sexta-feira, 16 de setembro de 2016

BIBLIOTECA BÁSICA MARANHENSE

  

Por Rossini Corrêa



Se no principio era o Verbo, logo o Profeta Isaías recomendou que se fosse e se escrevesse em uma tábua, aquilo que devesse ficar até o último dia, e perpetuamente (Isaías 30:8). Ou seja, a tradição judaica, antepassada do código cristão, sem rebuços, estabeleceu uma dupla afinidade eletiva: com o Verbo e com o Livro.

O mundo ibérico – de cuja civilização lusitana o Brasil e o Maranhão são derivados – arquitetou uma relação desigual, entretanto, com o Verbo e com o Livro. Na vertente portuguesa os cronistas foram valorizados pelos poderosos, na medida em que escreviam os chamados Livros dos Feitos, exaltando o seu protagonismo na história, do que é exemplo quase tardio Pero Vaz de Caminha, autor da Carta ao Rei Dom Manuel, narrando a Descoberta do Brasil, em 1 de maio de 1500.

Em perspectiva exógena, entretanto, o mundo que o português criou foi, em grande medida, refratário ao Verbo e ao Livro, ambos havidos como perigosos para os interesses do Império Colonial sustentado pelas feitorias d’além mar. Tanto é verdade, e não por acaso, que a repressão metropolitana aos ideais autonomistas sempre passou pelo extermínio dos denunciados como boquirrotos e panfletários, morressem contentes, qual Bequimão ou tivesse a Constituição dos Estados Unidos da América, a exemplo de Tiradentes; pedissem aos algozes que atirasse, no coração, qual Padre Roma ou garantissem que o liberal não morre nunca, como Frei Caneca.

É consabida a Ordem Régia do Estado Metropolitano, a realizar a proibição de que livros fossem publicados e circulassem nos espaços coloniais lusitanos, o que alcançava, por evidente, as folhas ou jornais. No acaso da Colônia, com a Família Real residindo no Brasil e a Imprensa Régia funcionando, o viajante inglês Henri Koster foi preso na Alfândega de São Luís e o motivo por que o foi consistiu em um só: portava livros...

O processo de vitória sobre o obscurantismo foi denodado e conseguiu que tipografias, jornais e livros iluminassem o caminho, em busca da difícil autonomia nacional. César Augusto Marques, no Dicionário Histórico e Geográfico de Província do Maranhão, não vacilou em registrar como relevante a primeira prensa a funcionar em terras timbiras, consignando os versos publicados em honra do acontecimento. E com razão.

Se Claude d’Abbeville relatou que os índios maranhenses contatados pelos franceses eram grandes palradores, não parando de discursar, os intelectuais da sociedade imperial da província se revelariam notáveis escritores, tanto em jornais quanto em livros. O Maranhão, portanto, vencida a opressão colonialista, realizou a urdidura de sua conexão com o Verbo e com o Livro, advindos das antiguidades judaicas e prosperou na direção construtiva de um paradigma literário, qualificado por José Veríssimo como o Grupo Maranhense.

Eis de onde é egressa a realidade do mito ou a mitologia real – tanto se meu quanto se me dá – da Atenas Brasileira, reivindicada por nós e acreditada por outrem, a repousar, pelo menos no passado, na qualidade da contribuição maranhense para as letras, artes e ciências no Brasil. Quem escreve estas mal traçadas linhas disse ‘não’ (Formação Social do Maranhão: o presente de uma arqueologia) e disse ‘sim (Atenas Brasileira: a cultura maranhense na civilização nacional) à realidade do mito ou à mitologia real da Atenas Brasileiras, por amor à dialética, tendo-a, em qualquer hipótese, como honrosa. Signo prognóstico – o de Atenas – ancorado no século de Péricles e no chão filosófico pisado por Sócrates, Platão e Aristóteles, bem como reinventado no Ressurgimento pela Família Medici, a batizar a sua república de sábios, artes e academias, isto é, Florença, como a Atenas do Renascimento.

De qualquer maneira, do manancial literário em questão, talvez menos evidente, mas nunca menos relevante, resultou uma arguta produção ensaística e reflexiva, à luz das ciências, por meio da qual a sua inteligência ambicionou que os maranhenses tomassem consciência de si mesmos, nas mais diferentes ordens do real em fluxo. Essa valiosa produção, ora rara, ora dispersa, precisa ser resgatada, ordenada e posta à disposição do livre e democrático acesso da juventude e dos pesquisadores, fomentando o pensamento crítico e complexo sobre a questão maranhense, que é condição do seu futuro, exigente, porém, do conhecimento do seu passado.

Eis o fundamento heurístico e propositivo, da criação de uma Biblioteca Básica Maranhense, que tenha como ambição primeira a reunião de cem títulos essenciais para o conhecimento da realidade estadual, de maneira a constituir uma autêntica enciclopédia timbira. O espelho em que a presente sugestão está se mirando, em sua condição sistemática, com efeito, responde pelos nomes de notáveis coleções nacionais, quais sejam a Brasiliana, a Documentos Brasileiros, a Corpo e Alma do Brasil e a Biblioteca Básica Brasileira. Esforços, estes, decorrentes dos préstimos, entre outros, de Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Rubens Borba de Moraes, Afonso Arinos de Mello Franco, Fernando Henrique Cardoso e Darcy Ribeiro.

Com a plasticidade do que só reconhece o dogma de não ter dogma, a Biblioteca Básica Maranhense vai começar, entre outros títulos, com a publicação de A Produção da Coisa Pública, de Raimundo Palhano e de O Modelo Jurídico da Sociedade de Economia Mista e o Processo de Desenvolvimento Econômico e Social do Estado do Maranhão, de João Batista Ericeira. Sugere-se que o projeto em questão, em seguida, incorpore a reunião de toda a obra econômica de Bandeira Tribuzzi, isto é, da Formação Econômica do Maranhão, dos Ensaios Econômicos e do Plano do Governo Pedro Neiva de Santana, bem como o somatório dos estudos de Ignácio Rangel e de Manuel Correia de Andrade sobre a questão agrária e os novos eixos rodoviários brasileiros e a consolidação dos ensaios de Maureli Costa e de Sálvio Dino sobre a passagem da Coluna Prestes pelo Maranhão.


E que parta, a Biblioteca Básica Maranhense, em busca de Raimundo José de Sousa Gaioso, José Cândido de Moraes e Silva, César Augusto Marques, Luís Antônio Vieira da Silva, Cândido Mendes, Rafael Estêvão de Carvalho, Odorico Mendes, João Francisco Lisboa, José Ascenso da Costa Ferreira, Celso de Magalhães, Joaquim Serra, Graça Aranha, Coelho Netto, Dunshee de Abranches, Humberto de Campos, Fran Paxeco, Barbosa de Godois, Raimundo Lopes, Antônio Lopes, Astolfo Serra, Viriato Corrêa, Jerônimo de Viveiros, Carlota Carvalho, Mário Meireles, D.Felipe Condurú Pacheco, Nunes Pereira, Neiva Moreira, Elóy Coelho Netto, Carlos de Lima e, entre outros, Nascimento Morais Filho e Bernadp Coelho de Almeida. Assim o projeto editorial ora encerrado por-se-á a caminho e, com certeza, encontrará o seu vitorioso norte.  

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