Por Raimundo Palhano
Este artigo
apresenta uma resposta a três perguntas que me fizeram recentemente. Aproveito
o mote para continuar refletindo sobre a temática proposta. Passo a responder.
O que poderia
impulsionar o desenvolvimento econômico do Maranhão?
Permitam-me uma reflexão
antes de responder objetivamente à pergunta. Um dos maiores obstáculos à
compreensão da realidade maranhense é a presença de mitificações espantosas a
respeito de sua formação histórica. Somos a terra preferida dos mitos. Não sei
de onde tiraram a ideia de que já fomos uma economia próspera por tantos
séculos. Fomos sim a unidade mais escravagista do Brasil e do modo de produção
escravista os mais dependentes.
Pelo que sei, tirando a era
de ouro da economia maranhense, que vai da segunda metade do século 18 até o
período ao redor da Independência, o que vai caracterizar a nossa economia é o
longo período de involução e tendência declinante, indo praticamente até meados
do século 20, entrecortado por períodos curtos de crescimento, motivados pela
demanda externa, já que éramos uma economia monocultora e voltada às
exportações.
A economia do Maranhão
manteve-se à base da produção de açúcar, cravo, canela e pimenta. Basta dizer
que só em 1748 é autorizada a circulação de dinheiro amoedado de ouro, prata e
cobre, em substituição aos rolos de algodão. Estes produtos, seguidos do
algodão e da cana-de-açúcar, constituirão a base da economia maranhense até o
final do século XIX, toda ela estruturada no trabalho escravo, como de resto no
Brasil, embora aqui de forma muito mais penetrante e visceral.
É evidente que a grande
lavoura e o trabalho escravo fizeram do Maranhão uma das áreas mais ricas do
Brasil durante um certo e curto tempo, já referido, tornando São Luís, com
cerca de 25.000 habitantes em 1822, a quarta cidade brasileira, atrás apenas do
Rio de Janeiro, Salvador e Recife. Agora, propagar que a situação descrita
eleva o Maranhão à condição de uma economia próspera é um equívoco de análise
histórica, uma vez que o processo de acumulação era tipicamente mercantil e
patrimonialista, voltado aos interesses de comerciantes, agricultores e do
capital internacional. Próspera evidentemente, mas para bem poucos.
Outro mito a ser vencido. O
Maranhão nunca foi um estado industrializado. A crise da lavoura tradicional de
exportação e da cana-de-açúcar, nas décadas finais do século 19, levou as
camadas ricas a investirem seus capitais na aquisição de um parque fabril
têxtil, já obsoleto, em boa parte importado da Inglaterra, como uma nova forma
de acumulação. A esse fenômeno Jerônimo de Viveiros chamou de “vertigem das
fábricas”. A falta de tecnologia e inovação leva o segmento a não se
desenvolver e se arrastar por anos, perecendo de vez a partir dos anos 1940-50.
Por outro lado, o processo de
desenvolvimento maranhense que vai suceder ao período anterior também não será
capaz de promover o crescimento sustentável da economia local. A nova ordem
econômica que se instala no Brasil, a partir da segunda metade do século 20,
insere a economia maranhense de maneira subalterna. Passamos a ocupar o papel
de região supridora de matérias primas para o processo de industrialização
concentrado no sudeste do país, além de reserva de valor fundiário para o
processo de acumulação da nova economia em expansão no território nacional.
Impossível deixar de constatar
que, em sua quase totalidade, os governos que se sucederam no comando do poder
público, ao longo do período descrito, marcado por uma nova divisão nacional do
trabalho, cometeram erros de planejamento e de avaliação descomunais ao
acreditarem que a melhor forma de dinamização da economia maranhense era apoiar
os grandes projetos nacionais e internacionais que aqui vieram se instalar,
acreditando em um efeito multiplicador impossível de acontecer e em uma mão invisível
alegórica, vinda dos primórdios da teoria capitalista liberal. Investiram a
maior parte dos recursos para favorecer a reprodução do grande capital e
deixaram ao descaso a economia local, condenada ao fracasso pela quase
inexistência de infraestrutura produtiva e social apropriadas, logística
empresarial e recursos humanos qualificados em todos os níveis.
Agora indo ao cerne da
pergunta sobre o que poderia impulsionar a economia maranhense na atualidade. Primeiramente
é preciso que se tenha o diagnóstico honesto da economia e das prioridades a
serem assumidas para promover o desenvolvimento do Maranhão, fora dos
paradigmas tradicionais baseados na concentração e centralização das decisões e
dos resultados. Quais os maiores gargalos, como vamos superá-los em definitivo?
Sem um diálogo horizontal entre governo, empresários e organizações da área sobre
essas questões será muito difícil mudar o cenário existente.
Além disso, o desenvolvimento
ampliado da economia maranhense dependerá da superação de óbices como a
concentração de renda e de riqueza; concentração demográfica em centros
urbanos; a dispersão populacional pelo interior. O maior dos desafios: os
problemas decorrentes da escassez de infraestrutura e de meios de investimento,
tendo como pano de fundo a exploração predatória dos recursos naturais, cada
vez mais frequentes em todo território.
Segundo dados atuais, o
Produto Interno Bruto - PIB do Maranhão representa pouco mais de 1% do PIB
brasileiro, mesmo sendo o 16º entre os estados. Para que se tenha uma visão das
dificuldades que precisam ser superadas para implementação da infraestrutura
necessária para o desenvolvimento econômico estadual, enquanto o PIB/Km² do
Brasil gravita ao redor de R$ 400,00, o do Maranhão gira em torno de R$ 50,00.
Não é por outra razão que a participação maranhense no PIB brasileiro aumentou
de 1,11% para 1,27% e o PIB per capita local esteja entre os mais baixos do
país já por muito tempo.
Por outro lado, o rendimento
no trabalho é muito baixo na economia maranhense, se comparado com o observado
na economia brasileira. O percentual da população com 10 anos ou mais de idade,
ocupada, com rendimento no trabalho principal de até 1 salário mínimo
representa cerca de 60%.
Destaco também um ponto
importantíssimo: a pobreza não se restringe apenas à renda das pessoas. Um
Maranhão desenvolvido significa garantir qualidade de vida, que se manifesta no
acesso com qualidade à educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, conhecimento
e aos atributos da chamada vida moderna.
Assistencialismo e
transferência condicionada de renda mitigam a dor de ser pobre, por algum
tempo, apenas; mas são péssimos como estratégias para o desenvolvimento
econômico sustentável. Não se supera a pobreza instituindo um Estado
Assistencialista. Muitas igrejas evangélicas fazem esse trabalho melhor do que
muitos governos. Desenvolvimento sem trabalho e renda dignas para as famílias é
pura fantasia. Na próxima parte da entrevista destacarei as estratégias
concretas que considero fundamentais para impulsionar o desenvolvimento
econômico do Maranhão.
Por que o Maranhão não
consegue dar uma arrancada?
Todos
estamos de acordo sobre o Maranhão ser um estado com grande potencial
econômico, embora esteja entre os mais pobres em termos de PIB per capita. Não
nos cansamos de repetir fatores como a localização estratégica entre os grandes
mercados externos da Europa, da Ásia e dos Estados Unidos; a existência de um
dos portos naturais mais profundos do mundo; o valor do sistema de transporte
ferroviário e rodoviário, com o potencial de tornar o Estado um ponto focal
para comércio doméstico e internacional. Mas só isso não basta.
Creio também
ser um exagero dizer que no Maranhão a população esteja mergulhada na pobreza.
Temos uma economia de subsistência que mitiga muito a fome dos que estão fora
dos mercados de trabalhos formais. Acho que mais do que econômica, a maior
pobreza do Maranhão é educacional, cultural e política, fruto de muitos
equívocos acumulados, responsáveis pelos isolamentos populacionais e pelo baixo
nível de informações da maioria do povo.
Defendo a
regionalização e a municipalização como fatores estratégicos para o arranque da
economia maranhense. Lembro o planejamento no governo Jackson Lago, no período
2007-2009, trabalhando essa estratégia. Cito alguns passos fundamentais para
isso: melhorar a gestão do setor público para descentralização e crescimento equitativo;
promover o desenvolvimento econômico, começando por regiões selecionadas em função
do poder de irradiação; capacitar o Estado a obter grandes benefícios
econômicos e sociais a partir desta oportunidade única de investimento maciço
no Estado, em colaboração e coordenação com os investimentos do setor privado;
assegurar que toda a população se beneficie do crescimento, incluindo as
populações pobres que residem fora da capital; reforçar as capacidades do setor
público no Estado para atender à demanda da nova estrutura econômica; reforçar
a capacidade dos municípios e descentralizar responsabilidades.
Uma das
estratégias fundamentais é a promoção do desenvolvimento de regiões fora da
capital. Estes territórios receberiam fortalecimento institucional para a
preparação dos seus planos estratégicos, com foco no desenvolvimento econômico de
cada APL local, apoio à gestão regional, capacitação para os municípios,
estudos e programas para a qualificação da mão-de-obra, e desenvolvimento de
infraestruturas baseado nos planos estratégicos regionais.
Outra de
igual valor diz respeito à melhoria na gestão pública. Apoio à regionalização e
descentralização por intermédio de formulação da política relacionada com as
estratégias de desenvolvimento regional e processos institucionais; promover o
desenvolvimento econômico pela melhoria no clima de negócios; desenvolvimento
dos APLs que envolvam mais de uma região de planejamento; e preparação
institucional e analítica para implementar projetos em parceria com o setor
privado.
O foco do
novo desenvolvimento é o fortalecimento da economia interna. Começo pelos números
da economia, que revelam que há uma tendência histórica de crescimento
econômico e social significativamente concentrado em poucos de seus 217
municípios. A porcentagem do PIB derivado dos pequenos e médios municípios vem
caindo há pelo menos duas décadas. Existe crescimento nesses municípios, mas
com uma taxa menor, reveladores de economias locais muito fracas e até mesmo
inviáveis do ponto de vista puramente econômico.
As
estatísticas revelam que mais de 90% dos trabalhadores ganham menos de três
salários mínimos. O Estado sempre teve taxa de desemprego extremamente alta. É
recorrente o déficit de empregos formais nos setores da Indústria de
Transformação, e de Serviços, e um excesso avantajado de empregos na
Administração Pública. Existe falta de mão-de-obra qualificada no Maranhão, a
qual está refletida no nível de renda e tipo de emprego. Baixos níveis de
competências são provavelmente o resultado do baixo nível educacional e das
precariedades do sistema escolar. O Estado está abaixo do nível médio do país
quanto ao fornecimento de serviços como saneamento e moradias, com reflexo na
qualidade de vida da população.
Assim, não
arrancamos ainda porque não conseguimos superar esse já cansativo rosário de
negatividades. Nenhum país ou sociedade no mundo atual poderá impulsionar o seu
desenvolvimento e dar o arranque em sua economia convivendo, negando ou
escondendo tais problemas estruturais. É preciso superá-los.
A crise econômica
nacional encolheu também o Maranhão?
Se não encolheu de forma
perceptível agora, não há dúvida que vai encolher e muito, porque somos um Estado
fortemente dependente dos programas sociais, das transferências de renda, das
transferências tributárias da União e das iniciativas do governo federal. O
atual pacto federativo sempre foi desfavorável aos estados e municípios de um
modo geral e, na medida em que ele se enfraqueça ainda mais, as dificuldades virão
com muito mais força. Estado tradicionalmente agrícola, nascido das entranhas
da ordem agroexportadora, viveu sempre como reflexo dos centros hegemônicos externos
e internos, sofrendo as consequências das crises gerais.
Um quadro como este deixa
patente a indispensabilidade do investimento privado, induzido e ao mesmo tempo
ativamente supervisionado pelo Estado, para alavancar as forças produtivas dos
vários setores da sociedade, nos padrões que assegurem mais empregos, mais
inclusão social e mais recursos públicos para elevar a capacidade de
investimento governamental em programas de educação, saúde e geração de infraestruturas,
entre os principais.
Por não ter enfrentado com a
devida atenção o planejamento do desenvolvimento de médio e longo prazos,
sabe-se muito pouco sobre o que será o Maranhão quando for um estado grande. A
preocupação com o imediato, com o prazo curto, fez com que os governos
estaduais e municipais descuidassem dos termos de pactuação com as empresas que
se instalaram no território maranhense, sejam multinacionais ou nacionais,
levando a que até o presente momento pouco resultasse para a economia local e
para as finanças públicas as suas presenças físicas no Estado.
Todos sabemos que sempre
faltou um projeto exequível para o Desenvolvimento do Maranhão. Não temos mais
escolas de pensamento. Temos poucos Tribuzis e felizmente um ou dois Rossinis. Precisamos
de boas cabeças para redefinir os fundamentos do nosso desenvolvimento a partir
das nossas singularidades, dos nossos planos, dos nossos problemas e das nossas
potencialidades. Precisamos criar raízes locais para o projeto de
desenvolvimento. O projeto precisa apoiar-se em lideranças adequadas e dentro
de um clima empreendedor. Partir das realidades locais e não das realidades
mercadológicas puras e globais. Essa é a primeira questão.
Como se começa a mudança? Resistindo...agindo...,
não apenas se conscientizando. Sem esperança e confiança não há mudança. Só uma
coisa mantém a esperança: a fé, a crença, a mística, que são justamente as
razões que levam ao engajamento.
Antes de concluir, uma
reflexão final. Por que os grandes projetos de desenvolvimento não resolveram o
problema da pobreza? Deixo a pergunta. Tentei acima dar a minha visão,
construída no coletivo social. É preciso que se abra a possibilidade de um novo
projeto de desenvolvimento local. Precisamos instituir uma nova regulação
política para reconstruir e ampliar o espaço público e a legitimidade do
mandato político. Os empresários e suas organizações precisam assumir um
protagonismo mais claro e ativo. Já houve um tempo na história econômica do
Maranhão que as camadas empresariais eram mais importantes que os agentes
governamentais em matéria de iniciativas e propostas para o desenvolvimento
econômico maranhense.
Raimundo Palhano é consultor, diretor da Escola de Formação de Governantes(EFG-MA),
membro do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão-IHGM, membro da Academia
Caxiense de Letras-ACL, economista, especialista em Planejamento do
Desenvolvimento (UFPA/UFMA), estudos superiores em ciência política pelo IUPERJ
(RJ), estudos avançados em economia do setor público(Unicamp), mestre em
História pela UFF (Universidade Federal Fluminense), intercâmbio internacional
em Planejamento Educacional na Iowa State
University (EUA) e Universidad
Central de Las Villas (Cuba), professor aposentado da Universidade Federal
do Maranhão, ex-presidente do Instituto Maranhense de Estudos Socioeconômicos e
Cartográficos (IMESC), ex-presidente da União Nacional dos Dirigentes
Municipais de Educação-UNDIME-MA, ex-diretor estadual da Associação Nacional de
Política e Administração da Educação-ANPAE-MA, com produção intelectual nas
áreas de economia, história, educação, política e letras.
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