candidatos, gerando uma relação de 6,3 candidatos por vaga disponível, como média geral
Dois indicadores, por fim, sintetizam bem o quadro de pobreza e de desigualdade sociais vigentes no território maranhense.
O primeiro diz respeito ao IDH, originalmente desenvolvido no âmbito da ONU, que leva em conta a expectativa de vida ao nascer, o grau de escolaridade e a renda per capita da população.
O segundo refere-se ao IDI, construído pelo UNICEF/Brasil, ( lastreado nas principais variáveis que informam a TMM5- Taxa Média de Mortalidade de Menores de 5 Anos, considerado por aquele Fundo seu principal indicador de bem estar da infância no mundo ), e que incorpora aspectos do conceito de desenvolvimento infantil e enfoques de direitos humanos presentes na doutrina da proteção integral contidas na Convenção sobre os Direitos da Criança e no ECA, o qual leva em consideração o percentual de crianças que dependem de mães e pais com escolaridade precária, a cobertura vacinal, a cobertura pré-natal, a taxa de escolarização bruta em creches e pré-escolas, entre outras.
O IDH do Maranhão, em 1997 e 1998, era, respectivamente, 0,547 e 0,512, enquanto o brasileiro atingia 0,739 e 0,797. Em 1997, com esse índice, o Brasil ocupava a 74a posição no mundo em termos de desenvolvimento humano. Em igual período, em nível bem abaixo do índice médio nacional, o IDH maranhense era o terceiro menor do país, superior apenas ao do Piauí( 0,534 ) e ao de Alagoas( 0,538 ).
O IDI do Estado do Maranhão, calculado com base em dados de 1999, era de 0,455, enquanto o brasileiro totalizava 0,539, ambos distantes do mais elevado índice atingido no país, o do DF, igual a 0,673. Pelo levantamento, o Maranhão ficou com o 24o IDI do Brasil. Dos 217 Municípios maranhenses, 140 ou 64% do total, possuíam IDI de até 0,399. O Estado abriga em torno de 1.000.000 de crianças na faixa de 0 a 6 anos. O desempenho do IDI maranhense revela a monumental obra que terá que ser feita hoje para garantir uma melhor qualidade de vida para sua infância e um futuro menos sombrio para as próximas gerações.
2- DESAFIOS À UMA POLÍTICA DE INCLUSÃO EDUCACIONAL PARA O
CAMPO MARANHENSE
O acesso a uma educação includente é um direito universal de crianças e jovens, assegurado pela Convenção sobre os Direitos da Criança e confirmados para a juventude brasileira pela Constituição de 1988, pelo ECA de 1990, pela LDB de 1996, entre outros instrumentos legais. Trata-se de um movimento e de uma ação em prol da garantia dos direitos de crianças e jovens como prioridade absoluta, para que cresçam em liberdade, saudáveis, em paz e com dignidade. Incluir, nesta situação, significa assegurar que crianças e jovens tenham acesso a uma educação de qualidade, no sentido de que, nos seis primeiros anos de vida acessem creches e pré-escolas; que concluam o ensino fundamental em oito anos; e que os adolescentes, de um modo geral, atinjam o ensino médio.
Embora se saiba que as exclusões não sejam monopólios do Brasil, ou do século XX, pois, como afirma Delors et alii( 1999, p.30-60 ), elas existem desde os tempos de Caim, não há como negar, todavia, conforme os mesmos autores, que a idéia de uma educação ao longo de toda a vida, conforme recomendam como saída para o século XXI, se opõe à maior de todas as exclusões – a motivada pela ignorância.
A idéia de inclusão, por seu turno, não se esgota no atendimento da demanda escolar, insatisfeita ou potencial. Em seu trabalho sobre os saberes necessários à educação do futuro, Morin( 2000, p.47-48 ), considera o acesso um estágio indispensável, mas afirma que o sentido maior é com um novo padrão de saber que seja necessário à construção de uma sociedade nova, o oposto da atual, em termos de por fim às desigualdades e de obtenção da equidade, voltada a incluir o homem em um mundo em que ele se constrói e é também construtor. Conforme o mesmo autor, as bases filosóficas de uma educação para a inclusão estão referidas à construção de uma nova pedagogia, cuja essência traduz-se em ensinar e aprender a condição humana, uma vez que, em pleno terceiro milênio, “o humano continua esquartejado, partido em pedaços de um quebra-cabeças ao qual falta uma peça”( Morin, 2000, p.48 ).
Por quê, passados tantos anos, ainda não se conseguiu garantir e universalizar esses direitos? O quê fazer para contribuir na mudança do atual perfil sócio-econômico e educacional maranhense?
O Brasil, suas várias Regiões e Estados, onde se insere o Maranhão, não podem aceitar, conforme adverte Frigotto( Corrêa, 2000, p.9 ), como destino inexorável, a síndrome de Sísifo. Algo de concreto precisa ser feito para que se desfaça, de uma vez por todas, essa “maldição”, simbolizada pelas forças internas do atraso e externas da dominação econômica, que, de tempos em tempos, empurram para baixo os sonhos de mudança da sociedade brasileira e maranhense, fazendo com que o país e suas Unidades federadas não consigam atingir um desenvolvimento material compartilhado e auto-sustentado. Como justificar, ou mesmo explicar, às novas e futuras gerações de brasileiros e maranhenses este prolongadíssimo fracasso histórico ? Por quê não se consegue afastar, de vez, os efeitos deletérios do castigo de Sísifo sendo, como é o povo brasileiro e maranhense, uma gente capaz e laboriosa e donos de uma terra, como poucas no planeta, que não poupa prodigalidades em quase tudo que possui?
Sem a menor dúvida, a mais urgente e estratégica das alternativas vincula-se à conquista de uma educação de qualidade para a maior parte possível das crianças, da juventude e da população brasileira como um todo. Excluídos do conhecimento, da informação e dos meios de subsistências básicos, o povo permanece apartado da cidadania ativa e, por essa razão, torna-se mais facilmente subjugado pelas forças econômicas e políticas que não querem perder seus privilégios e domínios e que, por esse motivo, tudo farão para que esta realidade educacional, social e cultural não se altere.
Chegar a patamares desejáveis de uma educação includente não é tarefa fácil. A evolução da história brasileira mostra claramente como se foi constituindo e instituindo no país as pré-condições que acabaram levando aos atuais níveis vergonhosos de desigualdades e exclusões. O crescimento econômico do Brasil sempre se processou à custa da desqualificação da força de trabalho e da sua não-cidadania. Do período colonial ao Império, alicerçados no abominável estatuto do trabalho escravo, passando pelas repressões violentas ao povo e seus movimentos por direitos civis, políticos, sociais e trabalhistas, na Primeira República, indo até as décadas finais do recém findo século XX, não há como negar que a economia do país se desenvolveu a partir do que, no velho regime, era considerado uma vantagem comparativa básica: a abundância de trabalhadores e seus baixos níveis educacionais.
Por outro lado, embora a solução seja fácil de vislumbrar, dado o cenário da nova ordem econômica mundial globalizada, onde a nova vantagem comparativa está referida ao mundo do conhecimento, o enfrentamento do problema, contudo, revela-se dos mais complexos, porque a sua superação significa, verdadeiramente, alterar o padrão de poder e de acumulação instalados em muitos Estados e Municípios do país.
Com efeito, a lógica da chamada nova economia, pautada na sociedade do conhecimento, da ciência e da tecnologia, nova economia esta que sobre esse padrão de sociedade exerce hegemonia, coloca o desenvolvimento educacional como estratégia vital e indispensável para a expansão desse novo modelo, que, para se desenvolver, necessita de recursos humanos com níveis educacionais e de qualificação sempre crescentes.
Hoje, as economias nacionais, onde se inscreve a brasileira, para se tornarem competitivas no mercado globalizado, precisam elevar o nível educacional de seus trabalhadores e do povo em geral ( para serem futuros trabalhadores ou consumidores). Eis, entre outros fatores, os motivos que estão fazendo da educação uma prioridade nas agendas de governos e empresas, na medida em que passa a ser uma componente fundamental para tornar as economias competitivas e afirmá-las nos contextos dos mercados internacionais. Daí o interesse evidente do governo brasileiro, nos últimos tempos, em reformar seus sistemas educacionais, pois a manutenção dos níveis sofríveis de desempenho da educação pública nos Estados e Municípios brasileiros inviabilizarão as pretensões de desenvolvimento do país e a sua inserção eficaz na economia mundial.
Com toda certeza, por seu turno, tornar os sistemas educacionais públicos e a educação formal verdadeiramente inclusivos é um dos maiores desafios do Brasil, principalmente para boa parte de Estados e Municípios que ainda continuam em estágio de desenvolvimento atrasado, pois, antes mesmo do desafio de melhorar a qualidade da educação, precisam superar enormes déficits de matrículas em todos os níveis do ensino formal.
Estudos da CEPAL demonstram que o trabalhador brasileiro ainda não venceu a barreira da educação. Com apenas 6,1 anos de estudo em média, perde para países como Colômbia (7,3 anos), Costa Rica (7,9 anos), Panamá (9,5 anos), México (9,5 anos) e Chile (10,4 anos), por exemplo. O trabalhador rural brasileiro só freqüenta a escola 2,5 anos em média. Pesquisas da OIT e do IPEA, por exemplo, apontam que há uma relação direta entre baixa remuneração do trabalho e baixo índice de escolaridade e que o acesso à educação formal impacta positivamente nas economias nacionais, incrementando sua capacidade de gerar eficiência, produtividade e renda.
Tomando-se como referência o Estado do Maranhão, lugar central dos interesses deste Projeto, o perfil de realidade referente à educação básica assume, como se viu, contornos dramáticos. Considerando as características estruturais da educação básica maranhense, que ações seriam capazes de promover a inclusão educacional, entendendo-se incluir como garantia de medidas que estimulem a permanência dos alunos atuais e ampliem o acesso de novos, principalmente nos níveis da educação infantil, do ensino médio e da educação de jovens e adultos?
Uma das mais urgentes medidas nesse sentido resume-se em continuar o trabalho de reforço ao processo de municipalização educacional. O Maranhão é um dos estados brasileiros de maior índice de municipalização da educação básica. Curiosamente, ou paradoxalmente, detém uma insignificante taxa de autonomia de seus sistemas de ensino. Embora este problema tenha recorrência nacional, o caso maranhense é chocante porque permanece inalterado há décadas.
Dado o atual contexto educacional brasileiro, o que significa reforçar o processo de municipalização?
De um lado, o processo de municipalização compulsória tomando forma, uma vez que já é majoritária a matrícula municipal da educação infantil e fundamental no país; de outro, mesmo municipalizados, os Municípios não se municipalizam, uma vez que a grande maioria não opta pela autonomia dos seus sistemas municipais de ensino; e, de outro mais, como consta da Carta do 8o Fórum da UNDIME( Brasília, 18-20 de abril/2001 ), programas nacionais do MEC estariam interferindo diretamente na autonomia municipal, transformando os Municípios em meros repassadores de informações, o que levou os signatários da referida Carta a exigirem respeito à autonomia dos sistemas municipais de ensino, condenando toda e qualquer forma de imposição de prioridades para suas escolas, sem que os Municípios e suas instituições educacionais tenham autonomia para deliberar o que efetivamente consideram essencial para o seu desenvolvimento.
Percebe-se, por outro lado, uma vontade difusa à mudança desse quadro, o que é promissor. A ação de um bom punhado de ONG’s, de movimentos sociais e o próprio processo de municipalização acelerada, que atribui cada vez mais encargos aos municípios, têm estimulado o debate desta questão e com isso ampliado a consciência sobre a importância da autonomia. Até quando as lideranças municipais continuarão se omitindo? Como elas explicarão aos seus munícipes tão prolongada renúncia voluntária, ou como diz Édla Soares( Anais do V Fórum Estadual da UNDIME-MA, 2001, no prelo ), essa omissão cívica, na medida em que se trata de um direito assegurado desde a Constituição de 1988 e reforçado, em 1996, pela LDB?
Como pensar um macro-projeto, voltado à inclusão educacional, sem passar pelo enfrentamento dessa questão? O processo de municipalização da educação básica precisa de correções, a começar pela própria maneira como vem se dando. Enqunto os municípios continuarem sendo locais de experimentação das políticas nacionais e estaduais, a municipalização será sempre inconclusa, uma vez que a dinâmica desse modelo inibe, ou mesmo impede o avanço das iniciativas locais e a conquista da autonomia. O que fazer para alterar essa lógica que, ainda que bem intencionada, percebe o município como um ente subordinado e não como uma instância em nível hierárquico horizontal? Eis porque pouco se avança em termos de regime de colaboração entre os sistemas municipais e estaduais e o próprio sistema federal não abdica de sua condição de gestor privilegiado dos recursos e da inteligência da política educacional.
A questão que se coloca é a seguinte: de que perspectiva deve ser construída a qualidade da escola e da educação pública municipal? Da perspectiva daqueles que violam a autonomia municipal ou de uma outra, que precisa ser construída coletivamente, comprometida com a reinvenção da escola e com a fundação de uma nova educação?
Dado o estágio atual das organizações da sociedade civil no Estado do Maranhão e a consciência que setores esclarecidos de organizações governamentais possuem sobre a problemática educacional maranhense, é factível uma ação articulada em rede, com a participação ativa de todos que recebem apoio do UNICEF no Estado, pugnando, de modo explícito e competentemente, a partir de regras e metas claras, pela efetivação dos sistemas municipais de ensino. A constituição dessa aliança multiorganizacional, integrada por representantes de organizações governamentais e não-governamentais, sob o respaldo de um organismos internacional dos mais respeitados pelo seu trabalho em prol dos direitos humanos e da infância, em particular, com toda certeza encorajará os municípios a assumirem seus direitos constitucionais como entes federados autônomos no âmbito dos sistemas de ensino.
Além do mais, os desafios colocados hoje, apresentam-se interligados, o que requer uma ação de enfrentamento que seja o mais conjugada possível, em teia, sem o que dificilmente se encontrarão soluções realmente includentes. Sem perder de vista que, mais do que nunca, a política educacional só será realmente válida se estiver entranhada nas necessidades mais profundas da sociedade.
O grande desafio colocado hoje se refere a como fazer o casamento entre formulações de planos, concepções de reformas e teorias explicativas com as experiências vividas pelas pessoas em seus cotidianos e lugares de existência. Fora disso é continuar repetindo fórmulas superadas sem a menor possibilidade de revitalização das políticas públicas.
3- UMA AGENDA EM FAVOR DA EDUCÃO NO CAMPO MARANHENSE
O conteúdo do Seminário, os números decepcionantes do diagnóstico educacional e dos indicadores do baixo desempenho social, que afetam diretamente a qualidade de vida da população, bem como a própria dinâmica da ordem mundial globalizada, apontam para a necessidade de mudanças profundas nas concepções de política pública adotadas no Brasil e no Maranhão, especialmente. Para essa missão todos estão convocados, não sendo mais o seu enfrentamento um monopólio dos governos. Mais do que nunca, os setores organizados da sociedade civil, passam a ter uma importância estratégica decisiva, pois deles dependerá a própria governabilidade do sistema. Lutar ao máximo para serem ouvidos e influírem nesse processo de reinvenção das políticas públicas em nosso país e em nosso Estado assume pois ares de clarividência histórica.
Com efeito, insistir e persistir na tecla do economicismo é prolongar o sofrimento da maior parte da população e fortalecer as múltiplas desigualdades a que estamos sujeitos há séculos. Vozes experientes do nosso país e muitas partes do mundo deixam claro que a hegemonia do economicismo produziu uma realidade marcada pela concentração de renda, pela desigualdade social e pela diferenciação, cada vez mais profunda, entre seres humanos e comunidades.
Os resultados fantásticos da vida moderna não são repartidos e são de consumo exclusivo de parcelas cada vez menores da sociedade. Uma nova política pública para a América Latina, Brasil e Maranhão, que seja capaz de romper a inequidade distributiva do modelo economicista, exige um novo paradigma: o da sustentabilidade.
Significa mudar o enfoque das políticas governamentais, caracterizado pela priorização que sempre deu à infra-estrutura econômica, canalizando-o na direção dos serviços sociais de interesse e de consumo coletivo.
O investimento governamental não pode continuar subordinado aos interesses imediatos dos grupos políticos estaduais e municipais que estão no poder e de seus aliados, tanto do setor público quanto do setor privado. Esse modelo tradicional de gerir o investimento público fez com que o Estado deixasse de ser um agente do bem comum para tornar-se o defensor privilegiado dos interesses particulares, em geral restritos, no que vem incentivando a reprodução do domínio político à custa da expansão da pobreza e da ignorância e, conseqüentemente, impedindo o desenvolvimento auto-sustentado da sociedade.
Com toda certeza, não se chegará a um modelo de política pública pautada na sustentabilidade, sem que se aumentem significativamente os espaços de participação social. Não se coaduna com este modelo a forma tradicional fundamentada no planejamento e na administração centralizados. O governo terá que abdicar de muitas de suas arrogâncias e superioridades e partir para estreitar laços sólidos com o setor empresarial e com a sociedade civil e seus movimentos sociais organizados.
A sustentabilidade, em última instância, interessa a todos. O governo e seus representantes já sabem que sozinhos não serão capazes de resolver a questão do desenvolvimento social com equidade. Os setores mais lúcidos, ainda minoritários, sabem muito bem que a permanência no poder passa obrigatoriamente por essa mudança de paradigma. Lamentavelmente, as forças neo-oligárquicas, sobreviventes em alguns países, estados e municípios, em vez de se reeducarem, continuam recorrendo aos velhos métodos de fazer gestão pública e insistem no ideário economicista, agora maquiado com a ajuda da tecnologia moderna e dos meios de comunicação de massa, no que vão impondo suas idéias autoritárias e adotando suas políticas de exclusão e dominação cultural.
Nesse contexto, o que se pode fazer para que o sistema de educação pública possa ser um agente civilizador, capaz de contribuir no sentido da conquista de uma política pública centrada na sustentabilidade, fazendo assim com que se edifique uma sociedade cidadã no campo maranhense?
Para responder a essa questão, algumas medidas terão que ser tomadas, como requisitos indispensáveis à viabilidade das mudanças pleiteadas:
a) Uma das mais prioritárias, por seu caráter de indispensabilidade, refere-se à quebra do modelo atual de produção e gestão das políticas públicas. Mesmo tendo um efeito-demonstração relevante, pouco adiantará se a democratização e a modernização da política educacional for um fato isolado e não estiver inserido no contexto maior da política governamental.
b) O primeiro passo, antes de qualquer coisa, diz respeito à necessidade inadiável de que se reinvente a escola rural maranhense. Uma escola que só titula 3% dos que a procuram, depois de depositarem nela seus melhores sonhos de futuro, já deveria estar sumariamente reprovada há muito tempo.
Por outro lado, o Censo de 2000, o Censo Escolar do INEP e as mais recentes estatísticas dos indicadores sociais brasileiros, continuam evidenciando que a área rural abriga um contingente vastíssimo da população estudantil maranhense, chegando em alguns níveis e modalidades, como o ensino fundamental de 1a à 4a Série, a cobrir próximo de 50% do total de matrículas.
Pelo que se viu nas várias exposições e nos debates ocorridos durante o evento, tanto sob a ótica das entidades governamentais, como das não-governamentais, o desafio de construir uma educação do campo, dotada de qualidade acadêmica e social, é algo monumental, embora possível, desde que se alterem os atuais padrões que informam o modelo de desenvolvimento maranhense.
O que fazer para superar um modelo educacional –se é que assim se pode realmente nomeá-lo-, cuja taxa de efetividade evidencia que de cada 100 alunos que nele ingressam, apenas 3 chegam ao fim em suas escolas de ensino fundamental?
Um apanhado inicial das idéias havidas no Seminário aponta para a necessidade urgente de se levar em conta, para o enfrentamento da situação, pelo menos quatro questões essenciais:
a) Trabalhar um novo conceito de educação, e de educação para a zona rural em particular, que inclua o desenvolvimento humano e social, frente aos novos desafios colocados ao local pela ordem mundial globalizada e, mais diretamente, pelas necessidades de mudança do modelo de desenvolvimento brasileiro;
b) Examinar, em profundidade, qual o conceito e como são operadas as políticas públicas, e educacionais em especial, no Maranhão e em seus municípios, nas últimas décadas. Que fatores econômicos, políticos e culturais estão determinando e influenciando diretamente o quadro atual de exclusões da educação maranhense, a partir das políticas que vêm sendo implantadas?;
c) Pisar fundo no chamado chão da escola pública e da municipal em particular. O que está se passando no cotidiano da escola municipal das áreas rurais, perdidas nas densas florestas do isolamento social e da convivência em comunidades minúsculas? Como professores e alunos estão se relacionando? O que eles estão aprendendo e ensinando? Os currículos das escolas rurais maranhenses servem para que e para quem? Como estão sendo implantados e executados esses currículos? Quem participa de sua concepção e elaboração? Qual tem sido o papel dos pais e das pequenas comunidades rurais frente à educação de suas crianças e jovens e mesmo às suas próprias re(e)ducações?;
d) Ter clareza sobre a quem compete a direção e centralidade da política educacional municipal e para a área rural em particular. De quem deve ser a responsabilidade direta pela discussão, concepção, formulação e implementação da política educacional dos municípios e para a zona rural? É atribuição do MEC, da GDH e do Governo Estadual ou é dos municípios e suas organizações locais? De acordo com a Constituição de 1988, com a LDB em vigor e com outros dispositivos legais, esta é uma responsabilidade inalienável dos municípios. São entes federativos autônomos e como tais têm o dever cívico de não renunciarem a esse princípio. No entanto, o que se observa, é ainda uma forte presença do MEC, das Gerências Centrais e Regionais nos sistemas municipais de ensino, à exceção apenas quanto às redes rurais, hoje sem propostas instituintes e quase completamente esquecidas pela União e pelos sistemas estaduais. Muitos dirão que os municípios são “fracos” para exercerem seus papéis de formuladores e condutores de uma política educacional própria, o que tem levado a muito deles a não reagirem e aceitarem como legítima a “intervenção” dos outros sistemas. Mesmo que se admita que muitos municípios ainda sejam realmente fracos estruturalmente, urge que se supere esse padrão relacional, mesmo que feito em nome do regime de colaboração. A continuar esse tipo de “cooperação”, pelo poder institucional dos protagonistas dos outros sistemas de ensino, os municípios ainda demorarão muito mais a atingir sua autonomia e assim continuarão renunciando voluntariamente às suas prerrogativas constitucionais.
Nas duas próximas seções do presente texto, antecedendo o esforço de oferecer um desenho para a agenda a que se propôs, pretende-se, de um lado, ordenar melhor os dados do contexto maranhense atual, presentes nas falas do Seminário, e mesmo atualizar alguns, para que se tenha uma visão, ainda que abrangente, do desempenho dessa formação social nos dias que correm, bem como explicitar as questões de conteúdo que informam a problemática das políticas públicas de inclusão educacional, na tentativa de compor o cenário teórico e metodológico que fatalmente terá que ser explorado para a construção dos novos paradigmas de mudança.
1- O CONTEXTO MARANHENSE EM GRANDES NÚMEROS
Com uma área total de 333.365,6 km2( 3,9% da área brasileira ) e localizado a oeste da Região Nordeste, o Maranhão é o 2o maior Estado da Região e o 8o maior do Brasil. Divide-se em 217 Municípios, espalhados em microrregiões geográficas.
Segundo o Censo Demográfico de 2000, o Maranhão, com 5.638.381 habitantes( 3,3% da população brasileira ) é o 10o Estado em termos populacionais. É a Unidade federada que concentra o maior número de moradores na zona rural, 2.282.804 ou 40,5%, taxa bem superior à brasileira, igual a 18,8%. No caso maranhense, só no último Censo, a população urbana, 3.355.577, superou a rural, enquanto no país tal ocorreu no Censo de 1970.
O contingente de mulheres ultrapassa em 31.325 o de homens e a taxa de crescimento médio anual na década dos 90, medida a partir do Censo de 1991( 4.930.253 habitantes ) corresponde a 1,94%, levemente superior à nacional, apurada em 1,63%.
Dados de 1998, relacionados à cor ou raça, apresentavam a seguinte composição: Pardos 72,6%, Brancos 22,6%, Pretos 4,4% e Indígenas 0,4%. A densidade demográfica obtida no último Censo corresponde a 16,91 habitantes/km2.
Apesar de alguns grandes projetos industriais, voltados à exportação, localizados na Capital e em alguns Municípios da pré-amazônia maranhense e de apresentar, nos últimos 4 anos, taxas de crescimento industrial elevadas( indústrias metalúrgica, alimentícia, madeireira e têxtil ), em especial os 10,3% de 1988, considerada a mais elevada do país; e de outros, também modernos, vinculados ao setor agropecuário( soja e pecuária de corte ), na parte sul do Estado; a economia maranhense caracteriza-se, sobretudo, pelo extrativismo e pequena produção agrícola( cana de açúcar, mandioca, arroz, babaçu, pesca artesanal ), sob métodos produtivos primitivos ou de baixíssima tecnologia, voltada, em boa parte, à subsistência, operada em uma das estruturas fundiárias das mais concentradas do país; e pela forte participação do setor terciário, onde se destaca o papel proeminente do segmento governamental, responsáveis, estes dois últimos, pela absorção da maior parte da população economicamente ativa.
O PIB estadual, segundo o IBGE e dados de 1998, totalizava R$ 7,2 bilhões ou 0,80% do PIB brasileiro no período, igual a R$ 913,7 bilhões. O PIB maranhense, no contexto do Nordeste, naquele ano, era 5 vezes menor que o da Bahia, 3 vezes menor que o de Pernambuco e 2,5 vezes menor que o do Ceará. Essa soma de bens e serviços produzidos no ano, gerava uma renda per capita de R$ 1.337,00 no Maranhão, a segunda mais baixa do país, superior apenas à do Piauí, e bem abaixo da renda per capita nacional, correspondente a R$ 5.860,75.
É um dos Estados de maior concentração de renda do país. Seu índice de Gini ( que mede a concentração de riqueza, indo de 0 a 1 ), em igual período, equivalente a , situava-se bem próximo dos dois Estados mais desiguais do Brasil, no caso Paraíba( Gini de 0,644 ) e Piauí( Gini de 0,609 ).
A renda média mensal dos 40% mais pobres no Maranhão, em 1999, correspondente a R$ 72,20, era inferior à do Nordeste( R$ 79,28 ) e mais ainda em relação à brasileira( R$ 127,27 ). Com tal nível de renda, o referido extrato social percebia, por dia de trabalho, o correspondente a R$ 2,41 ou R$ 0,30 por hora trabalhada. Ainda entre os 40% mais pobres, cerca de 3% não percebiam renda alguma.
A proporção da população ocupada, por renda familiar per capita de até meio salário mínimo, conforme a PNAD, no Maranhão, em 1999, correspondia a 52,9%, acima dos 34,3% de 1992 e bem mais alta que a observada para o Brasil, igual a 18,9%. O percentual de famílias, com renda de até meio salário mínimo, segundo a mesma fonte e em igual período, totalizava 49,1%, acima dos 35,8% atingidos em 1992 e distante do número nacional, no caso 20,1%. Nestes dois últimos indicadores, o desempenho maranhense atingiu os piores patamares do país.
Dados de 1998, também do IBGE, revelavam que os 57,8% da população ocupada do setor primário se apropriavam apenas de 10,7% da renda interna; que os 8,2% da população ocupada do setor secundário, de 23,3%, e que os 33,6% da população ocupada do setor terciário absorviam 66% da mencionada renda interna. No mesmo ano, a população urbana, estimada em 43% da população total, detinha 89,3% da renda, enquanto a população rural, estimada em 57% da população total, se apropriava de apenas 10,7%.
A composição do PIB maranhense no ano de 1998, de acordo com o IPEA, era a seguinte: Agropecuária 13,9%, Indústria 27,1% e Serviços 59%.
O balanço, feito pelo IBGE, dos anos 90, a partir do estudo “Indicadores Sociais 2000”, situa o Maranhão como um dos três Estados brasileiros com menor desenvolvimento social, por apresentar um dos piores desempenhos nos indicadores sociais ao longo da década, superado apenas por Alagoas, o primeiro, e Piauí, o segundo.
A taxa de analfabetismo das pessoas com 15 anos e mais, no Estado, equivale a 28,8%( em 1996 era de 33,12% ), bem mais elevada que a brasileira, de 13,5%. Na referida Unidade, a taxa de analfabetismo funcional corresponde a 52,8%( em 1998 apresentava a mais elevada taxa do país, igual a 56,7%, segundo o MEC ), significando dizer que 5 em cada 10 moradores são analfabetos funcionais, ou seja, estudaram menos de 4 anos e só sabem escrever o nome. Segundo a PNAD de 1999, na distribuição da taxa de analfabetismo por raça ou cor, 21% eram Pretos, 19,6% Pardos e 8,3% Brancos.
A mortalidade infantil no Maranhão atinge 54,2 crianças de cada 1.000 nascidas vivas( índice que situa o Estado entre os mais baixos do país ), bem acima da taxa brasileira, de 34,6; e a mortalidade das crianças de menos de 1 ano, por causas mal definidas, chega a 20,5%, mais elevada que a atingida em 1992, igual a 17,5%, conforme a PNAD 1992/1999.
Pelos dados do UNICEF, em 1999, era bem elevado o índice de desnutrição entre crianças até 5 anos, a ponto de dois Municípios maranhenses, no caso Afonso Cunha e Nina Rodrigues, estarem entre os 10 Municípios brasileiros com maior índice de crianças desnutridas, com taxas próximas de 36%.
Segundo o Ministério da Saúde, a maior parte da população não tem acesso a saneamento básico; apenas 15,4% dos moradores da zona rural contam com esgotos sanitários. Segundo a PNAD de 1999, era de 58,9% o percentual de domicílios abastecidos por meio de água encanada, enquanto no Nordeste atingia-se 80,9% das residências.
O desempenho do setor educacional também exige atenção redobrada.
A área da educação infantil, que cobre a faixa de 0 a 6 anos, passa por grandes dificuldades, principalmente quanto à oferta de creches públicas, onde a carência é generalizada. De acordo com a publicação “Situação da Infância Brasileira 2001”, do UNICEF, em 1999, o Maranhão tinha 506.861 crianças na faixa de 0 a 3 anos. Considerando-se que o atendimento desta faixa em creches públicas correspondia a 3,43%, vê-se o quanto ainda precisa ser feito pelo setor público maranhense. Mesmo sendo bem mais elevada a taxa de matrícula na pré-escola, igual a 51,24%, muitas novas vagas precisam igualmente ser abertas para atender o contingente de crianças na faixa de 4 a 6 anos, igual a 402.074.
O ensino fundamental, embora ostente uma taxa líquida de matrícula( 91,24% ) quase igual à nacional, de 95,4%, na faixa de 7 a 14 anos, apresenta uma elevadíssima taxa de defasagem idade/série, igual a 63,6%, a ponto de, dentre os 1.634.218 alunos matriculados, mais de 1.000.000 corresponder a estudantes em situação de percurso retardado. Segundo o Censo Escolar, em 1999, a defasagem idade/série de crianças de 14 anos era de 92,7%.
O ensino médio, além da grande defasagem idade/série, 70,8%, o que levou o Governo estadual a contratar o Telecurso 2000 da Fundação Roberto Marinho para liberar, em 15 meses, cerca de 150.000 alunos defasados, de um total de matrículas ao redor de 200.000 em todo o Estado, enfrenta um outro desafio, representado por uma forte demanda por novas vagas para atender à crescente procura das áreas urbanas e mesmo rurais. Tomando-se por base os dados do Censo Escolar, em 1999, a taxa de escolarização líquida era de apenas 17% e a taxa bruta equivalia a 46%. A despeito de ser o nível de ensino que mais cresceu( incremento médio anual de 11,5% )em termos de aumento de alunos, nos últimos anos, vê-se o quanto ainda precisa ser feito para que se eleve a taxa de escolarização líquida do ensino médio maranhense.
Em 1998, conforme o INEP/MEC, no ensino fundamental, a taxa de evasão era de 6,1%, a de reprovação de 13,1%, a de abandono de 15,5% e a de repetência de 30,9%; no ensino médio a taxa de evasão era de 7,7%, a de reprovação de 7,4%, a de abandono de 16,1% e a de repetência de 19,2%.
No ensino fundamental, em 1999, segundo a mesma fonte, a infra-estrutura disponível em termos da existência de laboratórios de ciência era de 2,7%; de bibliotecas igual a 20,5% e de quadras de esportes correspondia a 18,4%.
Estudo do UNICEF e do Governo Estadual, analisando o desempenho da educação básica maranhense nos anos 80, revela que do total de matrículas na 1a Série, apenas 12,1% concluíam o ensino fundamental e precisavam de 8,8 anos para terminá-lo. O panorama para os alunos da escola rural era dramático: ao redor de 3% chegavam à 8a Série, passando mais de 10 anos para completá-lo. Em média, naquela década, de cada 1.000 alunos que entravam no sistema, apenas 55 se formavam em 8 anos e 66 em mais de oito. Nada menos que 50% abandonavam a 1a Série e apenas 22% atingiam a 4a Série. Mais de 68% das matrículas anuais eram destinadas a cobrir necessidades dos que iriam ser excluídos da rede de ensino( 57,1% ) e dos repetentes( 11,1% ). Na década, o sistema de ensino gastava 25 matrículas-ano por cada aluno formado, quando a relação aceitável equivale a 8 ou, no máximo, 9. Uma das características básicas desse sistema era a sua. incapacidade de “reter” o aluno, de assegurar a sua inclusão permanente.
O ensino superior, pela avaliação do “Provão”, apresenta desempenho sofrível. Dos 49 cursos de graduação da UEMA, a maioria dos que foram avaliados, obteve notas “E” e “D”, de onde também não escapa a maior parte dos avaliados dentre os 42 cursos da UFMA. Neste nível de ensino, as pressões de demanda também são enormes. Entre públicos e particulares, segundo dados de 1999 da SESU/MEC, eram oferecidos no Maranhão 103 cursos de nível superior, que atendiam a 24.077 alunos matriculados. Naquele ano foram ofertadas 8.199 vagas e se inscreveram nos vestibulares 52.041 candidatos, gerando uma relação de 6,3 candidatos por vaga disponível, como média geral
Dois indicadores, por fim, sintetizam bem o quadro de pobreza e de desigualdade sociais vigentes no território maranhense.
O primeiro diz respeito ao IDH, originalmente desenvolvido no âmbito da ONU, que leva em conta a expectativa de vida ao nascer, o grau de escolaridade e a renda per capita da população.
O segundo refere-se ao IDI, construído pelo UNICEF/Brasil, ( lastreado nas principais variáveis que informam a TMM5- Taxa Média de Mortalidade de Menores de 5 Anos, considerado por aquele Fundo seu principal indicador de bem estar da infância no mundo ), e que incorpora aspectos do conceito de desenvolvimento infantil e enfoques de direitos humanos presentes na doutrina da proteção integral contidas na Convenção sobre os Direitos da Criança e no ECA, o qual leva em consideração o percentual de crianças que dependem de mães e pais com escolaridade precária, a cobertura vacinal, a cobertura pré-natal, a taxa de escolarização bruta em creches e pré-escolas, entre outras.
O IDH do Maranhão, em 1997 e 1998, era, respectivamente, 0,547 e 0,512, enquanto o brasileiro atingia 0,739 e 0,797. Em 1997, com esse índice, o Brasil ocupava a 74a posição no mundo em termos de desenvolvimento humano. Em igual período, em nível bem abaixo do índice médio nacional, o IDH maranhense era o terceiro menor do país, superior apenas ao do Piauí( 0,534 ) e ao de Alagoas( 0,538 ).
O IDI do Estado do Maranhão, calculado com base em dados de 1999, era de 0,455, enquanto o brasileiro totalizava 0,539, ambos distantes do mais elevado índice atingido no país, o do DF, igual a 0,673. Pelo levantamento, o Maranhão ficou com o 24o IDI do Brasil. Dos 217 Municípios maranhenses, 140 ou 64% do total, possuíam IDI de até 0,399. O Estado abriga em torno de 1.000.000 de crianças na faixa de 0 a 6 anos. O desempenho do IDI maranhense revela a monumental obra que terá que ser feita hoje para garantir uma melhor qualidade de vida para sua infância e um futuro menos sombrio para as próximas gerações.
2- DESAFIOS À UMA POLÍTICA DE INCLUSÃO EDUCACIONAL PARA O
CAMPO MARANHENSE
O acesso a uma educação includente é um direito universal de crianças e jovens, assegurado pela Convenção sobre os Direitos da Criança e confirmados para a juventude brasileira pela Constituição de 1988, pelo ECA de 1990, pela LDB de 1996, entre outros instrumentos legais. Trata-se de um movimento e de uma ação em prol da garantia dos direitos de crianças e jovens como prioridade absoluta, para que cresçam em liberdade, saudáveis, em paz e com dignidade. Incluir, nesta situação, significa assegurar que crianças e jovens tenham acesso a uma educação de qualidade, no sentido de que, nos seis primeiros anos de vida acessem creches e pré-escolas; que concluam o ensino fundamental em oito anos; e que os adolescentes, de um modo geral, atinjam o ensino médio.
Embora se saiba que as exclusões não sejam monopólios do Brasil, ou do século XX, pois, como afirma Delors et alii( 1999, p.30-60 ), elas existem desde os tempos de Caim, não há como negar, todavia, conforme os mesmos autores, que a idéia de uma educação ao longo de toda a vida, conforme recomendam como saída para o século XXI, se opõe à maior de todas as exclusões – a motivada pela ignorância.
A idéia de inclusão, por seu turno, não se esgota no atendimento da demanda escolar, insatisfeita ou potencial. Em seu trabalho sobre os saberes necessários à educação do futuro, Morin( 2000, p.47-48 ), considera o acesso um estágio indispensável, mas afirma que o sentido maior é com um novo padrão de saber que seja necessário à construção de uma sociedade nova, o oposto da atual, em termos de por fim às desigualdades e de obtenção da equidade, voltada a incluir o homem em um mundo em que ele se constrói e é também construtor. Conforme o mesmo autor, as bases filosóficas de uma educação para a inclusão estão referidas à construção de uma nova pedagogia, cuja essência traduz-se em ensinar e aprender a condição humana, uma vez que, em pleno terceiro milênio, “o humano continua esquartejado, partido em pedaços de um quebra-cabeças ao qual falta uma peça”( Morin, 2000, p.48 ).
Por quê, passados tantos anos, ainda não se conseguiu garantir e universalizar esses direitos? O quê fazer para contribuir na mudança do atual perfil sócio-econômico e educacional maranhense?
O Brasil, suas várias Regiões e Estados, onde se insere o Maranhão, não podem aceitar, conforme adverte Frigotto( Corrêa, 2000, p.9 ), como destino inexorável, a síndrome de Sísifo. Algo de concreto precisa ser feito para que se desfaça, de uma vez por todas, essa “maldição”, simbolizada pelas forças internas do atraso e externas da dominação econômica, que, de tempos em tempos, empurram para baixo os sonhos de mudança da sociedade brasileira e maranhense, fazendo com que o país e suas Unidades federadas não consigam atingir um desenvolvimento material compartilhado e auto-sustentado. Como justificar, ou mesmo explicar, às novas e futuras gerações de brasileiros e maranhenses este prolongadíssimo fracasso histórico ? Por quê não se consegue afastar, de vez, os efeitos deletérios do castigo de Sísifo sendo, como é o povo brasileiro e maranhense, uma gente capaz e laboriosa e donos de uma terra, como poucas no planeta, que não poupa prodigalidades em quase tudo que possui?
Sem a menor dúvida, a mais urgente e estratégica das alternativas vincula-se à conquista de uma educação de qualidade para a maior parte possível das crianças, da juventude e da população brasileira como um todo. Excluídos do conhecimento, da informação e dos meios de subsistências básicos, o povo permanece apartado da cidadania ativa e, por essa razão, torna-se mais facilmente subjugado pelas forças econômicas e políticas que não querem perder seus privilégios e domínios e que, por esse motivo, tudo farão para que esta realidade educacional, social e cultural não se altere.
Chegar a patamares desejáveis de uma educação includente não é tarefa fácil. A evolução da história brasileira mostra claramente como se foi constituindo e instituindo no país as pré-condições que acabaram levando aos atuais níveis vergonhosos de desigualdades e exclusões. O crescimento econômico do Brasil sempre se processou à custa da desqualificação da força de trabalho e da sua não-cidadania. Do período colonial ao Império, alicerçados no abominável estatuto do trabalho escravo, passando pelas repressões violentas ao povo e seus movimentos por direitos civis, políticos, sociais e trabalhistas, na Primeira República, indo até as décadas finais do recém findo século XX, não há como negar que a economia do país se desenvolveu a partir do que, no velho regime, era considerado uma vantagem comparativa básica: a abundância de trabalhadores e seus baixos níveis educacionais.
Por outro lado, embora a solução seja fácil de vislumbrar, dado o cenário da nova ordem econômica mundial globalizada, onde a nova vantagem comparativa está referida ao mundo do conhecimento, o enfrentamento do problema, contudo, revela-se dos mais complexos, porque a sua superação significa, verdadeiramente, alterar o padrão de poder e de acumulação instalados em muitos Estados e Municípios do país.
Com efeito, a lógica da chamada nova economia, pautada na sociedade do conhecimento, da ciência e da tecnologia, nova economia esta que sobre esse padrão de sociedade exerce hegemonia, coloca o desenvolvimento educacional como estratégia vital e indispensável para a expansão desse novo modelo, que, para se desenvolver, necessita de recursos humanos com níveis educacionais e de qualificação sempre crescentes.
Hoje, as economias nacionais, onde se inscreve a brasileira, para se tornarem competitivas no mercado globalizado, precisam elevar o nível educacional de seus trabalhadores e do povo em geral ( para serem futuros trabalhadores ou consumidores). Eis, entre outros fatores, os motivos que estão fazendo da educação uma prioridade nas agendas de governos e empresas, na medida em que passa a ser uma componente fundamental para tornar as economias competitivas e afirmá-las nos contextos dos mercados internacionais. Daí o interesse evidente do governo brasileiro, nos últimos tempos, em reformar seus sistemas educacionais, pois a manutenção dos níveis sofríveis de desempenho da educação pública nos Estados e Municípios brasileiros inviabilizarão as pretensões de desenvolvimento do país e a sua inserção eficaz na economia mundial.
Com toda certeza, por seu turno, tornar os sistemas educacionais públicos e a educação formal verdadeiramente inclusivos é um dos maiores desafios do Brasil, principalmente para boa parte de Estados e Municípios que ainda continuam em estágio de desenvolvimento atrasado, pois, antes mesmo do desafio de melhorar a qualidade da educação, precisam superar enormes déficits de matrículas em todos os níveis do ensino formal.
Estudos da CEPAL demonstram que o trabalhador brasileiro ainda não venceu a barreira da educação. Com apenas 6,1 anos de estudo em média, perde para países como Colômbia (7,3 anos), Costa Rica (7,9 anos), Panamá (9,5 anos), México (9,5 anos) e Chile (10,4 anos), por exemplo. O trabalhador rural brasileiro só freqüenta a escola 2,5 anos em média. Pesquisas da OIT e do IPEA, por exemplo, apontam que há uma relação direta entre baixa remuneração do trabalho e baixo índice de escolaridade e que o acesso à educação formal impacta positivamente nas economias nacionais, incrementando sua capacidade de gerar eficiência, produtividade e renda.
Tomando-se como referência o Estado do Maranhão, lugar central dos interesses deste Projeto, o perfil de realidade referente à educação básica assume, como se viu, contornos dramáticos. Considerando as características estruturais da educação básica maranhense, que ações seriam capazes de promover a inclusão educacional, entendendo-se incluir como garantia de medidas que estimulem a permanência dos alunos atuais e ampliem o acesso de novos, principalmente nos níveis da educação infantil, do ensino médio e da educação de jovens e adultos?
Uma das mais urgentes medidas nesse sentido resume-se em continuar o trabalho de reforço ao processo de municipalização educacional. O Maranhão é um dos estados brasileiros de maior índice de municipalização da educação básica. Curiosamente, ou paradoxalmente, detém uma insignificante taxa de autonomia de seus sistemas de ensino. Embora este problema tenha recorrência nacional, o caso maranhense é chocante porque permanece inalterado há décadas.
Dado o atual contexto educacional brasileiro, o que significa reforçar o processo de municipalização?
De um lado, o processo de municipalização compulsória tomando forma, uma vez que já é majoritária a matrícula municipal da educação infantil e fundamental no país; de outro, mesmo municipalizados, os Municípios não se municipalizam, uma vez que a grande maioria não opta pela autonomia dos seus sistemas municipais de ensino; e, de outro mais, como consta da Carta do 8o Fórum da UNDIME( Brasília, 18-20 de abril/2001 ), programas nacionais do MEC estariam interferindo diretamente na autonomia municipal, transformando os Municípios em meros repassadores de informações, o que levou os signatários da referida Carta a exigirem respeito à autonomia dos sistemas municipais de ensino, condenando toda e qualquer forma de imposição de prioridades para suas escolas, sem que os Municípios e suas instituições educacionais tenham autonomia para deliberar o que efetivamente consideram essencial para o seu desenvolvimento.
Percebe-se, por outro lado, uma vontade difusa à mudança desse quadro, o que é promissor. A ação de um bom punhado de ONG’s, de movimentos sociais e o próprio processo de municipalização acelerada, que atribui cada vez mais encargos aos municípios, têm estimulado o debate desta questão e com isso ampliado a consciência sobre a importância da autonomia. Até quando as lideranças municipais continuarão se omitindo? Como elas explicarão aos seus munícipes tão prolongada renúncia voluntária, ou como diz Édla Soares( Anais do V Fórum Estadual da UNDIME-MA, 2001, no prelo ), essa omissão cívica, na medida em que se trata de um direito assegurado desde a Constituição de 1988 e reforçado, em 1996, pela LDB?
Como pensar um macro-projeto, voltado à inclusão educacional, sem passar pelo enfrentamento dessa questão? O processo de municipalização da educação básica precisa de correções, a começar pela própria maneira como vem se dando. Enqunto os municípios continuarem sendo locais de experimentação das políticas nacionais e estaduais, a municipalização será sempre inconclusa, uma vez que a dinâmica desse modelo inibe, ou mesmo impede o avanço das iniciativas locais e a conquista da autonomia. O que fazer para alterar essa lógica que, ainda que bem intencionada, percebe o município como um ente subordinado e não como uma instância em nível hierárquico horizontal? Eis porque pouco se avança em termos de regime de colaboração entre os sistemas municipais e estaduais e o próprio sistema federal não abdica de sua condição de gestor privilegiado dos recursos e da inteligência da política educacional.
A questão que se coloca é a seguinte: de que perspectiva deve ser construída a qualidade da escola e da educação pública municipal? Da perspectiva daqueles que violam a autonomia municipal ou de uma outra, que precisa ser construída coletivamente, comprometida com a reinvenção da escola e com a fundação de uma nova educação?
Dado o estágio atual das organizações da sociedade civil no Estado do Maranhão e a consciência que setores esclarecidos de organizações governamentais possuem sobre a problemática educacional maranhense, é factível uma ação articulada em rede, com a participação ativa de todos que recebem apoio do UNICEF no Estado, pugnando, de modo explícito e competentemente, a partir de regras e metas claras, pela efetivação dos sistemas municipais de ensino. A constituição dessa aliança multiorganizacional, integrada por representantes de organizações governamentais e não-governamentais, sob o respaldo de um organismos internacional dos mais respeitados pelo seu trabalho em prol dos direitos humanos e da infância, em particular, com toda certeza encorajará os municípios a assumirem seus direitos constitucionais como entes federados autônomos no âmbito dos sistemas de ensino.
Além do mais, os desafios colocados hoje, apresentam-se interligados, o que requer uma ação de enfrentamento que seja o mais conjugada possível, em teia, sem o que dificilmente se encontrarão soluções realmente includentes. Sem perder de vista que, mais do que nunca, a política educacional só será realmente válida se estiver entranhada nas necessidades mais profundas da sociedade.
O grande desafio colocado hoje se refere a como fazer o casamento entre formulações de planos, concepções de reformas e teorias explicativas com as experiências vividas pelas pessoas em seus cotidianos e lugares de existência. Fora disso é continuar repetindo fórmulas superadas sem a menor possibilidade de revitalização das políticas públicas.
3- UMA AGENDA EM FAVOR DA EDUCÃO NO CAMPO MARANHENSE
O conteúdo do Seminário, os números decepcionantes do diagnóstico educacional e dos indicadores do baixo desempenho social, que afetam diretamente a qualidade de vida da população, bem como a própria dinâmica da ordem mundial globalizada, apontam para a necessidade de mudanças profundas nas concepções de política pública adotadas no Brasil e no Maranhão, especialmente. Para essa missão todos estão convocados, não sendo mais o seu enfrentamento um monopólio dos governos. Mais do que nunca, os setores organizados da sociedade civil, passam a ter uma importância estratégica decisiva, pois deles dependerá a própria governabilidade do sistema. Lutar ao máximo para serem ouvidos e influírem nesse processo de reinvenção das políticas públicas em nosso país e em nosso Estado assume pois ares de clarividência histórica.
Com efeito, insistir e persistir na tecla do economicismo é prolongar o sofrimento da maior parte da população e fortalecer as múltiplas desigualdades a que estamos sujeitos há séculos. Vozes experientes do nosso país e muitas partes do mundo deixam claro que a hegemonia do economicismo produziu uma realidade marcada pela concentração de renda, pela desigualdade social e pela diferenciação, cada vez mais profunda, entre seres humanos e comunidades.
Os resultados fantásticos da vida moderna não são repartidos e são de consumo exclusivo de parcelas cada vez menores da sociedade. Uma nova política pública para a América Latina, Brasil e Maranhão, que seja capaz de romper a inequidade distributiva do modelo economicista, exige um novo paradigma: o da sustentabilidade.
Significa mudar o enfoque das políticas governamentais, caracterizado pela priorização que sempre deu à infra-estrutura econômica, canalizando-o na direção dos serviços sociais de interesse e de consumo coletivo.
O investimento governamental não pode continuar subordinado aos interesses imediatos dos grupos políticos estaduais e municipais que estão no poder e de seus aliados, tanto do setor público quanto do setor privado. Esse modelo tradicional de gerir o investimento público fez com que o Estado deixasse de ser um agente do bem comum para tornar-se o defensor privilegiado dos interesses particulares, em geral restritos, no que vem incentivando a reprodução do domínio político à custa da expansão da pobreza e da ignorância e, conseqüentemente, impedindo o desenvolvimento auto-sustentado da sociedade.
Com toda certeza, não se chegará a um modelo de política pública pautada na sustentabilidade, sem que se aumentem significativamente os espaços de participação social. Não se coaduna com este modelo a forma tradicional fundamentada no planejamento e na administração centralizados. O governo terá que abdicar de muitas de suas arrogâncias e superioridades e partir para estreitar laços sólidos com o setor empresarial e com a sociedade civil e seus movimentos sociais organizados.
A sustentabilidade, em última instância, interessa a todos. O governo e seus representantes já sabem que sozinhos não serão capazes de resolver a questão do desenvolvimento social com equidade. Os setores mais lúcidos, ainda minoritários, sabem muito bem que a permanência no poder passa obrigatoriamente por essa mudança de paradigma. Lamentavelmente, as forças neo-oligárquicas, sobreviventes em alguns países, estados e municípios, em vez de se reeducarem, continuam recorrendo aos velhos métodos de fazer gestão pública e insistem no ideário economicista, agora maquiado com a ajuda da tecnologia moderna e dos meios de comunicação de massa, no que vão impondo suas idéias autoritárias e adotando suas políticas de exclusão e dominação cultural.
Nesse contexto, o que se pode fazer para que o sistema de educação pública possa ser um agente civilizador, capaz de contribuir no sentido da conquista de uma política pública centrada na sustentabilidade, fazendo assim com que se edifique uma sociedade cidadã no campo maranhense?
Para responder a essa questão, algumas medidas terão que ser tomadas, como requisitos indispensáveis à viabilidade das mudanças pleiteadas:
a) Uma das mais prioritárias, por seu caráter de indispensabilidade, refere-se à quebra do modelo atual de produção e gestão das políticas públicas. Mesmo tendo um efeito-demonstração relevante, pouco adiantará se a democratização e a modernização da política educacional for um fato isolado e não estiver inserido no contexto maior da política governamental.
b) O primeiro passo, antes de qualquer coisa, diz respeito à necessidade inadiável de que se reinvente a escola rural maranhense. Uma escola que só titula 3% dos que a procuram, depois de depositarem nela seus melhores sonhos de futuro, já deveria estar sumariamente reprovada há muito tempo.
Um comentário:
Avançamos bastante na área da discussão politica acerca da educação do campo, mas convivemos com uma realidade muito precária nas escolas do campo. Precisamos fazer com que os conhecimentos e os debates políticos e pedagógicos construídos pelos movimentos sociais e educadores transformem-se em políticas públicas concretas. Vejam as nossas discussões: http://educacaonosemiarido.blogspot.com
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