por Raimundo Palhano
A história do desenvolvimento do Maranhão, nos últimos cinqüenta anos, é demarcada por duas grandes variantes: de um lado, a progressiva inserção de sua economia na divisão nacional e internacional do trabalho, decorrência da expansão do capitalismo brasileiro e da globalização e, de outro, o predomínio e hipertrofização do poder público estadual, sob domínio absoluto de reduzidíssimos grupos de interesse, hegemonizados por um clã familiar.
A subordinação progressiva do Maranhão ao núcleo capitalista nacional e ao internacional em menor escala, produzindo uma nova especialização da sua economia, acelerou a ruptura da antiga base econômica, então dominada pelo capital mercantil e fundiário local, impondo um novo ordenamento ao aparelho produtivo, centrado na grande propriedade agrícola e pecuária, no setor minero-metalúrgico, no agronegócio e nos grandes projetos exportadores de “commodities”.
Isto fez com que as camadas dominantes locais passassem a reforçar alianças com estes setores hegemônicos do poder econômico e político, sobretudo o nacional, colocando o poder público estadual a serviço da reprodução ampliada desses novos ciclos de investimentos, recebendo em troca o apoio à ocupação intensiva e extensiva dos aparelhos de hegemonia do Estado, no que fortaleceram de modo desproporcional seus domínios sobre os demais segmentos da sociedade, camuflados por um poderoso sistema de comunicação midiática.
Decorre desse processo de conjugação de interesses entre elites políticas e econômicas a razão lógica que informa a concepção de desenvolvimento do Maranhão adotada pelas oligarquias que se apoderaram do setor público estadual nas últimas cinco décadas: um desenvolvimento elitista, focado e dependente dos grandes projetos, voltado para o mercado exterior de produtos primários e de “commodities”, responsável, em última instância, pela baixa capacidade do sistema econômico local em agregar valores aos produtos, gerar empregos e ampliar e distribuir rendas. A conseqüência material dessa estratégia de dominação é o fortalecimento da inoperância do poder público estadual e de suas políticas públicas de desenvolvimento no atendimento das preferências e necessidades da grande maioria da população maranhense.
A Frente de Libertação que governou o Estado, sob a liderança de Jackson Lago, entre 2007 e abril de 2009, teve como uma de suas muitas virtudes a iniciativa de superar essa concepção oligárquica e plutocrática de desenvolvimento. Propôs, no seu lugar, um conteúdo e uma prática capazes de libertar a sociedade e o povo maranhense dos grilhões do passado, baseando-se nos princípios da economia solidária, na democratização do estado, na busca da prosperidade, no respeito à vida e na dignidade humana. Entrava em cena, pela primeira vez, a construção de uma nova governança, na qual as diferenças não mais seriam resolvidas pela força bruta e pela exclusão. Uma nova subjetividade visceralmente fundada na democracia e na construção de uma sociedade livre de feitores, felinos insaciáveis e tubarões famintos, em que a diversidade e as diferenças sociais teriam seus direitos e prerrogativas reconhecidos e respeitados.
Com efeito, a concepção oligárquica e plutocrática de desenvolvimento, por seu elitismo, arrogância e centralismo, cultiva por décadas a falsa idéia de que só são viáveis, modernos e dinâmicos os empreendimentos densos de capital, vindos de fora, os denominados “grandes projetos”, no que se aproveitam para criar esperanças ilusórias de empregos e eldorados fictícios que, por isso mesmo, pouco impactam na economia local e muito menos atingem a vida cotidiana da população, a não ser pelo aumento da precarização dos serviços públicos de consumo coletivo.
O PPA 2008-2011 do governo interrompido é cristalino ao apontar o que precisava ser feito para a conquista do desenvolvimento libertador: modernização da gestão pública, elevação da produtividade sistêmica das políticas públicas, descentralização adminstrativa, regionalização do desenvolvimento, democratização e transparência do governo, densidade e disseminação de informações, tudo isso visando “deselitizar” o poder público e redefinir o seu papel como indutor do desenvolvimento.
Estava em construção também a idéia de um novo municipalismo, em substituição ao que vigora por décadas, que se caracteriza por um modelo de governança autoritário, no qual o poder público estadual deixa de ser um parceiro do desenvolvimento e assume o papel de principal neutralizador e inibidor dos municípios. O elitismo da política dominante jamais poderia admitir o município como parceiro horizontal, daí a costumeira recorrência ao clientelismo, coronelismo e assistencialismo, estratégias eficazes para cooptar vontades, que retornam com toda força sob a idéia de que “governar é cuidar das pessoas”.
Esta maneira com a qual os grupos de interesse dominantes engendram o desenvolvimento do Maranhão leva a uma situação paradoxal, em que os conhecimentos dos “experts”, e não a participação da sociedade, é que fundamentam e definem a essência das políticas públicas. A concepção do desenvolvimento libertador, por seu turno, chocava-se de frente com tais orientações doutrinárias e metodológicas, pois sua premissa básica era democratizar a sociedade e devolver o estado ao povo.
O que está na ordem do dia agora é encontrar a saída do labirinto maranhense. Ladislau Dowbor tem repetido sempre que não há possibilidade de desenvolvimento sem participação e muito menos participação sem informação farta e democraticamente acessível. São dois ingredientes insubstituíveis no processo de elaboração de concertações efetivas para políticas públicas concretas. Até quando o modelo oligárquico e plutocrático de desenvolvimento continuará se reproduzindo no Maranhão dependerá fatalmente da vitória da democracia sobre estas formas anacrônicas de monopolização do poder político e econômico.
Hanna Arendt afirma que não nascemos para morrer; nascemos para recomeçar. Significa dizer que precisamos elaborar centralidades no processo de reinvenção e reelaboração histórica do Maranhão. Não seremos mais pobres caricaturas das imposições de um sistema de dominação que envelheceu e perdeu as condições éticas de dirigir os destinos de um povo lutador como o maranhense.
As camadas dominantes deste Estado não querem direitos, buscam apenas o fortalecimento dos seus privilégios. Superar o estado de contemplação pelo estado de ação é vital para a vitória das concepções que entendem o desenvolvimento como meio de libertação do anacronismo. Mais do que em qualquer época da história recente do Maranhão é preciso que os setores mais intelectualizados e ilustrados da sociedade, despojadamente, ajudem a esclarecer o povo a respeito do que está se passando verdadeiramente em sua volta.
Nenhum comentário:
Postar um comentário