segunda-feira, 19 de setembro de 2016

DESENVOLVIMENTO DO MARANHÃO EM TRÊS TEMPOS


Por Raimundo Palhano



Este artigo apresenta uma resposta a três perguntas que me fizeram recentemente. Aproveito o mote para continuar refletindo sobre a temática proposta. Passo a responder.

O que poderia impulsionar o desenvolvimento econômico do Maranhão?

Permitam-me uma reflexão antes de responder objetivamente à pergunta. Um dos maiores obstáculos à compreensão da realidade maranhense é a presença de mitificações espantosas a respeito de sua formação histórica. Somos a terra preferida dos mitos. Não sei de onde tiraram a ideia de que já fomos uma economia próspera por tantos séculos. Fomos sim a unidade mais escravagista do Brasil e do modo de produção escravista os mais dependentes.

Pelo que sei, tirando a era de ouro da economia maranhense, que vai da segunda metade do século 18 até o período ao redor da Independência, o que vai caracterizar a nossa economia é o longo período de involução e tendência declinante, indo praticamente até meados do século 20, entrecortado por períodos curtos de crescimento, motivados pela demanda externa, já que éramos uma economia monocultora e voltada às exportações.

A economia do Maranhão manteve-se à base da produção de açúcar, cravo, canela e pimenta. Basta dizer que só em 1748 é autorizada a circulação de dinheiro amoedado de ouro, prata e cobre, em substituição aos rolos de algodão. Estes produtos, seguidos do algodão e da cana-de-açúcar, constituirão a base da economia maranhense até o final do século XIX, toda ela estruturada no trabalho escravo, como de resto no Brasil, embora aqui de forma muito mais penetrante e visceral.

É evidente que a grande lavoura e o trabalho escravo fizeram do Maranhão uma das áreas mais ricas do Brasil durante um certo e curto tempo, já referido, tornando São Luís, com cerca de 25.000 habitantes em 1822, a quarta cidade brasileira, atrás apenas do Rio de Janeiro, Salvador e Recife. Agora, propagar que a situação descrita eleva o Maranhão à condição de uma economia próspera é um equívoco de análise histórica, uma vez que o processo de acumulação era tipicamente mercantil e patrimonialista, voltado aos interesses de comerciantes, agricultores e do capital internacional. Próspera evidentemente, mas para bem poucos.

Outro mito a ser vencido. O Maranhão nunca foi um estado industrializado. A crise da lavoura tradicional de exportação e da cana-de-açúcar, nas décadas finais do século 19, levou as camadas ricas a investirem seus capitais na aquisição de um parque fabril têxtil, já obsoleto, em boa parte importado da Inglaterra, como uma nova forma de acumulação. A esse fenômeno Jerônimo de Viveiros chamou de “vertigem das fábricas”. A falta de tecnologia e inovação leva o segmento a não se desenvolver e se arrastar por anos, perecendo de vez a partir dos anos 1940-50.

Por outro lado, o processo de desenvolvimento maranhense que vai suceder ao período anterior também não será capaz de promover o crescimento sustentável da economia local. A nova ordem econômica que se instala no Brasil, a partir da segunda metade do século 20, insere a economia maranhense de maneira subalterna. Passamos a ocupar o papel de região supridora de matérias primas para o processo de industrialização concentrado no sudeste do país, além de reserva de valor fundiário para o processo de acumulação da nova economia em expansão no território nacional.

Impossível deixar de constatar que, em sua quase totalidade, os governos que se sucederam no comando do poder público, ao longo do período descrito, marcado por uma nova divisão nacional do trabalho, cometeram erros de planejamento e de avaliação descomunais ao acreditarem que a melhor forma de dinamização da economia maranhense era apoiar os grandes projetos nacionais e internacionais que aqui vieram se instalar, acreditando em um efeito multiplicador impossível de acontecer e em uma mão invisível alegórica, vinda dos primórdios da teoria capitalista liberal. Investiram a maior parte dos recursos para favorecer a reprodução do grande capital e deixaram ao descaso a economia local, condenada ao fracasso pela quase inexistência de infraestrutura produtiva e social apropriadas, logística empresarial e recursos humanos qualificados em todos os níveis.

Agora indo ao cerne da pergunta sobre o que poderia impulsionar a economia maranhense na atualidade. Primeiramente é preciso que se tenha o diagnóstico honesto da economia e das prioridades a serem assumidas para promover o desenvolvimento do Maranhão, fora dos paradigmas tradicionais baseados na concentração e centralização das decisões e dos resultados. Quais os maiores gargalos, como vamos superá-los em definitivo? Sem um diálogo horizontal entre governo, empresários e organizações da área sobre essas questões será muito difícil mudar o cenário existente.

Além disso, o desenvolvimento ampliado da economia maranhense dependerá da superação de óbices como a concentração de renda e de riqueza; concentração demográfica em centros urbanos; a dispersão populacional pelo interior. O maior dos desafios: os problemas decorrentes da escassez de infraestrutura e de meios de investimento, tendo como pano de fundo a exploração predatória dos recursos naturais, cada vez mais frequentes em todo território.

Segundo dados atuais, o Produto Interno Bruto - PIB do Maranhão representa pouco mais de 1% do PIB brasileiro, mesmo sendo o 16º entre os estados. Para que se tenha uma visão das dificuldades que precisam ser superadas para implementação da infraestrutura necessária para o desenvolvimento econômico estadual, enquanto o PIB/Km² do Brasil gravita ao redor de R$ 400,00, o do Maranhão gira em torno de R$ 50,00. Não é por outra razão que a participação maranhense no PIB brasileiro aumentou de 1,11% para 1,27% e o PIB per capita local esteja entre os mais baixos do país já por muito tempo.

Por outro lado, o rendimento no trabalho é muito baixo na economia maranhense, se comparado com o observado na economia brasileira. O percentual da população com 10 anos ou mais de idade, ocupada, com rendimento no trabalho principal de até 1 salário mínimo representa cerca de 60%.

Destaco também um ponto importantíssimo: a pobreza não se restringe apenas à renda das pessoas. Um Maranhão desenvolvido significa garantir qualidade de vida, que se manifesta no acesso com qualidade à educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, conhecimento e aos atributos da chamada vida moderna.

Assistencialismo e transferência condicionada de renda mitigam a dor de ser pobre, por algum tempo, apenas; mas são péssimos como estratégias para o desenvolvimento econômico sustentável. Não se supera a pobreza instituindo um Estado Assistencialista. Muitas igrejas evangélicas fazem esse trabalho melhor do que muitos governos. Desenvolvimento sem trabalho e renda dignas para as famílias é pura fantasia. Na próxima parte da entrevista destacarei as estratégias concretas que considero fundamentais para impulsionar o desenvolvimento econômico do Maranhão.

Por que o Maranhão não consegue dar uma arrancada?

Todos estamos de acordo sobre o Maranhão ser um estado com grande potencial econômico, embora esteja entre os mais pobres em termos de PIB per capita. Não nos cansamos de repetir fatores como a localização estratégica entre os grandes mercados externos da Europa, da Ásia e dos Estados Unidos; a existência de um dos portos naturais mais profundos do mundo; o valor do sistema de transporte ferroviário e rodoviário, com o potencial de tornar o Estado um ponto focal para comércio doméstico e internacional. Mas só isso não basta.

Creio também ser um exagero dizer que no Maranhão a população esteja mergulhada na pobreza. Temos uma economia de subsistência que mitiga muito a fome dos que estão fora dos mercados de trabalhos formais. Acho que mais do que econômica, a maior pobreza do Maranhão é educacional, cultural e política, fruto de muitos equívocos acumulados, responsáveis pelos isolamentos populacionais e pelo baixo nível de informações da maioria do povo.

Defendo a regionalização e a municipalização como fatores estratégicos para o arranque da economia maranhense. Lembro o planejamento no governo Jackson Lago, no período 2007-2009, trabalhando essa estratégia. Cito alguns passos fundamentais para isso: melhorar a gestão do setor público para descentralização e crescimento equitativo; promover o desenvolvimento econômico, começando por regiões selecionadas em função do poder de irradiação; capacitar o Estado a obter grandes benefícios econômicos e sociais a partir desta oportunidade única de investimento maciço no Estado, em colaboração e coordenação com os investimentos do setor privado; assegurar que toda a população se beneficie do crescimento, incluindo as populações pobres que residem fora da capital; reforçar as capacidades do setor público no Estado para atender à demanda da nova estrutura econômica; reforçar a capacidade dos municípios e descentralizar responsabilidades.

Uma das estratégias fundamentais é a promoção do desenvolvimento de regiões fora da capital. Estes territórios receberiam fortalecimento institucional para a preparação dos seus planos estratégicos, com foco no desenvolvimento econômico de cada APL local, apoio à gestão regional, capacitação para os municípios, estudos e programas para a qualificação da mão-de-obra, e desenvolvimento de infraestruturas baseado nos planos estratégicos regionais.

Outra de igual valor diz respeito à melhoria na gestão pública. Apoio à regionalização e descentralização por intermédio de formulação da política relacionada com as estratégias de desenvolvimento regional e processos institucionais; promover o desenvolvimento econômico pela melhoria no clima de negócios; desenvolvimento dos APLs que envolvam mais de uma região de planejamento; e preparação institucional e analítica para implementar projetos em parceria com o setor privado.

O foco do novo desenvolvimento é o fortalecimento da economia interna. Começo pelos números da economia, que revelam que há uma tendência histórica de crescimento econômico e social significativamente concentrado em poucos de seus 217 municípios. A porcentagem do PIB derivado dos pequenos e médios municípios vem caindo há pelo menos duas décadas. Existe crescimento nesses municípios, mas com uma taxa menor, reveladores de economias locais muito fracas e até mesmo inviáveis do ponto de vista puramente econômico.

As estatísticas revelam que mais de 90% dos trabalhadores ganham menos de três salários mínimos. O Estado sempre teve taxa de desemprego extremamente alta. É recorrente o déficit de empregos formais nos setores da Indústria de Transformação, e de Serviços, e um excesso avantajado de empregos na Administração Pública. Existe falta de mão-de-obra qualificada no Maranhão, a qual está refletida no nível de renda e tipo de emprego. Baixos níveis de competências são provavelmente o resultado do baixo nível educacional e das precariedades do sistema escolar. O Estado está abaixo do nível médio do país quanto ao fornecimento de serviços como saneamento e moradias, com reflexo na qualidade de vida da população.

Assim, não arrancamos ainda porque não conseguimos superar esse já cansativo rosário de negatividades. Nenhum país ou sociedade no mundo atual poderá impulsionar o seu desenvolvimento e dar o arranque em sua economia convivendo, negando ou escondendo tais problemas estruturais. É preciso superá-los.

A crise econômica nacional encolheu também o Maranhão?

Se não encolheu de forma perceptível agora, não há dúvida que vai encolher e muito, porque somos um Estado fortemente dependente dos programas sociais, das transferências de renda, das transferências tributárias da União e das iniciativas do governo federal. O atual pacto federativo sempre foi desfavorável aos estados e municípios de um modo geral e, na medida em que ele se enfraqueça ainda mais, as dificuldades virão com muito mais força. Estado tradicionalmente agrícola, nascido das entranhas da ordem agroexportadora, viveu sempre como reflexo dos centros hegemônicos externos e internos, sofrendo as consequências das crises gerais.

Um quadro como este deixa patente a indispensabilidade do investimento privado, induzido e ao mesmo tempo ativamente supervisionado pelo Estado, para alavancar as forças produtivas dos vários setores da sociedade, nos padrões que assegurem mais empregos, mais inclusão social e mais recursos públicos para elevar a capacidade de investimento governamental em programas de educação, saúde e geração de infraestruturas, entre os principais.

Por não ter enfrentado com a devida atenção o planejamento do desenvolvimento de médio e longo prazos, sabe-se muito pouco sobre o que será o Maranhão quando for um estado grande. A preocupação com o imediato, com o prazo curto, fez com que os governos estaduais e municipais descuidassem dos termos de pactuação com as empresas que se instalaram no território maranhense, sejam multinacionais ou nacionais, levando a que até o presente momento pouco resultasse para a economia local e para as finanças públicas as suas presenças físicas no Estado.

Todos sabemos que sempre faltou um projeto exequível para o Desenvolvimento do Maranhão. Não temos mais escolas de pensamento. Temos poucos Tribuzis e felizmente um ou dois Rossinis. Precisamos de boas cabeças para redefinir os fundamentos do nosso desenvolvimento a partir das nossas singularidades, dos nossos planos, dos nossos problemas e das nossas potencialidades. Precisamos criar raízes locais para o projeto de desenvolvimento. O projeto precisa apoiar-se em lideranças adequadas e dentro de um clima empreendedor. Partir das realidades locais e não das realidades mercadológicas puras e globais. Essa é a primeira questão.

Como se começa a mudança? Resistindo...agindo..., não apenas se conscientizando. Sem esperança e confiança não há mudança. Só uma coisa mantém a esperança: a fé, a crença, a mística, que são justamente as razões que levam ao engajamento.

Antes de concluir, uma reflexão final. Por que os grandes projetos de desenvolvimento não resolveram o problema da pobreza? Deixo a pergunta. Tentei acima dar a minha visão, construída no coletivo social. É preciso que se abra a possibilidade de um novo projeto de desenvolvimento local. Precisamos instituir uma nova regulação política para reconstruir e ampliar o espaço público e a legitimidade do mandato político. Os empresários e suas organizações precisam assumir um protagonismo mais claro e ativo. Já houve um tempo na história econômica do Maranhão que as camadas empresariais eram mais importantes que os agentes governamentais em matéria de iniciativas e propostas para o desenvolvimento econômico maranhense.


Raimundo Palhano é consultor, diretor da Escola de Formação de Governantes(EFG-MA), membro do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão-IHGM, membro da Academia Caxiense de Letras-ACL, economista, especialista em Planejamento do Desenvolvimento (UFPA/UFMA), estudos superiores em ciência política pelo IUPERJ (RJ), estudos avançados em economia do setor público(Unicamp), mestre em História pela UFF (Universidade Federal Fluminense), intercâmbio internacional em Planejamento Educacional na Iowa State University (EUA) e Universidad Central de Las Villas (Cuba), professor aposentado da Universidade Federal do Maranhão, ex-presidente do Instituto Maranhense de Estudos Socioeconômicos e Cartográficos (IMESC), ex-presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação-UNDIME-MA, ex-diretor estadual da Associação Nacional de Política e Administração da Educação-ANPAE-MA, com produção intelectual nas áreas de economia, história, educação, política e letras.


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