Por Raimundo Palhano
Cangote não
é mais uma mancha na geografia de Barreirinhas. Localizado a cerca de 30 km da
sede do Município, habitado por uma comunidade formada por algumas centenas de almas,
que, pela vida afora, convivem mais com a mata e os seus mistérios do que com a
civilização, padece de um isolamento antigo, atenuado pelas antenas parabólicas
e uma estrada carroçável feita de depressões e sinuosidades recorrentes.
No dia 10 de março de 2016, o prefeito
Léo Costa, filho da terra, fincou naquelas paragens do fim do mundo a maior e
mais bonita de suas bandeiras: a escola digna municipal, uma iniciativa
surpreendente e ousada, voltada a promover a educação de qualidade e tantos
outros benefícios daí decorrentes, a comunidades acostumadas e conformadas com
o abandono, o descaso e o desprezo histórico do poder público para com a
educação dos seus filhos, jovens e idosos.
Como uma
miragem inatingível, ao cair da tarde, os convidados para a inauguração viram
surgir, magicamente, no lugar do esqueleto em pedaços de uma escola rural
indigente, como muitas espalhadas por esse Maranhão de todos nós, uma unidade
escolar reluzente, limpa, projetada, com salas de aula climatizadas, coreto à
porta para recepcionar os alunos, sala de diretor e professores, sistema de
vigilância pela internet, lugar para alimentação escolar e para os livros de
leitura, espaços de circulação e um terreno pronto para crescer.
Antes do corte
da fita inaugural e do descerrar da placa de bronze, símbolos maiores do
sepultamento de um tempo de trevas e início de outro, feito de claridades, bem
mais fortes que as dos fogos de artifícios anunciadores do fato extraordinário,
o povo ali presente percorria o recinto, tocando-lhe a pele, sentindo-lhe o sangue
correr por veias de esperança.
O ato
litúrgico pela ressurreição da crença no futuro, também antecedendo o rito de
passagem, coordenado pelo prefeito Léo, o incansável, que também passou a ser confundido
com Davi, o vitorioso sobre o Golias das indignidades contra as crianças,
encheu-se, de repente, de contagiante inspiração, e vozes as mais diversas,
desde autoridades da área, vereadores do povo, lideranças comunitárias e
educacionais, estudantes, pais, anônimos e todas as línguas que não puderam se
exprimir, explodem de júbilo, perplexidade e surpresa diante da graça recebida
e por décadas negada àquela gente.
E o prefeito
Léo Costa falou por último, antes de dar a escola por inaugurada, fazendo
agigantar-se o seu corpo e sua alma, como um missionário perfeito.
Ensinou como multiplicar os pães,
mesmo em tempos de trigo escasso e caro. Contou como fez para transformar a
água pequena em cachoeiras de sonhos. E contou a sua estória e deixou claro porque
estava fazendo história. E disse a todos que o milagre não estava acontecendo só
ali. Lembrou os povoados de Bacuri, Passagem do Canto, Guarimã, Bartolomeu,
Axixá, Andreza, Mumbuca, Boi/Borges, Piquizeiro e Baixa D’Água, comunidades que
também souberam transformar cinzas e escombros em escolas municipais dignas. E
foi além. Disse das muitas unidades que serão erguidas do chão batido, já
programadas, contando com o apoio dos governos estadual e federal, estes últimos
oriundos do PAR.
Depois da
solenidade, tocados pela festa popular e pelas muitas emoções, pôde-se perceber
claramente que a solução não chega sem utopias e os milagres do impossível.
A escola digna municipal profetizada
por Léo Costa, que já deixou de ser dele, demonstra que as soluções são viáveis
quando encontradas a partir das condições de vida predominantes contextualmente.
Sem esse discernimento dificilmente o seu governo teria avançado tanto, principalmente
nas áreas da educação e da saúde.
O processo de povoalização da rede
escolar e de interiorização da rede básica de saúde romperam uma tradição
antiga, caracterizada pela inacessibilidade aos serviços públicos básicos aos
povos do interior. Ao priorizar o emparelhamento dessas duas políticas públicas,
o governo Costa, além de democratizar o acesso aos serviços públicos essenciais
de educação e saúde, investe claramente na melhoria dos indicadores de
desenvolvimento humano de Barreirinhas, criando as condições objetivos para a
sustentabilidade do seu desenvolvimento.
Escolas como a de Cangote representam o ponto de partida para uma reinvenção
educacional. A cabeça brilhante do prefeito barreirinhense precisou escapar das
armadilhas da onipotência dos métodos pedagógicos para chegar ao ponto que
Célia Linhares denomina de ultrapassagem instituinte, aquela em que se supera a ditadura das imposições inquestionáveis
e das definições consagradas, pelo mergulho profundo nas condições de vida de
todos e de cada um dos seus conterrâneos, na busca incansável das soluções aos problemas
cruciais daquela sociedade.
São escolas dignas porque contribuem
decisivamente em favor do direito de aprender das crianças dos Lençóis
Maranhenses e de sua capital espiritual, Barreirinhas. Também porque rompem uma
prática desprezível, pela qual o interior é tratado quase sempre como o lugar
dos descartes das escolas das áreas urbanas.
Cangote, enfim, é a parte posterior
do pescoço, como todos sabem. Um nome de origem latina, como boa parte dos que
formam a língua portuguesa. Significa capuz, cabeça. Quando muito musculoso,
lembra arrogância e soberba. Tem, por outro lado, um poder natural, declarado
pelos poetas: a gente tem que beijar. O
outro poder descoberto por Léo é o de resgatar a autoestima dos moradores, sem
o que terão muitas dificuldades para superar os desafios de amanhã.
E são grandes e pesados todos eles,
embora ultrapassáveis. A miragem cultural que emergiu da terra árida se desfará
em pouco tempo se não for preenchida por um projeto pedagógico competente e viável,
inserido em um amplo programa institucional de desenvolvimento da educação do
campo, unindo desejos e vontades dispersos por décadas, capazes de articular o
sistema público de ensino em uma direção comum, na qual a escola e o direito de
aprender das crianças, jovens e idosos seja o objetivo maior de todos.
Se isso acontecer e, certamente,
acontecerá, pois esta é a profecia do Prefeito e a vontade dos gestores
educacionais e escolares, a experiência de Barreirinhas poderá ser uma saída
inteligente e viável aos milhares de municípios brasileiros, onde estão os maranhenses,
que, ainda hoje, passam pelo constrangimento cultural e político de não terem
resolvido um centenário problema estrutural de suas políticas públicas: terem
fracassado naquilo que poderia ser a maior de suas prioridades – garantir o
direito de aprender e sobreviver de suas crianças.
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