terça-feira, 20 de dezembro de 2016

RUY: CRONISTA DA EXISTÊNCIA TRANSCENDENTE

(Conteúdo do Prefácio de minha autoria, a ser publicado no próximo livro de Ruy Palhano, CRÔNICAS DE UM PSIQUIATRA, vol.2.)

Raimundo Palhano



A emoção em prefaciar uma das festejadas obras de um irmão famoso não é para qualquer um. Sobretudo em se tratando de um personagem reconhecido como autor marcante, como Ruy Palhano Silva, de quem sou, entre outras coisas, um admirador perdidamente apaixonado. Estas circunstâncias deixaram-me paralisado diante de tamanho desafio!


O estado de indecisão certamente se deveu aos efeitos de uma incontrolável paralisia emocional, motivada pela responsabilidade de elaborar o elogio a uma criatura singularíssima, muito difícil de ser encontrada no mundo de hoje e de sempre, em geral vazios de afetos e de generosidades.


A outra razão associava-se à capacidade de bem apresentar o seu mais recente trabalho literário, no caso o volume 2 da sua oportuna série denominada Crônicas do Cotidiano na Visão de um Psiquiatra, iniciada em 2015, o que não poderia ser feito sem um olhar mais amplo sobre os seus feitos no mundo da produção intelectual.


Confesso a todos os leitores deste prelúdio que o motivo que me fez sair da inércia foi a certeza de que jamais daria conta de tamanha responsabilidade. Impossível traduzir um ser humano amorável como Ruy. Sempre alguma coisa poderia sair imprecisa ou incompleta, aí o temor. Depois, trata-se de alguém que consegue a proeza de ser celestial vivenciando esta terra nossa de cada dia; além de detentor de uma genialidade expressiva, de onde brota a sensibilidade que marca a estética de sua existência.


Ousarei delinear os traços instituidores do ser humano peculiar, que se inspirou na mãe para se esmerar na arte de tecer a vida e decifrar os seus mistérios; para depois me debruçar sobre a riqueza da obra que construiu em favor da humanidade, presentes em seus legados profissional, intelectual e artístico.


Nascemos em Caxias, eu primeiro do que ele. O caminho para São Luís foi o passo seguinte, aqui ancorando nossos pequeninos e frágeis navios. O mais certo seria termos nascido gêmeos univitelinos. Ficaria mais fácil responder às incontáveis pessoas, de todas as idades, gêneros e raça, que me perguntam se sou o Ruy. Sempre disse que sim, para depois explicar como eram mesmo as coisas. Como em geral não acreditavam no que dizia, em alguns casos tive até que confirmar receitas médicas, passadas por ele. Só pedia que jamais deixassem de seguir rigorosamente o que estava prescrito. Para todos, hoje em dia, o nome Ruy não é mais um nome próprio; é um substantivo comum, uma entidade além da pele e do osso.


Somos filhos de Aracy e Pedro, que deram origem ao milagre de nos tornar seres completamente distintos e, ao mesmo tempo, plenamente imbricados, siameses, reproduzindo a fusão perfeita que foi Nair e Aracy/Aracy e Nair, esta última a irmã provedora maior do nosso mini núcleo familiar.


Pelo lado materno descendemos de um tronco dos Palhano, que desembarcaram no Maranhão no século XIX, já vindos de outras plagas brasileiras tempos atrás, cujos ancestrais, de há muito, migraram da Itália para Portugal e depois para o Brasil. Pelo lado paterno somos membros da ilustre família Silva, que se multiplica pelo país afora.


Dessa árvore frondosa brotaram padres, médicos, engenheiros, estes últimos com atuação no Estado do Maranhão e outras regiões do país, até sobretudo os anos 1930 do século passado, atuando principalmente na área das obras públicas, engenharia civil e transporte ferroviário.


Ruy Palhano Silva e eu viemos para o mundo com essa genética remota, marcada por caldeamentos étnicos e culturais. Ruy transformou-se em médico psiquiatra renomado, não só por sua reconhecida competência profissional, mas também pelo fato de possuir um carisma especial, que o torna, de imediato, querido e apreciado por todos com quem convive. Ao lado disso, ambos tomamos o destino da Universidade Federal do Maranhão, construindo um magistério ao qual devemos muito e no qual contribuímos para a formação de várias gerações que ingressaram na educação superior.


Tornou-se um profissional reconhecido e respeitado na comunidade, região e país por sua atuação, estudos e pesquisas sobre saúde mental, drogas e dependência química, além de integrante, fundador e dirigente de importantes instituições de reconhecimento público, como o Conselho Regional de Medicina, o Conselho Nacional Antidrogas e o Conselho Estadual, a Academia Caxiense de Letras e a Academia Maranhense de Medicina, tendo sido, desta última, um dos seus presidentes.


Em 1954 a nossa mini família transfere-se para São Luís, pensando em oferecer melhor educação para nós, a Ruy e a mim, e em busca de uma cidade mais ampla para viverem, estimulados por Ezinair Barros de Souza, filha de Nair, casada com o arquiteto Romeu Rosendo de Souza; e, mais tarde, Maria Lúcia Barros Ramos, esposa de Carlos Alberto Duarte Ramos, outra filha de nossa tia Nair.


Foi, sobretudo, da conjugação dessas circunstâncias familiares que obtivemos a materialidade e a inspiração humana para traçar o início de nossas trajetórias pessoais, profissionais e sociais.


Um mini núcleo que se inicia sob a proteção de Nair/Aracy (mãe), ainda em Caxias, o qual se desdobra em quatro novos eixos, já em São Luís: Ezinair/Romeu; Lucinha/Carlos Alberto; Raimundo/Aracy (esposa); Ruy/Rita. Universos estelares que reuniram mundos fantásticos e inesquecíveis em permanente ebulição.


A primeira fase da infância passamos em Caxias, nosso torrão natal, até os sete anos de idade para mim e quase quatro para Ruy, quando nos mudamos para São Luís, por decisão dos familiares.


Não hesito em considerá-la uma das mais saborosas páginas de nossas existências, pois, até hoje, guardo lembranças imperecíveis, que me acompanharão para sempre. Enche-me de emoção relembrar a magia que era o Largo de São Benedito, defronte de nossa casa, palco de brincadeiras e fantasias, e da incomparável festa em homenagem àquele santo, que atraia para o lugar toda a população caxiense no mês de agosto e, principalmente, pelas canoinhas, carrosséis e trens fantasmas dos parques de diversão que eram instalados no período dos festejos.


Ruy, muito mais do que eu, logo se tornava íntimo dos folguedos, partindo sempre para desafiar os mais temidos brinquedos, mesmo que significassem um galo a mais na cabeça ou um ferimento não cicatrizado no corpo.


Foi a etapa de nossas vidas em que mantivemos os primeiros contatos com o mundo circundante, com a escola, suas professoras e colegas de turma; com as festas natalinas e os brinquedos que recebíamos de presente e que eram aguardados ansiosamente. Foi quando realizamos os primeiros convívios com outros meninos e meninas; com o despertar para o que se passava fora de casa e acontecia na rua.
Já não cabe aqui o mundo mágico vivido em Iacina, nosso velho Brejo, onde passamos muitas férias juntos e com os amigos de lá, recebidos com carinho pelo bonachão Elmar Machado Torres, esposo de Maria das Graças, a Maninha, outra filha de Nair, proprietários de quase todas as terras do povoado.


Novamente ali Ruy deixava sua marca, agora de craque do futebol de bola de pano ou da bola de látex, levando para casa cortes no supercílio, sarados com chamuços de algodão e pontos precisos de enfermeiros improvisados.


Em fins de 1966 pego o meu navio pequenino e parto para o Rio de Janeiro para uma aventura gloriosa, apartando-me de Ruy pela primeira vez, deixando um pedaço do meu coração com ele, no início dos meus 19 anos e ele ainda nos anos finais da adolescência.


Juntos novamente em 1968, estávamos preparados para colocar nossas embarcações nas rotas de longo curso. Foi o que aconteceu.


A nova vida de Ruy se inaugura com a psiquiatria, em seu curso de medicina, iniciado na Universidade Federal do Maranhão e concluído no Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 1977, onde também realizou a residência médica, de 1979 a 1981, exigida pela profissão que abraçara, realizando também, no ano final, estágio na tradicional Universidad Complutense de Madrid.


Fiel à sua natureza inquieta, o caminhante guiará seus pés, dali até os dias de hoje, sempre se instituindo e desconstruindo em favor de um ser humano mutante, que começa como médico e prossegue como professor, empreendedor, estudante de filosofia, literato, escritor e agora, mais uma vez, ansioso para atravessar os novos riachos, ou oceanos, que aparecem em sua vida.


Trata-se de um exímio surpreendedor. Essas transmutações todas que vão acontecer em sua trajetória multifacetada partiram sempre de decisões pessoais dele. A maior de todas para mim, a que mais me maravilhou, foi ter acompanhado a sua transformação em um escritor fértil, criativo e, mais importante, lido.


Sempre presente em tantas mídias, de repente surpreendo-me ao me deparar com Ruy escrevendo em colunas de jornais próprias, produzindo artigos e crônicas e se transformando em escritor reconhecido pelos leitores, que cada vez mais se ampliam.


É com este olhar aberto que me reservo à ousadia, e ao mesmo tempo ao enorme prazer, de fazer o elogio de sua produção intelectual e artística, mesmo plenamente consciente do seu limitado alcance interpretativo, compensado apenas pela certeza de que Ruy os acolherá sobretudo como um verso de amor incondicional.


Em uma relação normal de causalidade, não existe obra sem autor e vice-versa. Ninguém sabe ao certo qual dos dois vem primeiro. O correto é que, cada um, visto em separado, contém elementos do outro. O ethos de Ruy é determinado pela inquietação dos inconformados, que percorre o sistema nervoso de sua alma, da sua obra e de sua produção intelectual.


Com isso quero dizer que o que faz de Ruy Palhano Silva um ser triunfante e admirado, tanto na dimensão humana, profissional, intelectual e artística, não decorre apenas de sua inteligência luminosa, ou de sua criatividade reconhecida ou ainda dos seus dotes literários aplaudidos. Não são devidos apenas a tais predicados.  


Ruy é um virtuoso sobretudo porque ousou ser, sempre, e em tudo, não se conformando, tanto com as coisas estabelecidas em seu mundo interior, nem tampouco com os padrões vigentes na sociedade inclusiva.  


Vistos pelas perspectivas filosófica, antropológica e poética, em sentido amplo, os feitos vitoriosos de Ruy se devem ao fato dele ter sido um transgressor, uma alma que se empenhou para romper padrões culturais e morais do mundo em que atua, sobretudo aqueles eivados de hipocrisia, sempre buscando um universo e uma sociedade melhores.


Só transcende quem se insurge, quem transgride o estabelecido paralítico.


O Instituto Ruy Palhano, antes de existir, era um terreno despido em um lugar ermo e esquecido no município de Raposa. Os cavalos que ele teve que domar, também ali, para passear com a prole recém-nascida, fizeram dali um lugar de referência no tratamento da doença mental no Maranhão e no Norte e Nordeste.


A alma de Ruy, portanto, sempre foi inconformada e transgressora, sem nunca ter deixado de ser completamente doce. Jamais precisou colocar entre os dentes um punhal afiado. No lugar da força e da intolerância preferiu abrir sorrisos e abraços.


Este livro contempla 50 novas crônicas, sendo que algumas delas poderiam ser classificas como artigos científicos disfarçados ou pequenos ensaios livres, focados nos cotidianos e avessos da vida humana contextualizada.


Quase todas as havia lido antes, em suas duas colunas de jornais. Precisei fazer, todavia uma releitura, a partir da boneca do livro, que agora é o volume 2 da série Crônicas do Cotidiano. Obviamente não para comentá-las de per si, mas para entrar no espírito da obra literária que iria a lume com minhas apreciações.


Textos publicados em livro sempre estimulam a visão e abrem mais a possibilidade do deguste. Provavelmente algumas das crônicas publicadas tenham passado pelo crivo compartilhado que fazemos sobre nossos trabalhos intelectuais, interpelando a realidades e os sonhos, movidos sempre pelas nossas memórias afetivas ancestrais.


Costumo curtir os livros de papel em que, de algum modo, vai gravada a minha arte. Releio sempre e muito o que escrevi. É uma idiossincrasia. Imaginei este novo livro já impresso e repeti o mesmo ritual. O projeto gráfico de José Serra está muito bom e criativo e a revisão do Prof. Ramiro Azevedo dispensa comentários.


O Maranhão tem bons cronistas. Já os teve em maior número e qualidade. Dentre os das gerações mais recentes Ruy Palhano é a nova surpresa revelada e, provavelmente, um dos mais talentosos e competentes, porque muito lido, confirmando o poder dos seus dotes literários e profissionais.


As novas crônicas do escritor e psiquiatra Ruy aliam capacidade literária e conhecimento científico, combinando plasticidade e estética de modo consistente. Por mais leve que seja o tema, trata o conteúdo com todo o respeito e cuidado. Com isso deixa de ser vulgar e enfadonho. Popularizou a OMS como ninguém. Questões médicas e psiquiátricas que atingem as pessoas e seus leitores, normalmente abordadas por colegas seus com “letras de médico”, intraduzíveis para quase todos, em suas crônicas se transformam em consultórios sentimentais, combinando magistralmente afetos e discernimentos clínicos.


Ruy sempre fez bem tudo que faz. O mesmo ocorre em sua produção intelectual e literária, como neste volume 2 das Crônicas. Isto porque a sua mais nova paixão é escrever. Chega a ser um vício. Já tem concluidos mais 4 volumes desta série, projetada para 10 volumes, prontos para irem a prelo. Na sua inspirada Apresentação deste volume assim se define como produtor intelectual: ...”meu contentamento não é só escrever por escrever é poder ver que, o que escrevo, pode ir até ao outro, participar de alguma forma do seu cotidiano, das suas expectativas, das suas ideias ou mesmo do seu imaginário. ”


Em um tempo em que as redes sociais da internet não estimulam a proliferação de leitores de crônicas, ensaios e poesia, um escritor precisa ser muito bom para atrair leitores para suas obras impressas em papel. Este fato, associado a um contexto como o nosso, em que as exclusões educacionais e culturais são flagrantes, torna a situação ainda mais complexa. Por que Ruy consegue se sair bem, mesmo com essa ameaça pairando sobre as cabeças dos renitentes? Creio que tem muito a ver com o fato do escritor não ter construído a sua obra e sua arte por mero diletantismo intelectual.


Este volume e o primeiro, bem como toda a obra reunida, composta de 7 livros publicados e com edições esgotadas, comprovam o que disse. A matéria prima destas duas obras e das demais, no pensamento ruiniano, deriva do seu trabalho terapêutico, de suas práticas profissionais de longo prazo, cortados transversalmente pelos dilemas existenciais do ser humano em seus contextos.


A produção intelectual de Ruy está imbricada com as revelações das angustias e dilemas humanos presentes no meio em que atua. Na mencionada Apresentação deste livro, o seu autor é enfático: ...”ao mesmo tempo em que procuro sempre ser fiel aos meus princípios, só escrevendo aquilo que se encontra em plena consonância com minha consciência e quando tenho plena convicção de que, o que escrevo, não faz parte nem do trivial nem do senso comum”.


As 50 novas crônicas deste segundo volume, por seu turno, deixam perceptíveis duas estratégias de troca comunicativa do autor com seus leitores. A primeira, em pleno processo de evolução, refere-se ao tratamento do conteúdo das crônicas de modo compreensível pelo comum das pessoas, envolvendo temas médicos da psiquiatria; e, em fase embrionária, o diálogo com questões tidas como imperativos categóricos da condição humana; a segunda é posicionar-se, de maneira cristalinamente pessoal, sobre as mazelas sociais e políticas que afloram na sociedade inclusiva, buscando explicações a partir de princípios e valores esquecidos neste mundo cada vez mais confuso.


Sobre temas psiquiátricos e psicológicos pautados diariamente, o leitor poderá se atualizar em crônicas saborosas como A Bengala, o Idoso e a Placa de Sinalização; As Diferentes Formas de Fobias; A Maconha e o Cérebro; As Mulheres e o Consumo de Bebidas Alcoólicas; Bebês Embriagados, e tantos outras que ajudam os leitores a compreender o sentido de tais enfermidades e como lidar com todas elas.


A iluminação que teve em trazer para o cotidiano os imperativos categóricos da condição humana, que informam os valores pessoais e sociais, hoje em crise aguda, são embrionários neste volume 2, estando em pleno desenvolvimento em suas colunas semanais no Imparcial e Jornal Pequeno. Destaco nesta direção as crônicas A Crise na Vida, na Política e Dentro de Nós; A Mentira como Sintoma da Doença Mental; Abaixo os Preconceitos Contra as Doenças Mentais; A Violência como Marca Assustadora da Sociedade, Ansiedade Nossa do Dia a Dia; As Drogas da Alma, por exemplo.


A segunda linha temática do volume 2 cinge-se às questões sociais e políticas, merecendo destaque crônicas como A Insegurança Pública Permanece; A Vigésima Copa do Mundo; Ano Novo, Vida Nova; Carnaval; Doenças Mentais e as Redes Sociais; Limpeza Ética, Justiça e Cidadania; O Brasil, os Brasileiros e a Corrupção; e O Voto e o Processo Eleitoral. Em todos os textos sobre os problemas sociais e políticos que nos afligem está presente um apelo recorrente: que a ética se difunda sobre a Terra.


A série toda, que não demore a ser publicada. Este volume 2 confirma a fecundidade e o caráter educativo da obra de Ruy Palhano, que buscou na capacidade de escrever com arte, expandir a sua paixão e compaixão pelos seres humanos, pelos outros. É o autor que afirma na Apresentação já referida: ...”a arte de escrever...é uma das poucas atitudes humanas genuinamente solidária e altruísta, e que transcende os umbrais da solidão e do egoísmo e vai fundo ao encontro do outro. As letras, as palavras, as frases e finalmente os textos iluminam a razão e dão sentido ao que você vê, sente e produz, sempre no encontro do outro”.


A criança que sempre quis ir além do arco-íris, que desafiou o tempo para se preparar para a vida e que, muitas vezes, teve que enfrentar seus medos e angústias sozinho, venceu as pedras do caminho porque nunca desistiu de ter sonhos e de amar a vida. Foi longe e vai muito mais ainda, mas não seguiu sozinho, Ruy sempre vai com os outros.


RAIMUNDO PALHANO

Membro da ACL e do IHGM

domingo, 18 de dezembro de 2016

Fortalecimento da economia interna: o foco do novo desenvolvimento


RAIMUNDO PALHANO





Um dos maiores obstáculos à compreensão da realidade maranhense é a presença de mitificações espantosas a respeito de sua formação histórica. Somos a terra preferida dos mitos. Não sei de onde tiraram a ideia de que já fomos uma economia próspera por tantos séculos. Fomos, sim, a unidade mais escravagista do Brasil e do modo de produção escravista os mais dependentes. Excetuando-se a Era de Ouro da economia maranhense, que vai da segunda metade do século XVIII até o período ao redor da Independência, o que vai caracterizar a nossa economia é o longo período de involução e tendência declinante, indo praticamente até meados do século XX, entrecortado por períodos curtos de crescimento, motivados pela demanda externa, já que éramos uma economia monocultora e voltada às exportações.


A economia do Maranhão manteve-se à base da produção de açúcar, cravo, canela e pimenta. Basta dizer que, só em 1748, é autorizada a circulação de dinheiro amoedado de ouro, prata e cobre, em substituição aos rolos de algodão. Estes produtos, seguidos do algodão e da cana-de-açúcar, constituirão a base da economia maranhense até o final do século XIX, toda ela estruturada no trabalho escravo, como de resto no Brasil, embora aqui de forma muito mais penetrante e visceral.


É evidente que a grande lavoura e o trabalho escravo fizeram do Maranhão uma das áreas mais ricas do Brasil durante certo e curto tempo, já referido, tornando São Luís, com cerca de 25.000 habitantes em 1822, a quarta cidade brasileira, atrás apenas do Rio de Janeiro, Salvador e Recife. Agora elevar, neste período, o Maranhão à condição de uma economia próspera é um equívoco de análise histórica, uma vez que o processo de acumulação era tipicamente mercantil e patrimonialista, voltado aos interesses de comerciantes, agricultores e do capital internacional. Próspera evidentemente, mas para bem poucos. 


A crise da lavoura tradicional de exportação e da cana-de-açúcar, nas décadas finais do século XIX, levou as camadas ricas a investirem seus capitais na aquisição de um parque fabril têxtil, já obsoleto, em boa parte importado da Inglaterra, como uma nova forma de acumulação. A esse fenômeno Jerônimo de Viveiros chamou de “vertigem das fábricas”. A falta de tecnologia e inovação leva o segmento a não se desenvolver e se arrastar por anos, perecendo de vez a partir dos anos 1940-50.


Por outro lado, o processo de desenvolvimento maranhense que vai suceder ao período anterior também não será capaz de promover o crescimento sustentável da economia local. A nova ordem econômica que se instala no Brasil, a partir da segunda metade do século XX, insere a economia maranhense de maneira subalterna. Passamos a ocupar o papel de região supridora de matérias primas para o processo de industrialização concentrado no sudeste do país, além de reserva de valor fundiário para o processo de acumulação da nova economia em expansão no território nacional.


E o que poderia impulsionar a economia maranhense na atualidade? Primeiramente, é preciso que se tenha o diagnóstico honesto da economia e das prioridades a serem assumidas para promover o desenvolvimento do Maranhão, fora dos paradigmas tradicionais baseados na concentração e centralização das decisões e dos resultados. Quais os maiores gargalos? Como vamos superá-los em definitivo? Sem um diálogo horizontal entre governo, empresários e organizações da área sobre essas questões será muito difícil mudar o cenário existente. Além disso, o desenvolvimento ampliado da economia maranhense dependerá da superação de óbices como a concentração de renda e de riqueza; concentração demográfica em centros urbanos; a dispersão populacional pelo interior. O maior dos desafios: os problemas decorrentes da escassez de infraestrutura e de meios de investimento, tendo como pano de fundo a exploração predatória dos recursos naturais, cada vez mais frequentes em todo território. 


O rendimento no trabalho é também muito baixo na economia maranhense, se comparado com o observado na economia brasileira. O percentual da população com 10 anos ou mais de idade, ocupada, com rendimento no trabalho principal de até 1 salário mínimo representa cerca de 60%. E a pobreza não se restringe apenas à renda das pessoas. Um Maranhão desenvolvido significa garantir qualidade de vida, que se manifesta no acesso com qualidade à educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, conhecimento e aos atributos da chamada vida moderna. Assistencialismo e transferência condicionada de renda mitigam a dor de ser pobre, por algum tempo, apenas; mas são péssimos como estratégias para o desenvolvimento econômico sustentável. Não se supera a pobreza instituindo um Estado Assistencialista. Muitas igrejas evangélicas fazem esse trabalho melhor do que muitos governos. Desenvolvimento sem trabalho e renda dignas para as famílias é pura fantasia.


Todos estamos de acordo sobre o Maranhão ser um estado com grande potencial econômico, embora esteja entre os mais pobres em termos de PIB per capita. Não nos cansamos de repetir fatores como a localização estratégica entre os grandes mercados externos da Europa, da Ásia e dos Estados Unidos; a existência de um dos portos naturais mais profundos do mundo; o valor do sistema de transporte ferroviário e rodoviário, com o potencial de tornar o Estado um ponto focal para comércio doméstico e internacional. 


Mas só isso não basta. Creio também ser um exagero dizer que no Maranhão a população esteja mergulhada na pobreza. Temos uma economia de subsistência que mitiga muito a fome dos que estão fora dos mercados de trabalhos formais. Mais do que econômica, a maior pobreza do Maranhão é educacional, cultural e política, fruto de muitos equívocos acumulados, responsáveis pelos isolamentos populacionais e pelo baixo nível de informações da maioria do povo.


Defendo a regionalização e a municipalização como fatores estratégicos para o arranque da economia maranhense. Cito alguns passos fundamentais para isso: melhorar a gestão do setor público para descentralização e crescimento equitativo; promover o desenvolvimento econômico, começando por regiões selecionadas em função do poder de irradiação; capacitar o Estado a obter grandes benefícios econômicos e sociais a partir desta oportunidade única de investimento maciço no Estado, em colaboração e coordenação com os investimentos do setor privado; assegurar que toda a população se beneficie do crescimento, incluindo as populações pobres que residem fora da capital; reforçar as capacidades do setor público no 


Estado para atender à demanda da nova estrutura econômica; reforçar a capacidade dos municípios e descentralizar responsabilidades. Uma das estratégias fundamentais é a promoção do desenvolvimento de regiões fora da capital. Estes territórios receberiam fortalecimento institucional para a preparação dos seus planos estratégicos, com foco no desenvolvimento econômico local, apoio à gestão regional, capacitação para os municípios, estudos e programas para a qualificação da mão-de-obra, e desenvolvimento de infraestruturas, baseado nos planos estratégicos regionais. Outra, de igual, valor diz respeito à melhoria na gestão pública. Apoio à regionalização e descentralização por intermédio de formulação da política relacionada com as estratégias de desenvolvimento regional e processos institucionais; promover o desenvolvimento econômico pela melhoria no clima de negócios e preparação institucional e analítica para implementar projetos em parceria com o setor privado.


O foco do novo desenvolvimento é o fortalecimento da economia interna. Começo pelos números da economia, que revelam que há uma tendência histórica de crescimento econômico e social significativamente concentrado em poucos de seus 217 municípios. A porcentagem do PIB derivado dos pequenos e médios municípios vem caindo há pelo menos duas décadas. Existe crescimento nesses municípios, mas com uma taxa menor, reveladores de economias locais muito fracas e até mesmo inviáveis do ponto de vista puramente econômico. Há outros obstáculos como a falta de mão-de-obra qualificada no Maranhão, a qual está refletida no nível de renda e tipo de emprego.


Assim, não arrancamos ainda porque não conseguimos superar esse já cansativo rosário de negatividades. Nenhum país ou sociedade no mundo atual poderá impulsionar o seu desenvolvimento e dar o arranque em sua economia convivendo, negando ou escondendo tais problemas estruturais. É preciso superá-los.
  
Raimundo Palhano é economista, com especialização em Planejamento do Desenvolvimento (UFPA/UFMA), mestre em História pela UFF (Universidade Federal Fluminense), com intercâmbio em Planejamento Educacional na Iowa State University (EUA) e Universidad Central de Las Villas (Cuba) e ex-presidente do Instituto Maranhense de Estudos Socioeconômicos e Cartográficos (IMESC)


sexta-feira, 28 de outubro de 2016

O DÉCIMO ANO DE UMA ELEIÇÃO HISTÓRICA


                                                                      
por Raimundo Palhano


        No dia 29 de outubro de 2016 completam-se dez anos da eleição emblemática de Jackson Lago para o cargo de governador do Maranhão (2007-abril de 2009). Parece que foi ontem. Já são dez primaveras que se passaram, todavia. Uma celeridade temporal acompanhada de inúmeros eventos que entraram para a história política maranhense recente.

Se resolvesse despertar do sono eterno em que se encontra e olhasse adiante, o que diria Jackson sobre o que fomos capazes de fazer, nesses últimos dez anos, como cidadãos, agentes públicos, formação social e formação política, pelo seu legado biográfico?

Creio que aplaudiria apaixonadamente o esforço diário de Clay Lago, seus filhos e de todos e todas que cultivam a sua memória com zelo, compromisso e responsabilidade, a partir do Instituto Jackson Lago – IJL. Trabalho árduo manter vivo um espaço como aquele, que luta pela propagação do exemplo e dos valores éticos deixados pelo patrono, em um ambiente político que não consegue sair das armadilhas impostas pela realidade desafiadora.

A curta trajetória institucional do IJL, todavia, já possui um acervo significativo de realizações, destacando-se a linha editorial, com três importantes livros publicados, os quais ajudam a interpretar o significado da obra do ex-governador e a realidade política maranhense contemporânea, merecendo relevo o mais recente, intitulado “Maranhão: Enigmas, Desafios e Urgências”; a efetivação da Mostra Jackson Lago A Vida é Combate, sobre os principais aspectos da vida pessoal e da obra pública do ex-governador do Maranhão, já exposta várias vezes em eventos culturais de São Luís e se interiorizando de maneira crescente; ou o projeto do Centro Cultural na Praia Grande, projetado para dinamizar a memória e implementar ações de formação política e realização de estudos e pesquisas sobre o desenvolvimento do Maranhão, tendo como eixo a ação política.

Vista, por outro lado, no contexto externo, a partir do imaginário social e político, a eleição de Jackson representou a materialização da sonhada possibilidade de mudanças efetivas na cultura e nas práticas políticas locais, caminho idealizado para a efetivação de um processo de desenvolvimento que superasse o atraso e a pobreza recorrentes.

Afinal subiria ao poder, como veio a acontecer, um líder respeitado pelo passado de coerência, seriedade, honestidade e compromisso com a democracia, com a liberdade e com as causas populares, símbolos maiores da resistência oposicionista, que, por décadas, se colocara contra o poder dos coronéis e do sistema oligárquico, amplamente dominante. Sua imagem estava assim impregnada desses atributos especiais, reforçada por seus vínculos orgânicos e ideológicos com a corrente política do trabalhismo, associada a figuras carismáticas como Leonel Brizola, Darcy Ribeiro, Neiva Moreira e outros tantos ilustrados daqui e alhures.

O governo Lago, mesmo reduzido em sua temporalidade por um sombrio golpe judiciário, que cassou o seu mandato antes de chegar à metade, foi um momento de cisão nas bases do sistema de dominação política, mesmo que não tenha tido o tempo necessário para sedimentar suas propostas de mudança; ou mesmo existido a presença de uma coalizão de forças formada com representantes de setores políticos tradicionais, inevitável ao desenho viabilizador da nova governabilidade, em um Estado tradicionalmente controlado por forças políticas de extração oligárquica.

Por representar uma ameaça permanente ao longevo poder hegemônico, pondo em xeque a sua lógica e modus operandi, foi, por esse motivo, um governo de equilibristas. Conviviam duas situações antagônicas. Enquanto o núcleo jacksista dava o sangue para produzir e implementar uma nova cultura e estrutura ao modo de governar e planejar o desenvolvimento do Maranhão, procurando concretizar a utopia política da resistência ao poder oligárquico, para devolvê-lo ao povo, como afirmado pelos novos governantes; externamente, as forças políticas dominantes, derrotadas nas eleições, organizavam e agiam no sentido de inviabilizar o novo governo que, se bem-sucedido, como estava sendo, poderia realmente produzir a derrocada daquele poder em todo o território maranhense.

A conjugação de duas forças poderosíssimas, o lulo-petismo, no plano nacional e o sarneismo, na esfera local, consegue neutralizar o projeto em construção, incrementando uma estratégia inteligente em suas objetivações políticas, voltada à desqualificação do governo vitorioso e enfraquecimento da reputação do seu chefe e líder. Passado o tempo, mesmo reduzido em sua expressão horizontina, percebe-se que o temor oligárquico residia no potencial de ruptura da nova forma de governar, em que materialidades e subjetividades se fundiam, numa combinação explosiva aos interesses do antigo regime.

A ascensão e queda do governo de Jackson Lago, para além dos seus resultados palpáveis e das suas contradições de governabilidade, inaugura uma nova fase na política maranhense, de onde novos grupos e novos atores nasceram ou se afirmaram, levando o poder local a novos pontos de referência na representação política, afetando fortemente o poder do Grupo Sarney, viabilizando o emergir do Grupo Dino e abrindo uma terceira dimensão, inevitável em realidades mutantes como as atuais, a do impensável político, da imponderabilidade, do inesperado ou das surpresas, esfera fortemente dependente e influenciada pela capacidade de governar, agir e de produzir resultados dos grupos dominante tradicionais, como, no caso maranhense, o Grupo Sarney, ou dos novos, em gestação ou consolidados, como o Grupo Dino.

Como fiel da balança, desde o nascedouro deste processo de reengenharia política, por natureza fortemente dialético, está a surpreendente personalidade política do ex-governador José Reinaldo Tavares, presença decisiva nos episódios que vão marcar a dinâmica política maranhense nesse período, sintetizados nas dissidências havidas no Grupo Sarney, em que foi o principal protagonista; na investidura de Jackson Lago; e, por último, na ascensão de Flávio Dino como governador do Maranhão, em um prazo relâmpago, tornando-se, independentemente de sua vontade, herdeiro, ou fiel depositário, dos compromissos históricos da resistência oposicionista, interrompidos com a queda do governo da Frente de Libertação.

A elevação de Jackson ao trono, como se viu, não foi capaz de derrotar o antigo regime, como muitos da inteligência jacksista acreditavam ser possível, mas levou aquele Grupo a se reciclar e a mudar de métodos e de estratégias políticas, na expectativa de retomar o poder no Maranhão, sobretudo torcendo e estimulando estratégias que contribuam para o fracasso do projeto dinista, pelo cometimento de erros na capacidade de governar e na arte de fazer política real, por parte do atual governo.

Passados dez anos da eleição histórica, mesmo com todo esse caudal de situações políticas concretas, o desenvolvimento político do Maranhão continua cada vez mais desafiador. Aumenta a necessidade de líderes políticos para enfrentar os desafios, vivendo-se uma situação de flagrante decadência na capacidade de formulação e implementação de projetos de direção para o desenvolvimento humano e social. Pululam as iniciativas programáticas tópicos e pontuais, com alto poder de reverberação na mídia, mas desintegrados de uma infraestrutura institucional, técnica e financeira que garanta ao poder público atingir padrões de efetividade social concreta.

Os mecanismos tradicionais de disputa política envelheceram e estão caducos, embora ainda vivos nas práticas políticas locais, subjugando a inteligência política local e nacional, levando a disputa eleitoral para o patamar mais representativo do processo político, expressos em esquemas de perpetuação de poderes nefastos à democracia e fatais para acelerar a crise brutal do Estado Democrático de Direito no Brasil, hoje uma figuração cinematográfica ou mera retórica vazia.

A redução da democracia ao voto midiatizado, os sinais fortes da decadência do Estado e da descrença nos governos, que transformam políticas públicas em “caridades sociais”, o surgimento de “estados paralelos,” como as ações do crime organizado, ou de “estados assistencialistas”, decorrente da ação dos evangélicos, como analisa Castells, revelam o tamanho do problema.

Estamos desafiados a sair do labirinto. Ainda vivemos sob dois projetos utópicos, o liberalismo e o comunismo. A luta de classes nascida desse embate sem fim, transformou a política em uma arena na qual os contendores se aniquilam uns aos outros. Vive-se nos extremos e nos fios das navalhas. Pouco se valoriza e canaliza energias na direção de alvos mais eficazes, especialmente aqueles que se voltem ao enfrentamento dos modos de acumulação que existem na sociedade, não apenas contra aqueles decorrentes da acumulação econômica privada. Por isso crescem em algumas partes do mundo a constituição de comunidades organizadas de afetos, na busca urgente de novos paradigmas políticos.

A eleição de Jackson assume, cada vez mais, uma dimensão histórica por ter sido muito mais que um lampejo de sonhos pela ruptura desse longo processo de dominação oligárquica. Representa, na verdade, uma força catalizadora para a produção de novas subjetividades e objetividades políticas no Maranhão, iluminando possibilidades de novas transfigurações em um contexto no qual as diferenças sociais estão naturalizadas e a aspiração coletiva e individual por uma sociedade mais igualitária esquecida ou distante de acontecer.

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

DESENVOLVIMENTO DO MARANHÃO EM TRÊS TEMPOS


Por Raimundo Palhano



Este artigo apresenta uma resposta a três perguntas que me fizeram recentemente. Aproveito o mote para continuar refletindo sobre a temática proposta. Passo a responder.

O que poderia impulsionar o desenvolvimento econômico do Maranhão?

Permitam-me uma reflexão antes de responder objetivamente à pergunta. Um dos maiores obstáculos à compreensão da realidade maranhense é a presença de mitificações espantosas a respeito de sua formação histórica. Somos a terra preferida dos mitos. Não sei de onde tiraram a ideia de que já fomos uma economia próspera por tantos séculos. Fomos sim a unidade mais escravagista do Brasil e do modo de produção escravista os mais dependentes.

Pelo que sei, tirando a era de ouro da economia maranhense, que vai da segunda metade do século 18 até o período ao redor da Independência, o que vai caracterizar a nossa economia é o longo período de involução e tendência declinante, indo praticamente até meados do século 20, entrecortado por períodos curtos de crescimento, motivados pela demanda externa, já que éramos uma economia monocultora e voltada às exportações.

A economia do Maranhão manteve-se à base da produção de açúcar, cravo, canela e pimenta. Basta dizer que só em 1748 é autorizada a circulação de dinheiro amoedado de ouro, prata e cobre, em substituição aos rolos de algodão. Estes produtos, seguidos do algodão e da cana-de-açúcar, constituirão a base da economia maranhense até o final do século XIX, toda ela estruturada no trabalho escravo, como de resto no Brasil, embora aqui de forma muito mais penetrante e visceral.

É evidente que a grande lavoura e o trabalho escravo fizeram do Maranhão uma das áreas mais ricas do Brasil durante um certo e curto tempo, já referido, tornando São Luís, com cerca de 25.000 habitantes em 1822, a quarta cidade brasileira, atrás apenas do Rio de Janeiro, Salvador e Recife. Agora, propagar que a situação descrita eleva o Maranhão à condição de uma economia próspera é um equívoco de análise histórica, uma vez que o processo de acumulação era tipicamente mercantil e patrimonialista, voltado aos interesses de comerciantes, agricultores e do capital internacional. Próspera evidentemente, mas para bem poucos.

Outro mito a ser vencido. O Maranhão nunca foi um estado industrializado. A crise da lavoura tradicional de exportação e da cana-de-açúcar, nas décadas finais do século 19, levou as camadas ricas a investirem seus capitais na aquisição de um parque fabril têxtil, já obsoleto, em boa parte importado da Inglaterra, como uma nova forma de acumulação. A esse fenômeno Jerônimo de Viveiros chamou de “vertigem das fábricas”. A falta de tecnologia e inovação leva o segmento a não se desenvolver e se arrastar por anos, perecendo de vez a partir dos anos 1940-50.

Por outro lado, o processo de desenvolvimento maranhense que vai suceder ao período anterior também não será capaz de promover o crescimento sustentável da economia local. A nova ordem econômica que se instala no Brasil, a partir da segunda metade do século 20, insere a economia maranhense de maneira subalterna. Passamos a ocupar o papel de região supridora de matérias primas para o processo de industrialização concentrado no sudeste do país, além de reserva de valor fundiário para o processo de acumulação da nova economia em expansão no território nacional.

Impossível deixar de constatar que, em sua quase totalidade, os governos que se sucederam no comando do poder público, ao longo do período descrito, marcado por uma nova divisão nacional do trabalho, cometeram erros de planejamento e de avaliação descomunais ao acreditarem que a melhor forma de dinamização da economia maranhense era apoiar os grandes projetos nacionais e internacionais que aqui vieram se instalar, acreditando em um efeito multiplicador impossível de acontecer e em uma mão invisível alegórica, vinda dos primórdios da teoria capitalista liberal. Investiram a maior parte dos recursos para favorecer a reprodução do grande capital e deixaram ao descaso a economia local, condenada ao fracasso pela quase inexistência de infraestrutura produtiva e social apropriadas, logística empresarial e recursos humanos qualificados em todos os níveis.

Agora indo ao cerne da pergunta sobre o que poderia impulsionar a economia maranhense na atualidade. Primeiramente é preciso que se tenha o diagnóstico honesto da economia e das prioridades a serem assumidas para promover o desenvolvimento do Maranhão, fora dos paradigmas tradicionais baseados na concentração e centralização das decisões e dos resultados. Quais os maiores gargalos, como vamos superá-los em definitivo? Sem um diálogo horizontal entre governo, empresários e organizações da área sobre essas questões será muito difícil mudar o cenário existente.

Além disso, o desenvolvimento ampliado da economia maranhense dependerá da superação de óbices como a concentração de renda e de riqueza; concentração demográfica em centros urbanos; a dispersão populacional pelo interior. O maior dos desafios: os problemas decorrentes da escassez de infraestrutura e de meios de investimento, tendo como pano de fundo a exploração predatória dos recursos naturais, cada vez mais frequentes em todo território.

Segundo dados atuais, o Produto Interno Bruto - PIB do Maranhão representa pouco mais de 1% do PIB brasileiro, mesmo sendo o 16º entre os estados. Para que se tenha uma visão das dificuldades que precisam ser superadas para implementação da infraestrutura necessária para o desenvolvimento econômico estadual, enquanto o PIB/Km² do Brasil gravita ao redor de R$ 400,00, o do Maranhão gira em torno de R$ 50,00. Não é por outra razão que a participação maranhense no PIB brasileiro aumentou de 1,11% para 1,27% e o PIB per capita local esteja entre os mais baixos do país já por muito tempo.

Por outro lado, o rendimento no trabalho é muito baixo na economia maranhense, se comparado com o observado na economia brasileira. O percentual da população com 10 anos ou mais de idade, ocupada, com rendimento no trabalho principal de até 1 salário mínimo representa cerca de 60%.

Destaco também um ponto importantíssimo: a pobreza não se restringe apenas à renda das pessoas. Um Maranhão desenvolvido significa garantir qualidade de vida, que se manifesta no acesso com qualidade à educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, conhecimento e aos atributos da chamada vida moderna.

Assistencialismo e transferência condicionada de renda mitigam a dor de ser pobre, por algum tempo, apenas; mas são péssimos como estratégias para o desenvolvimento econômico sustentável. Não se supera a pobreza instituindo um Estado Assistencialista. Muitas igrejas evangélicas fazem esse trabalho melhor do que muitos governos. Desenvolvimento sem trabalho e renda dignas para as famílias é pura fantasia. Na próxima parte da entrevista destacarei as estratégias concretas que considero fundamentais para impulsionar o desenvolvimento econômico do Maranhão.

Por que o Maranhão não consegue dar uma arrancada?

Todos estamos de acordo sobre o Maranhão ser um estado com grande potencial econômico, embora esteja entre os mais pobres em termos de PIB per capita. Não nos cansamos de repetir fatores como a localização estratégica entre os grandes mercados externos da Europa, da Ásia e dos Estados Unidos; a existência de um dos portos naturais mais profundos do mundo; o valor do sistema de transporte ferroviário e rodoviário, com o potencial de tornar o Estado um ponto focal para comércio doméstico e internacional. Mas só isso não basta.

Creio também ser um exagero dizer que no Maranhão a população esteja mergulhada na pobreza. Temos uma economia de subsistência que mitiga muito a fome dos que estão fora dos mercados de trabalhos formais. Acho que mais do que econômica, a maior pobreza do Maranhão é educacional, cultural e política, fruto de muitos equívocos acumulados, responsáveis pelos isolamentos populacionais e pelo baixo nível de informações da maioria do povo.

Defendo a regionalização e a municipalização como fatores estratégicos para o arranque da economia maranhense. Lembro o planejamento no governo Jackson Lago, no período 2007-2009, trabalhando essa estratégia. Cito alguns passos fundamentais para isso: melhorar a gestão do setor público para descentralização e crescimento equitativo; promover o desenvolvimento econômico, começando por regiões selecionadas em função do poder de irradiação; capacitar o Estado a obter grandes benefícios econômicos e sociais a partir desta oportunidade única de investimento maciço no Estado, em colaboração e coordenação com os investimentos do setor privado; assegurar que toda a população se beneficie do crescimento, incluindo as populações pobres que residem fora da capital; reforçar as capacidades do setor público no Estado para atender à demanda da nova estrutura econômica; reforçar a capacidade dos municípios e descentralizar responsabilidades.

Uma das estratégias fundamentais é a promoção do desenvolvimento de regiões fora da capital. Estes territórios receberiam fortalecimento institucional para a preparação dos seus planos estratégicos, com foco no desenvolvimento econômico de cada APL local, apoio à gestão regional, capacitação para os municípios, estudos e programas para a qualificação da mão-de-obra, e desenvolvimento de infraestruturas baseado nos planos estratégicos regionais.

Outra de igual valor diz respeito à melhoria na gestão pública. Apoio à regionalização e descentralização por intermédio de formulação da política relacionada com as estratégias de desenvolvimento regional e processos institucionais; promover o desenvolvimento econômico pela melhoria no clima de negócios; desenvolvimento dos APLs que envolvam mais de uma região de planejamento; e preparação institucional e analítica para implementar projetos em parceria com o setor privado.

O foco do novo desenvolvimento é o fortalecimento da economia interna. Começo pelos números da economia, que revelam que há uma tendência histórica de crescimento econômico e social significativamente concentrado em poucos de seus 217 municípios. A porcentagem do PIB derivado dos pequenos e médios municípios vem caindo há pelo menos duas décadas. Existe crescimento nesses municípios, mas com uma taxa menor, reveladores de economias locais muito fracas e até mesmo inviáveis do ponto de vista puramente econômico.

As estatísticas revelam que mais de 90% dos trabalhadores ganham menos de três salários mínimos. O Estado sempre teve taxa de desemprego extremamente alta. É recorrente o déficit de empregos formais nos setores da Indústria de Transformação, e de Serviços, e um excesso avantajado de empregos na Administração Pública. Existe falta de mão-de-obra qualificada no Maranhão, a qual está refletida no nível de renda e tipo de emprego. Baixos níveis de competências são provavelmente o resultado do baixo nível educacional e das precariedades do sistema escolar. O Estado está abaixo do nível médio do país quanto ao fornecimento de serviços como saneamento e moradias, com reflexo na qualidade de vida da população.

Assim, não arrancamos ainda porque não conseguimos superar esse já cansativo rosário de negatividades. Nenhum país ou sociedade no mundo atual poderá impulsionar o seu desenvolvimento e dar o arranque em sua economia convivendo, negando ou escondendo tais problemas estruturais. É preciso superá-los.

A crise econômica nacional encolheu também o Maranhão?

Se não encolheu de forma perceptível agora, não há dúvida que vai encolher e muito, porque somos um Estado fortemente dependente dos programas sociais, das transferências de renda, das transferências tributárias da União e das iniciativas do governo federal. O atual pacto federativo sempre foi desfavorável aos estados e municípios de um modo geral e, na medida em que ele se enfraqueça ainda mais, as dificuldades virão com muito mais força. Estado tradicionalmente agrícola, nascido das entranhas da ordem agroexportadora, viveu sempre como reflexo dos centros hegemônicos externos e internos, sofrendo as consequências das crises gerais.

Um quadro como este deixa patente a indispensabilidade do investimento privado, induzido e ao mesmo tempo ativamente supervisionado pelo Estado, para alavancar as forças produtivas dos vários setores da sociedade, nos padrões que assegurem mais empregos, mais inclusão social e mais recursos públicos para elevar a capacidade de investimento governamental em programas de educação, saúde e geração de infraestruturas, entre os principais.

Por não ter enfrentado com a devida atenção o planejamento do desenvolvimento de médio e longo prazos, sabe-se muito pouco sobre o que será o Maranhão quando for um estado grande. A preocupação com o imediato, com o prazo curto, fez com que os governos estaduais e municipais descuidassem dos termos de pactuação com as empresas que se instalaram no território maranhense, sejam multinacionais ou nacionais, levando a que até o presente momento pouco resultasse para a economia local e para as finanças públicas as suas presenças físicas no Estado.

Todos sabemos que sempre faltou um projeto exequível para o Desenvolvimento do Maranhão. Não temos mais escolas de pensamento. Temos poucos Tribuzis e felizmente um ou dois Rossinis. Precisamos de boas cabeças para redefinir os fundamentos do nosso desenvolvimento a partir das nossas singularidades, dos nossos planos, dos nossos problemas e das nossas potencialidades. Precisamos criar raízes locais para o projeto de desenvolvimento. O projeto precisa apoiar-se em lideranças adequadas e dentro de um clima empreendedor. Partir das realidades locais e não das realidades mercadológicas puras e globais. Essa é a primeira questão.

Como se começa a mudança? Resistindo...agindo..., não apenas se conscientizando. Sem esperança e confiança não há mudança. Só uma coisa mantém a esperança: a fé, a crença, a mística, que são justamente as razões que levam ao engajamento.

Antes de concluir, uma reflexão final. Por que os grandes projetos de desenvolvimento não resolveram o problema da pobreza? Deixo a pergunta. Tentei acima dar a minha visão, construída no coletivo social. É preciso que se abra a possibilidade de um novo projeto de desenvolvimento local. Precisamos instituir uma nova regulação política para reconstruir e ampliar o espaço público e a legitimidade do mandato político. Os empresários e suas organizações precisam assumir um protagonismo mais claro e ativo. Já houve um tempo na história econômica do Maranhão que as camadas empresariais eram mais importantes que os agentes governamentais em matéria de iniciativas e propostas para o desenvolvimento econômico maranhense.


Raimundo Palhano é consultor, diretor da Escola de Formação de Governantes(EFG-MA), membro do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão-IHGM, membro da Academia Caxiense de Letras-ACL, economista, especialista em Planejamento do Desenvolvimento (UFPA/UFMA), estudos superiores em ciência política pelo IUPERJ (RJ), estudos avançados em economia do setor público(Unicamp), mestre em História pela UFF (Universidade Federal Fluminense), intercâmbio internacional em Planejamento Educacional na Iowa State University (EUA) e Universidad Central de Las Villas (Cuba), professor aposentado da Universidade Federal do Maranhão, ex-presidente do Instituto Maranhense de Estudos Socioeconômicos e Cartográficos (IMESC), ex-presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação-UNDIME-MA, ex-diretor estadual da Associação Nacional de Política e Administração da Educação-ANPAE-MA, com produção intelectual nas áreas de economia, história, educação, política e letras.