sábado, 15 de maio de 2010

O ELOGIO DA VIRTUDE

por Raimundo Palhano

Por que antigos aliados, militantes políticos, intelectuais e jornalistas, não satisfeitos com as ignomínias do golpe judiciário, ainda querem arrancar a cabeça do governo Jackson Lago, atribuindo-lhe pletora de erros, no afã de promover o seu desmonte, como fazem os donos do poder estadual, os artífices do golpe?

Observando-se a natureza profunda desse fenômeno é possível supor a existência de um paradoxo inusitado: estaria a verdade do governo Jackson sendo concretamente pautada pelo governo Sarney, uma vez que tais intérpretes aceitam e se fundamentam, em última análise, nas teses centrais dos grupos de interesse dominantes, segundo as quais a queda do governo se deveu aos seus próprios e inúmeros erros e incompetências?

Afinal, se os adversários figadais estão de fato traduzindo para a população qual é a verdade do governo cassado, o que se pode fazer, na condição de movimento político que tem o dever histórico de por fim à interrupção do mandato, para convencer os cidadãos eleitores de que existe um outro olhar sobre a realidade e uma contra-verdade a respeito do governo interrompido?

O objetivo não declarado dos atuais pregoeiros parece bem claro: demolir e apagar da memória o governo da antiga Frente de Libertação do Maranhão, liderada por Jackson Lago e José Reinaldo Tavares, demonstrando, de forma cabal e inquestionável, sua incompetência estrutural para gerir o governo do Estado e, ao mesmo tempo, apontar os supostos culpados pelo fracasso, extraídos do interior do próprio governo, com o intuito de execrá-los socialmente e expurgá-los da vida pública para sempre.

No Maranhão a mídia é Midas. Governando segundo o seu surrado evangelho e com seus tradicionais e caducos pastores, o governo que ascendeu ao poder pelo golpe, em pouco mais de um ano sentado confortavelmente no trono dos Leões, consegue, de modo eficiente, apelando à sua mediunidade comunicativa, transformar água em vinho, assistencialismo em políticas públicas, inércia em ação.

Enquanto isso, as vítimas da trama judiciária, certamente com seus juízos fora do lugar, também há um ano e pouco distantes da cassação, se encontram procurando à luz do dia fantasmas expiatórios e causas esotéricas para justificar a queda do governo, navegando na tese de que Jackson caiu por seus próprios erros e defeitos. Sem o couro cabeludo para proteger o cérebro e, mais ainda, sem a própria cabeça, o governo da libertação do Maranhão não teria passado de um sonho em noite insone. É o que se pode concluir das análises daqueles intérpretes que renunciaram à lucidez em favor da miopia e da cegueira.

Necessita-se urgentemente, por uma questão de imperativo ético e histórico, além das exigências do próprio calendário eleitoral, de leituras múltiplas para a opinião pública estadual a respeito da essência do governo Jackson Lago. Longe destas reflexões quaisquer veleidades míticas ou muito menos iconoclásticas. Não se trata de renúncia à razão crítica. Esconder erros e omissões, ambigüidades e contradições, eximir e blindar culpados também não se trata disso. O que se defende é o retorno à lucidez para que a verdade triunfe. Defeitos e muitos, sim, os houve em todos os níveis e modalidades da gestão. Virtudes também e muitas, certamente, a ponto, como tem afirmado Léo Costa, de terem sido as verdadeiras razões que deram causa à interrupção do mandato.

Houve sim um círculo virtuoso em franca gestação durante o meio período do governo Lago, antinômico aos padrões técnicos e políticos do então antigo regime oligárquico. Inaugurava-se uma nova governança com os grandes projetos, tidos como símbolos de um Maranhão moderno. Compreendia-se a importância de capacitar o Estado como forma de obter melhores benefícios econômicos e sociais a partir dos investimentos previstos para os próximos anos. A consciência de que era preciso garantir que a população se beneficiasse do crescimento econômico do novo ciclo de investimentos sempre se fez presente. Para isso era preciso reforçar a capacidade do setor público em atender às demandas da nova estrutura econômica em construção. Um estratégia fundamental para isso era fortalecer os municípios e descentralizar as responsabilidades governamentais.

A divisão do Maranhão em 32 regiões administrativas e de desenvolvimento foi a resposta ousada aos desafios de descentralizar a gestão pública estadual e colocá-la a serviço do desenvolvimento regional e local, aproximando o governo do povo de uma forma concreta. Os diagnósticos eram claros em favor da descentralização e da regionalização: crescimento econômico e social concentrado em poucos municípios, potencial econômico convivendo com pobreza absoluta, baixa capacidade institucional do poder público, principalmente do municipal, além das desfuncionalidades da própria máquina estadual.

O maior dos desafios era devolver o poder ao povo, dificílimo em um Estado como o Maranhão subordinado à hegemonia de um único grupo de interesse. Cogitava-se uma estratégia de desenvolvimento municipal e regional que articulava poder público, sociedade e arranjos institucionais. Tudo isso sob o binômio da dinamização da economia e fortalecimento da democracia, centrado no desenvolvimento do arranjo institucional e do capital social local. Houve sim uma carta de navegação, montada na idéia de que se tratava de um Estado anfíbio, que deveria aproveitar as oportunidades de ser Amazônia e Nordeste, ao mesmo tempo que deveria se inserir na ordem internacional a participar ativamente de uma paradiplomacia pautada em relações intermediárias federativas com países vizinhos e parceiros.

Voltar ao governo é possível, sim. O povo informado saberá escolher e decretará o fim das oligarquias políticas, da desorganização das economias locais e do atraso social.

Voltar à união das forças democráticas é sim viável. Quando o corpo adoece a alma vem em socorro, dizem profetas. Passar de mentes turvas para clarões inquietantes não é impossível. Atingiremos sim o diálogo significativo que integre os nossos sonhos desencontrados. O que esta em pauta é o que se pode fazer juntos para mudar a estrutura arcaica do Maranhão nas dimensões política, econômica, educacional e institucional.

Isto significa retomar pelo voto livre o governo interrompido e atribuir qualidade ao desenvolvimento, traduzido na capacidade das políticas públicas de satisfazerem as preferências dos cidadãos maranhenses.

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