*ROSSINI CORRÊA
*Advogado e Professor em
Brasília. Filósofo do Direito, Rossini Corrêa é autor, entre outros títulos, de
Saber Direito-Tratado de Filosofia Jurídica; Jusfilosofia de Deus; Crítica da
Razão Legal; Bacharel, Bacharéis: Graça Aranha, discípulo de Tobias e
companheiro de Nabuco; Teoria da Justiça no Antigo Testamento; Brasil
Essencial: como conhecer o país em cinco minutos; e Sonetário do Quixote
Vencedor. Pertence à Academia Brasiliense de Letras e é Membro Correspondente
da Academia Maranhense de Letras Jurídicas.
Constitui
motivo de júbilo a publicação, pelo Instituto Jackson Lago, do livro Maranhão, Enigmas, Desafios e Urgências,
de autoria do historiador Jhonatan Almada, do sociólogo Léo Costa e dos
economistas Aziz Santos e Raimundo Palhano, que desdobram, neste século XXI, a
capacidade de refletir sobre a realidade maranhense enquanto problema com
solução. Refiro-me, neste particular, à superação do decantado fatalismo da
decadência, da resignação com o condicionamento da miséria e da pobreza e à
espera mirífica das dádivas do Poder Central como os únicos caminhos a ser ou
não ser trilhados pela paisagem econômica, social e política estadual.
Foi
da tradição cultural maranhense a evasão de talentos, em busca de sua
legitimação na esfera nacional, fato que, no século XX, vinculou a
intelectualidade timbira às demandas relativas à civilização brasileira. Um substrato
de significativa maranhensidade ganhou presença, entretanto, no discurso
literário de Josué Montello (Os Tambores
de São Luis e A Noite sobre Alcântara),
de Odylo Costa, filho (A Faca e o Rio e Histórias da Beira do Rio) e de José
Sarney (O Dono do Mar e Nortes das Águas). Na dimensão
ensaística, contudo, só por exceção, o Maranhão foi objeto de conhecimento de
outros luminares, como Franklin de Oliveira, Osvaldino Marques e Ferreira
Gullar. Quem colocou a realidade estadual na sua reflexão nacional foi Ignácio
Rangel, em escassos, mas significativos momentos, ao refletir, por exemplo,
sobre o devassamento rodoviário da década de 50, a percorrer os brasis a
caminho de Brasília.
O
fenômeno a quem pretendo me reportar, todavia, é referente à capacidade
autônoma dos que ficaram, em realimentar a tradição de pensamento sobre o
Maranhão, que, no passado do século XX, encontrou ressonantes e definitivas
contribuições, no pensamento de Antônio Lopes, Jerônimo de Viveiros e Bandeira
Tribuzzi, entre outros. Neste sentido, o livro Maranhão, Enigmas, Desafios e Urgências, sem lugar a dúvida,
vincula os seus quatro autores à renovação qualitativa da reflexão sobre a
realidade maranhense, em consonância com a percepção critica e propositiva, voltada
para um compromisso de mudança.
Jhonantan
Almada representa a certeza de que não haverá solução de continuidade na
tradição de pensamento maranhense, por significar o futuro que já chegou
acrescido pelo seu talento editorial, capacidade de reflexão e promessa em
emergência de afirmação enquanto quadro administrativo diferenciado. Sublinho
no testemunho de Almada o sentido republicano e democrático de sua percepção
estruturante e longitudinal da realidade maranhense, cujo sentido finalístico
exige que haja um compromisso com meios continuados de reforma e de mudança,
para que o Estado, no gerúndio, venha mudando práticas e culturas
estabelecidas, com a geração de um modelo de condução transformada e
transformadora.
Léo
Costa é um ativista cívico histórico, com experiência administrativa vitoriosa,
bafejado ainda por uma capacidade de análise da realidade envolvente,
resultante de sua sólida formação sociológica. Costa enriquece o debate com a
retomada do signo democrático como condição central para o Maranhão em mudança,
segundo a definição do Governador Jackson Lago. Levanta ainda o Prefeito de
Barreirinhas a bandeira do municipalismo como chave estruturante de um Maranhão
transfigurado, que transite do combate à pobreza para a promoção da riqueza,
elegendo a renovação da agricultura como sustentáculo proativo de um
desenvolvimento inclusivo, ético e de promoção de todo homem e do homem todo.
Quanto
a Aziz Santos constitui um extraordinário exemplo de técnico dotado de visão
política, refinada no custo de uma singular experiência de gestão privada e
pública, que lhe permitiu gerenciar fomentos no Mercado e intervenções do
Estado. Santos carregava consigo uma formação técnica robusta, enriquecida em
seu confronto com o fado, por duvidar que o crescimento econômico nacional
envolvesse o Maranhão e o transfigurasse, segundo a lógica racionalista do
Mercado, estampada no milagre brasileiro e seu modelo de resultados
concentracionários. Abedelaziz Aboud Santos perseguiu – como Gestor Municipal e
Secretário de Estado – a afirmação de um modelo de desenvolvimento social
referenciado por distinto paradigma, de que a sua reflexão é a autoconsciência,
a lhe permitir indicar a dignidade da pessoa humana como o seu valor dos
valores.
Raimundo
Palhano é o principal intérprete do Maranhão depois de Bandeira Tribuzzi.
Economista com formação acadêmica plural – traço também visível em Jhonatan
Almada, Léo Costa e Abedelaziz Aboud Santos – Palhano vem construindo, desde as
décadas de 70 e 80 do século XX, um volume individual de estudos sistemáticos sobre
a realidade maranhense, de superior significação. A ideia de coisa pública –
relacionada ao espírito republicano e sua ausência no antigo modo de governar –
na reflexão palhaniana ganhou a condição de categoria indicativa de caminhos de
efetiva mudança, exigente e geradora de mobilização social e de redirecionamento
das instituições estatais. O pensamento de Palhano tem a virtude de repensar o
desenvolvimento maranhense à luz da desprivatização, da publicização do Estado,
com o estabelecer de uma dialogia nova com a sociedade a conquistar cenários de
afirmação da cidadania ativa.
Esse
livro – Maranhão, Enigmas, Desafios e
Urgências – é um documento para a história maranhense, ao resgatar um
processo de mudança social interrompido por um golpe de Estado judicial: o
Governo Jackson Lago.
Felicito
a todos os quatros autores pela lucidez da reflexão, absolutamente impecável,
referente à possibilidade de futuro de nossa pátria pequena, como dizia Joaquim
Nabuco a respeito da Província que cada um de nós carrega para sempre na alma,
como verdade primeira, de sua forma de ser e de sua maneira de estar no mundo.
Lucidez,
essa, revelada na capacidade de ponderação que já sublinhei – “Não há como
fugir dessa convocação histórica. Há uma nova engenharia política a ser
elaborada que vai além das comemorações e dos feitos que levaram à vitória nas
urnas” – que constitui um chamamento indispensável à realidade e sua desafiante
tarefa a ser cumprida.
É
a compreensão ampliada, em termos de percepção, na consciência da política de
campo minado a ser herdada – “O Maranhão não deixou de ser um território
marcado pelo acúmulo de erros e omissões, completamente impunes e mesmo não
relevados, que foram construindo contextos paradoxais e assimétricos, tanto no
corpo como na alma maranhense” – e suplantada. É a vontade de superação do legado
que, a despeito de maldito, tem que ser transfigurado, sob a compreensão de que
os canais e os oceanos são produtos de fontes que têm que ser regadas e
protegidas, chegando-se aos macrossistemas de irrigação de uma multiplicidade
empoderada de microssistemas.
Assim
poderia eu prosseguir, palmilhando a riqueza do território do texto, que já
considero a Carta de Princípio do Maranhão a ser refundado – “O barco pode
afundar muito cedo se não for conduzido para a grande viagem que não houve” –
apenas se houver o estado de poesia, a consciência do momento mágico, o
visionário pão de cada dia, em perseguição de horizontes vezes dez, ou cem, ou
mil, para que se tenha algum, mas que seja digno e empreste um par de asas ao
bicho da terra que o homem é, como recordou Luís de Camões.
E
o homem é bicho da terra universalmente, da rua mais simples, da mais esquecida
aldeia do Maranhão, até a Quinta Avenida, em Nova York. Possuindo, entretanto,
em seu substrato emocional – insuspeitada, e por despertar – capacidade de
sonhar com os amanhãs que cantam as toadas de uma vida mais ética,
compartilhada, emancipatória e solidária, de que o Maranhão precisa deixar de
ser oligárquico e reiterado contratestemunho.
Este
é o desafio da viagem por haver, na direção do porto em que gente venha a ser
tratada como gente em nossa terra comum: sem desprezo e com respeito, em um cuidar
das pessoas que as liberte para a balaiada incessante e pacífica, da construção
vertical de outro destino, que não o da reiterada “viagem que não houve”, na
qual o senhor mais recente deixa saudades do donatário mais antigo, em ciclo
merecedor de um ponto final, na vitória do compromisso democrático sobre a
tradição oligárquica.
É
grande a viagem: têm Jhonatan Almada, Léo Costa, Aziz Santos e Raimundo
Palhano, efetivamente, razão. E a travessia não pode, ultrapassando o
Boqueirão, sucumbir no Baixo dos Atins, na Baia de Cumã, sumidouro de sonhos,
que já engoliu o poeta Gonçalves Dias, e não pode e não deve, agora, senão ser
passagem para o mar oceano da pergunta com resposta e da esperança rediviva.
Meditemos
e recordemos Fernando Pessoa: “Quem quiser passar além do Bojador / tem que
passar além da dor”. E mais: “Deus ao mar o perigo e o abismo deu,/ mas nele é
que espelhou o céu”. E finalmente: “Valeu a pena? Tudo vale a pena/ se a alma
não é pequena”. Só de alma grande será possível avançar verdadeiramente,
trocando a pré-política do contra pela política do a favor. Comungo dos votos de que a
nova subjetividade, à qual se reportam os quatros pensadores gonçalvinos, ainda
por ser esculpida no tecido social da história, tenha no timão maranhense a
legenda heróica do bom combate a ser permanentemente travado: “Maranhão de alma
grande!”
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