terça-feira, 24 de janeiro de 2017

O MARANHÃO DE ALMA GRANDE: ENIGMAS, DESAFIOS E URGÊNCIAS, NO PENSAMENTO DE JHONATAN ALMADA, LÉO COSTA, AZIZ SANTOS E RAIMUNDO PALHANO




                                                                                      *ROSSINI CORRÊA

*Advogado e Professor em Brasília. Filósofo do Direito, Rossini Corrêa é autor, entre outros títulos, de Saber Direito-Tratado de Filosofia Jurídica; Jusfilosofia de Deus; Crítica da Razão Legal; Bacharel, Bacharéis: Graça Aranha, discípulo de Tobias e companheiro de Nabuco; Teoria da Justiça no Antigo Testamento; Brasil Essencial: como conhecer o país em cinco minutos; e Sonetário do Quixote Vencedor. Pertence à Academia Brasiliense de Letras e é Membro Correspondente da Academia Maranhense de Letras Jurídicas.


Constitui motivo de júbilo a publicação, pelo Instituto Jackson Lago, do livro Maranhão, Enigmas, Desafios e Urgências, de autoria do historiador Jhonatan Almada, do sociólogo Léo Costa e dos economistas Aziz Santos e Raimundo Palhano, que desdobram, neste século XXI, a capacidade de refletir sobre a realidade maranhense enquanto problema com solução. Refiro-me, neste particular, à superação do decantado fatalismo da decadência, da resignação com o condicionamento da miséria e da pobreza e à espera mirífica das dádivas do Poder Central como os únicos caminhos a ser ou não ser trilhados pela paisagem econômica, social e política estadual.

Foi da tradição cultural maranhense a evasão de talentos, em busca de sua legitimação na esfera nacional, fato que, no século XX, vinculou a intelectualidade timbira às demandas relativas à civilização brasileira. Um substrato de significativa maranhensidade ganhou presença, entretanto, no discurso literário de Josué Montello (Os Tambores de São Luis e A Noite sobre Alcântara), de Odylo Costa, filho (A Faca e o Rio e Histórias da Beira do Rio) e de José Sarney (O Dono do Mar e Nortes das Águas). Na dimensão ensaística, contudo, só por exceção, o Maranhão foi objeto de conhecimento de outros luminares, como Franklin de Oliveira, Osvaldino Marques e Ferreira Gullar. Quem colocou a realidade estadual na sua reflexão nacional foi Ignácio Rangel, em escassos, mas significativos momentos, ao refletir, por exemplo, sobre o devassamento rodoviário da década de 50, a percorrer os brasis a caminho de Brasília.

O fenômeno a quem pretendo me reportar, todavia, é referente à capacidade autônoma dos que ficaram, em realimentar a tradição de pensamento sobre o Maranhão, que, no passado do século XX, encontrou ressonantes e definitivas contribuições, no pensamento de Antônio Lopes, Jerônimo de Viveiros e Bandeira Tribuzzi, entre outros. Neste sentido, o livro Maranhão, Enigmas, Desafios e Urgências, sem lugar a dúvida, vincula os seus quatro autores à renovação qualitativa da reflexão sobre a realidade maranhense, em consonância com a percepção critica e propositiva, voltada para um compromisso de mudança.

Jhonantan Almada representa a certeza de que não haverá solução de continuidade na tradição de pensamento maranhense, por significar o futuro que já chegou acrescido pelo seu talento editorial, capacidade de reflexão e promessa em emergência de afirmação enquanto quadro administrativo diferenciado. Sublinho no testemunho de Almada o sentido republicano e democrático de sua percepção estruturante e longitudinal da realidade maranhense, cujo sentido finalístico exige que haja um compromisso com meios continuados de reforma e de mudança, para que o Estado, no gerúndio, venha mudando práticas e culturas estabelecidas, com a geração de um modelo de condução transformada e transformadora.

Léo Costa é um ativista cívico histórico, com experiência administrativa vitoriosa, bafejado ainda por uma capacidade de análise da realidade envolvente, resultante de sua sólida formação sociológica. Costa enriquece o debate com a retomada do signo democrático como condição central para o Maranhão em mudança, segundo a definição do Governador Jackson Lago. Levanta ainda o Prefeito de Barreirinhas a bandeira do municipalismo como chave estruturante de um Maranhão transfigurado, que transite do combate à pobreza para a promoção da riqueza, elegendo a renovação da agricultura como sustentáculo proativo de um desenvolvimento inclusivo, ético e de promoção de todo homem e do homem todo.

Quanto a Aziz Santos constitui um extraordinário exemplo de técnico dotado de visão política, refinada no custo de uma singular experiência de gestão privada e pública, que lhe permitiu gerenciar fomentos no Mercado e intervenções do Estado. Santos carregava consigo uma formação técnica robusta, enriquecida em seu confronto com o fado, por duvidar que o crescimento econômico nacional envolvesse o Maranhão e o transfigurasse, segundo a lógica racionalista do Mercado, estampada no milagre brasileiro e seu modelo de resultados concentracionários. Abedelaziz Aboud Santos perseguiu – como Gestor Municipal e Secretário de Estado – a afirmação de um modelo de desenvolvimento social referenciado por distinto paradigma, de que a sua reflexão é a autoconsciência, a lhe permitir indicar a dignidade da pessoa humana como o seu valor dos valores.

Raimundo Palhano é o principal intérprete do Maranhão depois de Bandeira Tribuzzi. Economista com formação acadêmica plural – traço também visível em Jhonatan Almada, Léo Costa e Abedelaziz Aboud Santos – Palhano vem construindo, desde as décadas de 70 e 80 do século XX, um volume individual de estudos sistemáticos sobre a realidade maranhense, de superior significação. A ideia de coisa pública – relacionada ao espírito republicano e sua ausência no antigo modo de governar – na reflexão palhaniana ganhou a condição de categoria indicativa de caminhos de efetiva mudança, exigente e geradora de mobilização social e de redirecionamento das instituições estatais. O pensamento de Palhano tem a virtude de repensar o desenvolvimento maranhense à luz da desprivatização, da publicização do Estado, com o estabelecer de uma dialogia nova com a sociedade a conquistar cenários de afirmação da cidadania ativa.

Esse livro – Maranhão, Enigmas, Desafios e Urgências – é um documento para a história maranhense, ao resgatar um processo de mudança social interrompido por um golpe de Estado judicial: o Governo Jackson Lago.

Felicito a todos os quatros autores pela lucidez da reflexão, absolutamente impecável, referente à possibilidade de futuro de nossa pátria pequena, como dizia Joaquim Nabuco a respeito da Província que cada um de nós carrega para sempre na alma, como verdade primeira, de sua forma de ser e de sua maneira de estar no mundo.

Lucidez, essa, revelada na capacidade de ponderação que já sublinhei – “Não há como fugir dessa convocação histórica. Há uma nova engenharia política a ser elaborada que vai além das comemorações e dos feitos que levaram à vitória nas urnas” – que constitui um chamamento indispensável à realidade e sua desafiante tarefa a ser cumprida.

É a compreensão ampliada, em termos de percepção, na consciência da política de campo minado a ser herdada – “O Maranhão não deixou de ser um território marcado pelo acúmulo de erros e omissões, completamente impunes e mesmo não relevados, que foram construindo contextos paradoxais e assimétricos, tanto no corpo como na alma maranhense” – e suplantada. É a vontade de superação do legado que, a despeito de maldito, tem que ser transfigurado, sob a compreensão de que os canais e os oceanos são produtos de fontes que têm que ser regadas e protegidas, chegando-se aos macrossistemas de irrigação de uma multiplicidade empoderada de microssistemas.

Assim poderia eu prosseguir, palmilhando a riqueza do território do texto, que já considero a Carta de Princípio do Maranhão a ser refundado – “O barco pode afundar muito cedo se não for conduzido para a grande viagem que não houve” – apenas se houver o estado de poesia, a consciência do momento mágico, o visionário pão de cada dia, em perseguição de horizontes vezes dez, ou cem, ou mil, para que se tenha algum, mas que seja digno e empreste um par de asas ao bicho da terra que o homem é, como recordou Luís de Camões.

E o homem é bicho da terra universalmente, da rua mais simples, da mais esquecida aldeia do Maranhão, até a Quinta Avenida, em Nova York. Possuindo, entretanto, em seu substrato emocional – insuspeitada, e por despertar – capacidade de sonhar com os amanhãs que cantam as toadas de uma vida mais ética, compartilhada, emancipatória e solidária, de que o Maranhão precisa deixar de ser oligárquico e reiterado contratestemunho.

Este é o desafio da viagem por haver, na direção do porto em que gente venha a ser tratada como gente em nossa terra comum: sem desprezo e com respeito, em um cuidar das pessoas que as liberte para a balaiada incessante e pacífica, da construção vertical de outro destino, que não o da reiterada “viagem que não houve”, na qual o senhor mais recente deixa saudades do donatário mais antigo, em ciclo merecedor de um ponto final, na vitória do compromisso democrático sobre a tradição oligárquica.

É grande a viagem: têm Jhonatan Almada, Léo Costa, Aziz Santos e Raimundo Palhano, efetivamente, razão. E a travessia não pode, ultrapassando o Boqueirão, sucumbir no Baixo dos Atins, na Baia de Cumã, sumidouro de sonhos, que já engoliu o poeta Gonçalves Dias, e não pode e não deve, agora, senão ser passagem para o mar oceano da pergunta com resposta e da esperança rediviva.

Meditemos e recordemos Fernando Pessoa: “Quem quiser passar além do Bojador / tem que passar além da dor”. E mais: “Deus ao mar o perigo e o abismo deu,/ mas nele é que espelhou o céu”. E finalmente: “Valeu a pena? Tudo vale a pena/ se a alma não é pequena”. Só de alma grande será possível avançar verdadeiramente, trocando a pré-política do contra pela política do a favor. Comungo dos votos de que a nova subjetividade, à qual se reportam os quatros pensadores gonçalvinos, ainda por ser esculpida no tecido social da história, tenha no timão maranhense a legenda heróica do bom combate a ser permanentemente travado: “Maranhão de alma grande!”   
       



          

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